quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

d´Arte – Conversas na Galeria XIV


Favela 911 Autor António Tapadinhas
Acrílico sobre Tela 50x60cm
(clique sobre a imagem)

Acabei esta primeira obra duma série que há longo tempo vinha planeando, em 9 de Novembro, daí o seu título, Favela 911. Desgraçadamente, pelos piores motivos, este tema tornou-se notícia de primeira página e abertura de noticiários de televisão. Não tinha intenção de apresentar estas obras no Estudo Geral, mas "Vemos, ouvimos e lemos...não podemos ignorar"...
Favela no Brasil, bairro de lata em Portugal ou musseque em Angola, são palavras que definem a área degradada de uma cidade, caracterizada por moradias precárias, com edificações inadequadas e materiais de construção inventados, muitas vezes estranguladas entre morros ou colinas.
No meu quadro é o azul que oprime as casas e as pessoas que se adivinham nos intervalos coloridos das vielas estreitas e é o amarelo que serve de manto diáfano para a dureza do quotidiano.
Esta é a primeira obra duma nova série a que chamo, Favela, porque das palavras que definem esta realidade, é a palavra mais colorida.
Na penumbra dourada que suaviza as cores cruas do passado presente, espero que encontrem a beleza verdadeira, aquela que provoca arrepios, como na canção de Caetano Veloso, Menino do Rio.
Tomem esta minha obra como um abraço!

7 comentários:

Luís F. de A. Gomes disse...

Viva, Tó

Depois das férias eis-me de regresso a esta nosso simpático espaço comum que, pelo vejo, continua de vela solta pelos domínios da imaginação e das ideias que lá vão fazendo contra-corrente à tirania de pensamento único em que somos forçados a viver. Enfim, cadilhos de quem é filho.

Esta tua favela começou por me remeter para um mapa, sugeriu-me a Austrália e se queres que te diga não saberei dizer porquê.
A mescla de cores, o encavalitado das impressões, talvez a mistura de ambos os factores e o azul de mar que, afinal, é de céu, mas poderia ser de mar, talvez tenha sido tudo isso que me trouxe à memória representações pictóricas de outras geografias que as tradições culturais indígenas pintam e que eu, no princípio dos anos oitenta, tive a oportunidade de admirar na obra de um pintor aborígene, creio que Chakamarra, de seu nome. E provavelmente terá sido daí a associação a que aludi.

Mas não, depois li o texto e vi que o artista tinha uma surpresa para mim e falou de favelas, um universo específico, com cultura própria e que tem história, já e que nós europeus muitas vezes confundimos com o que apelidamos de bairro de lata. Todavia não o é ou, se quisermos ser mais precisos, não será apenas isso. É mais, bem mais que isso e muito mais complexo do que à primeira vista poderá aparentar.

Devo dizer que apenas tenho experiência física de favelas brasileiras e, no caso do Rio de Janeiro, com o acréscimo de ter trabalhado com muitos favelados, num dos mercados abastecedores da cidade maravilhosa. Não saberei portanto dizer se nos outros países da américa do Sul, como por exemplo a Venezuela ou a Colômbia, tais aglomerados populacionais obedecem às mesmas características culturais e se tiveram o mesmo historial, isto é, se partiram das mesmas causas e foram objecto das mesmas transformações por via da dinâmica demográfica interna e da sua relação com as redes de narcotráfico que aí se instalaram.
Seja como for, tanto quanto me é dado avaliar, as favelas do Rio são hoje em dia verdadeiros universos concentracionários onde se instalou uma espécie de totalitarismo imposto pelos homens do crime organizado, fenómeno esse que nos deveria fazer reflectir e muito.

"Sertão e Favelas" era o nome de um álbum de Zélia Barbosa que, na década de setenta do século passado, cantava a luta da pobreza pela dignidade e que ainda nos retratava esse espaço da favela como o ponto de encontro dos pobres que as agruras e trepidações de uma agricultura de subsistência ia atirando para as periferias das cidades, por via daquelas epopeias que um Jorge Amado cantou nesse monumento da literatura mundial que é o "Seara Vermelha".
Mas da favela, em vez de sair a organização e o sindicalismo, o discurso de revolta e as lutas sociais pelos direitos e a dignidade, ficou o rancor fermentando que acabou por dali fazer brotar a raiva e o ódio que se foi abatendo pelos mais bafejados pela sorte do outro lado da cidade. E com isso se foi fazendo brava, a favela e com isso se foi deixando estabelecer em coito de bandidos e quando o narco-tráfico aí se instalou e passou a impôr as suas próprias leis a todos os habitantes, começou então a formar-se uma cultura de silêncio que ao crime protegeu e aos seus habitantes deixou sem chances de uma saída. É esse o totalitarismo de que falo que impõe a reprodução do pobreza, melhor seria dizer da miséria, a muitos dos seus habitantes, provavelmente à larga maioria que assim foi condenada a viver sem amanhã.

