quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

d´Arte – Conversas na Galeria XV


Favela 1511 Autor António Tapadinhas
Acrílico sobre Tela 50x60cm
(clique sobre a imagen)

Na minha pesquisa para esta série, fiquei com diverso material numa espécie de manifestação do caos que, por definição, contém todas as formas e cores possíveis. Sendo assim, era simples; para executar a obra bastava deitar fora tudo o que não fosse necessário.
Depois de seleccionar a favela que serviria de base a este quadro, faltava pensar os meios que iria utilizar.
Pensar é aproveitar tudo o que sei para cumprir o meu objectivo: transmitir sensações. Pensar é dar forma ao caos, torná-lo credível para o observador, isto é, identificá-lo, mas, ao mesmo tempo, retirar-lhe a consistência, torná-lo virtual, porque faço por esquecer o que não me interessa, salientando, apenas, a sua beleza.
No desenho, apenas esboçado, de repente, começaram a surgir as janelas, as ruas, as pessoas, como notas musicais coloridas, numa pauta mágica.
E cumpriu-se o seu destino! Afinal, cor é magia!
Com esta conversa erudita, não sei se deu para perceber o mais importante:
Gosto mesmo muito desta obra!

5 comentários:

Luís F. de A. Gomes disse...

Era algo de que gostava, especialmente quando estava na praia, naqueles Verões longos e solarengos em que a infância despreocupada tanto gostava de se entregar às delícias do banho e das brincadeiras de beira-mar, mas em que as teorias dos mais velhos e de uma mãezinha que, a esse nível, seguia ortodoxa a cartilha do pediatra, nos obrigavam a certas obrigações –e sem resmunguices- como, por exemplo, a horas de digestão bem cumpridas, após o banho principal e o lanche da manhã, os banhos de Sol que faziam bem aos ossos e preveniam as gripes da invernia, especialmente naqueles quinze minutos de seca em que a comandante das tropas ordenava que todos se colocassem de barriga para cima o que, no meu caso pessoal, me inviabilizava perder-me naquelas aventuras da Enid Blyton de que tanto gostava e tanto me empolgavam a imaginação, era algo de que gostava, dizia, aproveitar essas obrigações para me deixar perder pelo céu olhando as nuvens, quando as havia, procurando ali formas e sugestões que o meu imaginário lá colocava e que me permitiam por vezes brincar com tais personagens, outras tantas tão simplesmente deleitar-me no engraçado que era ver a cara de alguém ou o formato de alguma coisa ali passando, diante dos meus olhos, sempre que a brisa fazia rolar no azul aqueles flocos que também lembravam os algodões doces que os jeitos espartanos de quem mandava lá nos iam deixando saborear pelas alturas das festas da terra natal. Era assim que se crescia, dizia o médico, com saúde e bons hábitos de alimentação mas sobretudo de vida, tanto mais se tivermos em conta que esta justamente não passa sem aquela e por isso eu me via forçado a obedecer, sem regatear, todos os preceitos que eram tidos como bons para um corpo são por ser esse o melhor suporte de uma mente sã. E eu que gostava de evitar problemas para que depois pudesse usufruir da liberdade de passeatas solitárias pelas ruas da Vila e pelos montes circunvizinhos, eu cumpria sem pestanejar todas aquelas regras, inclusivamente aquela que me forçava a caminhar sobre as algas que as marés deixavam esquecidas num recanto da praia e tudo isso porque o físico falava das enormes qualidades preventivas do iodo que dessa maneira se inalava e se aí, interiormente, por causa do cheiro e do medo do que poderia estar escondido naquelas amálgamas mais ou menos putrefactas de limos e areia, lá caminhava resignado ao pensamento do quando eu crescer não voltarei a fazer isto, já quando o apito indicava a mudança de posição sobre a toalha estendida na areia, não me custava tanto estar ali preso quando a vontade seria continuar outras brincadeiras ou simplesmente o prazer de leituras, conversetas e joguinhos que a sombra dos toldos proporcionavam e isso devia-se sobretudo a esse hábito de olhar as nuvens e nelas tentar ver o que os meus olhos queriam que eu encontrasse. A felicidade era um estado permanente que se estendia pelo infinito como os miúdos mais patetas pensavam que o mar se debaldava no horizonte a que muitos deles atribuíam uma espécie de fim do mundo. “-Mas a Terra é redonda, seu palerma.” –E as risadas eram inocentes, não por achincalhamento, antes pela surpresa de haver quem ainda assim pensasse isso por muito novo que fosse.

