É de um moçambicano, L. Makwakwa, o L. já não sei o que abrevia, o resto, nome difícil de escrever! Este Makwakwa, grande artista, sempre andou metido em confusões, não tanto políticas, mas bebedeiras, brigas, e até drogas, e acabou preso em Lourenço Marques. Esteve, creio que uns bons meses, na cadeia da cidade. Algum tempo antes de ser solto, foram-lhe dadas, pela direção da cadeia, telas e tintas para que, além de estar ocupado, preparasse uma exposição a inaugurar com a sua liberdade, e assim conseguir dinheiro para seguir uma carreira fora do alcool. Gesto bonito do diretor da prisão.
A pintura dele é rica, intensa, marcadamente moçambicana. Como não sou crítico de arte não posso afirmar que seja da escola do mestre Malangatana, mas a verdade é que parece ter sido este o percursor de um estilo que distingue, ao primeiro olhar, o artista moçambicano de qualquer um de outro país africano.
Fomos visitar a exposição e o quadro que mais agradou foi este, o maior, que dominava a sala. Estive algum tempo a apreciá-lo até que o artista me veio explicar o seu significado: a Ceia de Cristo, vista por olhos africanos. Um reunião entre um Grande Chefe e os seus doze seguidores, onde sempre se bebe muito, e In Vino Veritas, é grande a alegria e animação de uns e prostração de outros.
Um dos presentes, depois de ter bebido por uma cabaça o vinho, ali configurado como fazendo parte do corpo do Grande Feiticeiro, e com um gesto de falsa amizade, ter colocado a mão no Seu ombro, acaba repudiando a cabaça que está a cair-lhe da mão! Os outros seguidores, tal como rezam os Evangelhos, são uns mais tranquilos, outros mais irrequietos, mas sente-se um misto de animação e até admiração, reações que o vinho dá a cada um.
Mais ainda fiquei a gostar daquela obra.
Achei sensacional o quadro e mais ainda a idéia, mas como o preço pedido eram vinte e cinco contos, demasiado para o meu sempre curto bolso, não comprei. O João Marco comprou dois menores, muito bons, e eu limitei-me a olhar e ficar na minha.
Trabalhava nessa altura no BCCI - Banco de Crédito Comercial e Industrial - e tinha a meu cargo as relações públicas, publicidade e afins. Terminada a exposição, pouco tempo passado, um dos meus diretos colaboradores pediu-me para receber um pintor que precisava de trabalhar. Estaria sem dinheiro para comprar material.
- Quem é ele?
- Makwakwa.
- Interessante. Fui ver a exposição dele, onde vendeu uma boa porção de quadros e já está sem dinheiro? Gostei muito de toda a obra e tive pena de não ter dinheiro para comprar o quadro maior, uma Ceia muito curiosa e bem pintada. Era muito dinheiro para mim!
- Foi o único que ele não vendeu.
- Eu não discuto preço de arte, mas posso fazer uma proposta a ser considerada entre amigos, apesar de não o conhecer. Ele dá-me esse quadro, e eu dou-lhe uma razoável quantidade de material de telas e tintas. Volto a repetir que não tenho vinte e cinco contos!
- Vou falar com ele.
- Ainda podíamos fazer, paralelamente, outra coisa, mas para o Banco. Ele que estude e nos apresente uma idéia sobre a visão africana do dinheiro! O que ele entender e quiser. Assim como concebeu esta Ceia, diferente, ele que pense em algo relacionado com dinheiro, transações comerciais, o que quiser. Três a seis esboços para discutirmos. O Banco compra-lhe os quadros e fará para o próximo ano um calendário com eles.
Encurtando razões. O esperto do Makwakwa, depois de fechado o acordo comigo, foi pedindo sempre mais um pouco de dinheiro, para mais uma tela, mais um pincel, mais uma cor, e não tardou que eu tivesse pago praticamente os vinte e cinco contos que teria custado o quadro! Burro, eu.
Para com o Banco, teve uma outra atitude, dentro da mesma tónica: antes de apresentar os esboços pedidos para se discutir o seu custo, pediu também dinheiro adiantado! E ficou enrolando, enrolando, até que um dia chegou a Revolução e o projeto dos quadros, bem como tudo o mais, se esvaiu, evaporou.
Dinheiro recebido como adiantamento, também por lá ficou!
Passou-se isto em finais de 1973 para 74.
Passados uns quantos anos, em 2001, quando fui estar uma temporada na Casa do Gaiato, ao lado de Boane, a 45 quilometros de, agora, Maputo, já de regresso a casa, fui apresentado no aeroporto a um secretário da embaixada de Moçambique na África do Sul que viajou comigo nesse primeiro trecho. Chamava-se também Makwakwa!
De imediato perguntei-lhe se conhecia ou era da família de um pintor L., que eu não lembrava o que significava, Makwakwa.
Respondeu-me que Makwakwa era um nome muito comum em Moçambique e até na Zambia, porque designava algumas localidades com esse nome. Tinha ouvido falar desse tal pintor, e pelo que, mais ou menos, lhe constava tinha saído há muito da capital, estaria no interior, e, infelizmente, sempre ligado à bebida, sem produzir mais nada!
Uma pena.
7 dez. 10
Francisco Gomes Amorim
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