(cont)

Luís F. de A. Gomes disse...

Todavia permanece a favela de sempre, o reino do pobre e essa continua muitas vezes séria e decente, procurando progredir na vida e, quem sabe se com um pouco de sorte, a sair dali. E por isso também ali aparecem as redes de apoio e solidariedade, as associações de bairro e aqueles que jamais desistirão de acreditar que o homem não está condenado a uma vida de injustiça. É a complexidade de um tal universo que referi.
Enfim, coisas e loisas das misérias de uma Humanidade que seria bem mais bonita se conseguisse partilhar o planeta, a nossa casinha comum, de modo a que todos vivessem com pão e em paz, vendo a dignidade própria respeitada e estou amplamente convencido que isto não seria um sonho vão. Mas ainda estamos muito longe disso, neste nosso caminhar em que lá nos vamos fazendo Homens.

E esta tua pintura representa assim e muito bem essa mescla de culturas, esses encavalitados de casas pelas corcundas dos morros de onde o mar rasgo de liberdade é mesmo o céu, não porque seja lá o único sítio onde os favelados poderão encontrar a liberdade, mas por ser a nesga de vida que lhes recorda que nunca o Homem deixará de sonhar e enquanto isso for assim, sempre ele haverá de caminhar na direcção da esperança de um mundo melhor.

Bela pintura, digo eu que não sendo das mais características do que conheço da tua obra, não deixa por isso de ser relevante no domínio da mesma e seguramente no âmbito desta tua parcela das tuas pesquisas e experiências de pintor.

A pintura também agita as consciências e esta aí está para o provar, nem mais.

Aquele abraço, companheiro

Luís

AAG News disse...

A burguesia a Entender os Pobrezinhos.

Os pobrezinhos
Tão engraçados,
Pedem Esmola
Com mil cuidados
Não façam mal
Aos pobrezinhos
Deêm-lhes pão
E eurozinhos.

luis santos disse...

Morro acima cruzes, muitas cruzes. Feitas de pau. Como aquelas que se vêm em muitos cemitérios. No tombo dos mais frágeis o sonoro revela o ruído compassado de uma intermitente arma de guerra, como se de um sapateado se tratasse.

No meio do morro nasceu uma flor. E nasceu uma criança que se apaixona pela flor. É um pé de laranja lima.

Porque será que o morro está mais amarelado de um lado? Pela luz do sol, pela rotação do planeta. A indestrutível lei da natureza. Não fossem as sombras.

Menino António do Rio
calor que provoca arrepio
dragão tatuado no braço
calção, corpo aberto no espaço
Coração
de eterno flerte
adoro ver-te

Menino Luís e vadio
tensão flutuante do Rio
Toma esta canção como um beijo.

A.Tapadinhas disse...

Luís: Olá, primo! Bem-vindo!

Fizeste-me(nos) falta, porque as teus comentários são sempre um manancial de informações e abertura para outros horizontes mais vastos (o que me faz lembrar a Austrália)!
:)
Ao fazer a pesquisa para esta série, nunca me passou pela cabeça, a actualidade e escrutínio a que o tema foi submetido, nos últimos tempos.

Foste conhecedor dos locais e situações dos favelados. Sabes, fisicamente, do que falas e acredito na tua capacidade de analisar as situações. Mas...

"Todavia permanece a favela de sempre, o reino do pobre e essa continua muitas vezes séria e decente, procurando progredir na vida e, quem sabe se com um pouco de sorte, a sair dali".

Quando (não digo se!) sairem de vez os bandos de criminosos que lá se acoitam, talvez as favelas possam ser recuperadas. Para isso, é fundamental respeitar as pessoas que lá vivem e que têm os mesmos direitos que os restantes habitantes da cidade do Rio de Janeiro.

Se isto acontecer, o sonho dos meninos que lá nascerão poderá ser diferente de "sair dali"...

Abraço,
António

A.Tapadinhas disse...

AAG NEWS:
Vamos brincar à caridadezinha
Festa, canasta e boa comidinha
Vamos brincar à caridadezinha
...
Não vamos brincar à caridadezinha
Festa, canasta é falsa intençãozinha
Não vamos brincar à caridadezinha

Não faltam discursos discursos sobre coesão social, mas ela é impossível enquanto houver exploração...

Abraço,
António

A.Tapadinhas disse...

Luís:
No alto do morro, nas favelas
nascem pés de laranja lima,
não nascem facas ou fuzis!
O sol que brilha nas janelas
aquece as sombras e a dor,
num bairro alegre ou tristonho.
Com ele fica a esperança
de quem nunca desanima
e acredita no sonho!

Abraço,
António