(continua)

Luís F. de A. Gomes disse...

Pois foi desses rostos que outrora distingui nas nuvens que me lembrei ao contemplar esta tua pintura, este teu outro estudo sobre as favelas que aqui quiseste partilhar com o nosso gosto de apreciar a Arte. Sabeis tu porquê? Simplesmente por me aperceber de uma sugestão de rosto que o centro do quadro comporta por via dos efeitos coloridos que ali deixas e que muito bem poderiam ser as sombras que nestes universos dão a luz. Só não quis decidir que para mim seria o rosto de quem quer que fosse, numa espécie de marca de sudário com que os cristãos vêm aquele que tomam por Messias e isso pelo facto de não ser capaz de escolher entre a cara gretada e mal tratada do favelado adulto ou a dos meninos que por ali crescem entre o indizível e em tantos e tantos casos, em demasiados casos para o que é humana e moral e eticamente aceitável, na sem esperança de tão simplesmente um dia virem a ser homens. Será pois o rosto da favela, a modos que a marca de água desta expressão da tua Arte como se com isso nos quisesses lembrar que afinal, também ali, por muita que seja a maldade que a sem esperança deixa vir ao de cima, também ali há essa centelha de Humanidade que nos distingue dos outros bichos. Depois das casas encavalitadas recordando-nos o tal caos de que nos falas onde há homens e mulheres que sobrevivem, conseguem sobreviver, será mais certo dizer, temos por isso agora o rosto, os rostos desses que bem lá no fundo em nada são menos que qualquer um de nós.

O que faz de nós Humanos? Em última instância, os valores que escolhemos e que assimilamos de tal maneira que fazendo parte da nossa consciência, são a única barreira possível que nos separa da barbárie e é isso que importa sublinhar e isso não se compadece com ideias pré-concebidas e frases feitas de um mundo imaginado em que ao soldado que fuzila, não lhe restasse qualquer margem para serenamente se recusar a fazê-lo. Afinal, para que temos o livre arbítrio?
É pois para estes sentimentos e cogitações que estes teus estudos apelam e assim continuando darteando a malta que, não tenhamos a menor dúvida, faz cada vez mais falta.

Aquele abraço companheiro

Luís

luis santos disse...

Certo dia uma poesia
inspirada numa fina tontaria
quando chegou ao fim
tão pobre que nem melancolia
nem poeta, nem nada

Noutro dia, outro poema
uma brincadeira de criança
e uma dança, era uma canção
que girava na covinha da mão
e o incrível poema venceu

o inesperado resultado da tela.
Depois as cores de árvore da favela
inimaginável, tão pouco expectável,
mas bela. De verde vestida
tão maravilhosamente cheia de vida

era Ela, beleza tropical dourada
divinos amarelos, alaranjada
sem fome, nem o nauseabundo tom
sem o cheiro triste do som
o sorriso mais riso já visto.

A.Tapadinhas disse...

Luís: Sei bem do que falas, quando recordas as regras que nós tínhamos de cumprir, na nossa feliz infância. Agora, há cada vez menos regras e, ao contrário do que seria de supor, a felicidade não aumentou!

A tua imaginação, a imaginação de quem vê as minhas obras, é um apelo que faço frequentemente a quem as observa com interesse.


E que felicidade quando nelas descobrem tágides ou mesmo um unicórnio azul!

Abraço,
António

A.Tapadinhas disse...

Luís Santos: Não sei responder a o teu poema!

O meu teclado não tem sóis vermelhos ou alaranjados, nem pés de laranja lima perfumados...

Abraço,
António