quinta-feira, 12 de agosto de 2010

CARTA ABERTA PARA TI QUE ME LÊS

Sabes, há muito que estava para te escrever, para falar contigo, pois sinto que te devo uma explicação. Terás dito, ou sentido, que te abandonei, agora que tanto precisavas de mim.
Também eu sinto a tua falta, de te ver, de te ouvir. Já nos conhecemos há mais de 25 anos. No princípio comunicávamos de uma maneira mais salutar, acreditavas mais em mim. Depois, pouco a pouco, senti que íamos esfreando a nossa relação. Sentia a tua angústia, a tua ansiedade por eu não poder resolver os teus problemas , que se manifestavam, a maior parte deles como sintomas clínicos.
Fazia o que sabia e podia, receitas, análises, exames auxiliares de diagnóstico, mas muitas vezes lá aparecias novamente queixando-te , agora de outra coisa. E eu, perguntando a mim mesmo o que é que estava errado, se tu , eu, ou ambos.
Pela manhã, após o periodo de consultas, a funcionária trazia-me os pedidos, que como os teus me levavam algum tempo a passar. Alguns pedidos de outras especialidades, outros de alguém, que tu já descrente em mim resolveste ir consultar. Muitas vezes tentei aflorar contigo, se os teus sintomas físicos não seriam resultantes de algo que se passava na tua vida e que não tinham nada a ver com a medicina. Nem sempre reagias bem a estes meus questionamentos.
Os anos foram-se passando e tambem eu comecei a ficar angustiado, ansioso, às vezes depressivo, pois não via, a maior parte das vezes a luz ao fundo do túnel, para solução da maior parte do que consideravas os teus problemas. O relacionamento entre nós foi-se esfriando e às vezes tornava-se difícil, pois a confiança não era muita.
Então resolvi aposentar-me, libertar-me, e pensei ,libertar-te tambem a ti, dando-te uma oportunidade para procurares outra via.
Soube, depois, que disseste que te tinha abandonado, mas não é verdade. Agora estou mais livre, como um pássaro que se liberta da sua gaiola, mas que continua na periferia, pronto a continuar a ouvir-te já não naquela sala, mas pode ser num banco de jardim, na rua, onde tu quiseres. Tenho todo o tempo para te escutar e se necessário, sugerir-te uma receita ou outra porta que se possa abrir para que te possas ajudar a ti próprio.

antonio alfacinha
medico de familia aposentado de Alhos Vedros
alfa2749@yahoo.com.br

1 comentário:

luis santos disse...

Amigo António

Regressei apressado do norte do país, S. Pedro do Sul. O ar tornou-se quase irrespirável. O país arde por dentro e por fora(...)

No país, no mundo, as temperaturas sobem e os recursos escasseiam. Tentamos ajudar, ajudando-nos, a diminuir a tragédia que se vislumbra... Ainda assim, mantemos o optimismo de quem pensa que a Vida se escreve com maiúscula.

As suas reflexões têm trazido uma dimensão a este nosso Estudo que nós nem imaginávamos que ele iria merecer.

Muito Obrigado por tudo.

Aquele Abraço.