terça-feira, 16 de novembro de 2010

Ventania

Fernanda Leite Bião(1)

Fenômeno constante e presente, insinua-se, renovada, uma dança silenciosa que, lentamente, volta a balançar todo o meu ser e sua integralidade, no compasso de trovões agitados e assustadores ou na cadência de uma canção leve e tenra. Sempre constante.

Em sua agitação, assemelha-se às tempestades violentas ou a águas diáfanas que movimentam toda a estrutura da vida. Fazem-me não aceitar e questionar o meu lugar na existência.

De maneira leve e rasteira, permite um silêncio nem sempre calado de si, eco seco de uma inquietação angustiante que demanda, quase sempre, conexões constantes de mares calmos ou revoltos. Ondulações incessantes.

Os ventos da mudança transbordam em meu ser a possibilidade de conhecer minha própria história (recente e longínqua). Lembro realizações e frustrações, medos e esperanças. Repenso os caminhos escolhidos, as escolhas realizadas e as oportunidades questionadas.

Vejo-me escalar um monte. Ao pé da montanha, ergo a cabeça ao alto. Para alcançar o objetivo, diviso o tempo, o tamanho do obstáculo e as estratégias. No coração, batidas exprimem sons característicos aos sentimentos e emoções despertadas, em diálogo com minhas tarefas, desejos e necessidades.

Existe uma graduação de aprendizado na experiência a ser vivida. Quanto mais perto do chão, mais grosseira é a atmosfera em que me encontro. O peso dos acessórios carregados é enorme. Porém, não posso me desfazer deles, logo eles que me trazem alguma segurança, que, reconheço, é, no momento, necessária. A segurança de ter em que me apoiar. Recordo dos valores, crenças e regras aprendidas, companhias constantes, ao longo da inconstância da vida. São como os meus equipamentos. Nesse momento ainda não posso abandoná-los de todo, embora sinta desejo de fazê-lo.
Subo mais um pouco. O corpo já se ressente dos movimentos bruscos que uma escalada pode proporcionar.

Enquanto tomo fôlego, penso na partida e no ponto final. A corda balança na montanha. Sou um pêndulo. Preciso me movimentar.

Aos poucos, sinto o meu corpo desfilar sobre um caminho possível. A esperança de chegar, finalmente, ao cume desejado expande a minha alma, desperta em mim uma força que desconhecia. Aproximo-me do meu destino. Sinto que a esperança que cultivei, questionada nos dias sombrios, foi o facho de luz diante da escuridão da incerteza.
Posso olhar para baixo sem constrangimento e para cima com mais alguma coragem. Estou quase lá, sigo com a consciência tranquila.

Existe um momento em nossa caminhada em que a dor busca abrigo em nós. O sofrimento entra pelos aposentos do nosso ser sem nos pedir licença. Escolhas são realizadas. Enquanto contemplamos as perdas e ganhos que cada escolha traz consigo, por vezes, esquecemos que, descuidados, abrimos a porta a visitantes, queridos ou indesejáveis. Quando damos conta, pode ser tarde para expulsar o sofrimento que chamamos de intruso. Confusos com gritos e respostas que circulam na atmosfera vivida, sentimos a necessidade de recolher em sacolas respostas esparsas que circulam ao redor. Em processo de evolução, caminhamos tateando em meio a esperanças e esforços de organizar a própria vida e dar sentido à existência.

Visões do porvir nem sempre vem a ser o exato prenúncio do futuro, mas precisamos perseverar, projetando no devir nossos projetos, que fazem a vida valer a pena ser vivida.

Uma lágrima desce no rosto com marcas das experiências de vida.
O mundo é um palco de representações e papéis sociais. Nem sempre gostamos de todos, mas temos de escolher alguns e caminhar.


1)Psicóloga e Orientadora Profissional. Bacharela em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas). Educadora Social. E-mail: fernandabiao9@hotmail.com. Blog: http://fernandaleitebiao.wordpress.com.

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