Há cerca de três anos e meio tive uma ideia absurda. Decidi que ao atingir 500 amigos no Orkut iria publicar meu primeiro livro de poemas. Quase um ano e meio depois, veio a lume meu ‘mosaico primevo’, que é o primeiro impresso em gráfica, posto que outros dois já haviam sido mal prelados: um em impressora jato de tinta (poemia) e outro em xerox (vago mar – sob heterônimo).
Dizer que a ideia foi absurda deve ser eufemismo. Afinal, meus 500 amigos (na época) de orkut não iriam comprar cada um um exemplar. Aqueles que compraram ou não, certamente não o fizeram por causa do site de relacionamento, mas por causa do relacionamento comigo fora da net.
Mas não foi a venda ou não de livros para amigos de orkut o que mais me chamou atenção sobre estes relacionamentos reais / virtuais. O termo virtual não me soa bem. Afinal, não consigo enumerar pessoas com as quais nos últimos cinco anos tenho me relacionado apenas pela Internet. Todas são bem reais, garanto! E a relação estabelecida com eles nada tem de virtual. Alguns transitam das páginas da net para o telefone fixo, para minha caixa postal, para porta da minha casa, para ruas por onde ando, para corredores de instituições onde trabalho…
Foram alguns destes que me surpreenderam há dois anos. Talvez crise de ingenuidade. Ao se passar por uma pessoa conhecida sua que está fazendo aniversário e você tem ciência, você cumprimenta? Parabeniza? Se você, distante no espaço, sabe do aniversário de alguém, você telefona, manda email, scrapt no orkut ou mensagem pelo facebook? Ora da quantidade de mensagens de feliz aniversário em meu scrapt do orkut em 2008 (cerca de 2/3 dos amigos mandaram mensagem), muitas eram de colegas de trabalho e alunos para quem eu estava lecionando naqueles dias.
Eis o meu espanto, coisa que custei a entender e que ainda não me assentou direito: quem te cumprimenta na net, pode te ignorar totalmente ao vivo (vice-versa?). Para todos no Orkut agradeci o scrapt. Talvez isso tenha dado a interlocução como encerrada. Pessoalmente, poucos tocaram no assunto. Teve quem telefonasse, mandasse email… Destes dos scrapts aos quais resolvi agradecer, ouvi respostas interrogativas. Houve quem garantisse que não me mandara mensagem alguma.
Não, gente! Não estou querendo festas, tapetes vermelhos, bolos e presentes. Sequer me queixo de lembrancinhas ou mesmo da lembrança de que completo anos. Apenas chamo atenção para isto: parece haver em muitas pessoas uma cisão significativa entre a vida hodierna (off-line) e vida na Internet (on-line). Como o que se faz e se vive na Internet não apresentasse conexão com o que se faz na vida cotidiana. Não se lembram de compromissos marcados, de tarefas, de emails que enviaram. A Psicologia deve já estar estudando isso.
Este é o primeiro aniversário que completo estando no Facebook. (Desta vez não vou criar meta de amigos para me decidir pelo lançamento do próximo livro.) Talvez a coisa tenha mudado de dois anos para cá. Talvez alguns (especialmente os alunos) leiam isto aqui (crônica de aniversário – é um gênero? um sub-gênero?) e o comportamento seja diferente na segunda (que é quando volto à sala de aula, pois estou afundado numa suspeita de dengue). De todo modo, antes de escrever esta crônica ainda não li meus emails, scrapts ou mensagens no Facebook. Farei isso amanhã, conforme a febre e as dores deixarem.
É certo que muitos amigos verdadeiros e virtuais (só porque o termo que se é este, mas extremamente reais) vão usar a net para mandar mensagens de aniversário, não há mal algum nisso. Vou ler com muita satisfação, já disse: conforme a suspeita de dengue deixar. Entretanto, maior satisfação será ver algum pessoalmente nos próximos dias e receber um abraço.
Belém, 01 de Dezembro de 2010.
Abilio Pacheco, professor, escritor
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