quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

d´Arte – Conversas na Galeria XXI


Universo Autor António Tapadinhas
Óleo sobre tela 100x75cm

Ndebele I
Na viagem que fiz à África do Sul, dois aspectos marcaram-me duma maneira especial: os animais selvagens que tive a oportunidade de ver e as comunidades nativas que sobrevivem, com a sua identidade, até aos nossos dias. Não há qualquer semelhança entre observar os animais em liberdade e no Jardim Zoológico. Depois de poder comparar as duas situações, temos a sensação de que os animais do Jardim Zoológico têm vergonha do cativeiro em que se encontram... Com as comunidades nativas, estranhamente, não tive essa sensação: mostram-nos sem pejo as suas casas, os seus trabalhos, a sua actual maneira de viver.
O povo Ndebele, cuja história se perde nas brumas do tempo, vive actualmente perto da cidade de Pretória. As pinturas das casas deste povo guerreiro, os utensílios e adornos que as mulheres usam, com o seu significado religioso, místico, talvez até mágico, foram os elementos formais e plásticos que utilizei, na criação desta obra.

3 comentários:

Luís F. de A. Gomes disse...

Gosto desta pintura, da harmonia das cores e sobretudo do uso que faz de elementos simples do quotidiano com o que consegue a particularidade simpática de ser arte feita em outra língua que não a do Autor, quer dizer, conseguindo materializar-se numa pintura que poderia facilmente ser tomada como um exemplar da arte pictórica desse povo de que falas. E se à partida pode parecer que se limita a pretender ser uma peça decorativa -o que não teria mal algum e de nenhuma maneira lhe diminuiria o valor artístico- esses elementos simples de que se compõe funcionam como símbolos de uma mensagem, uma qualquer alegoria que ali está contida, bem na tradição das expressões de arte dessas populações que persistem em modos de vida tradicionais nesse continente berço da Humanidade. É pois um exemplar de uma obra que consegue fazer o discurso do outro o que, para mim, é digno de registo e destaque.

Na medida em que numeras este trabalho a que naturalmente atribuis o número um, vejo que teremos mais estudos a este respeito e fico pois muito curioso por ver o(s) próximo(s) trabalho(s).

Darteafricando também quer dizer um apelo ao respeito pela dignidade dos homens. É uma afirmação de esperança.

Aquele abraço, companheiro
Luís

A.Tapadinhas disse...

Luís: Foi dos mais fascinantes momentos aqueles em que convivemos com os descendentes dos colonos de língua nguni, que ficaram conhecidos como Ndebele, proveniente da palavra 'refugiados' em sesotho.

Esta obra, não a cheguei a expor: um conhecedor da África do Sul comprou-ma, por causa das boas recordações que lhe trazia...

Logo ao lado, estão umas grutas que provam ter sido ali, se não "o berço", pelo menos, um dos berços da humanidade, conforme tu, muito bem, recordas.

Tens razão. Estou a pensar fazer mais um post sobre o assunto.

Aquele abraço,
António

MJC disse...

PINTURA, MÚSICA E POESIA
Caro António,
Gosto bastante da tela.
Penso (sinto) que é transcultural possibilitando e estabelecendo pontes de comunicação não só entre diferentes culturas e civilizações mas também entre o que se desconhece ou apenas se pressente e o que se vai revelando como quem desfolha páginas de um livro que se chama memória. Memória do que teremos sido, do ser plural que somos e, porventura, do ser que ainda viremos a ser.
Na tela sente-se (sinto) uma África poderosa e plena no cheiro intenso a terra depois da chuva esculpindo-se em exaltantes expressões de fecundidade e que, nessa exaltação, ganha asas tornando-se alada para poder voar ao encontro da gente inca e/ou maia e/ou asteca, que desde sempre perscrutou os astros interrogando-se quanto ao mistério que nos anima e trouxe aqui.
Embora a savana africana domine, na cor e ritmo, tambores e coros (sim, a tela contem música que se liberta e as envolve envolvendo-nos), percebem-se ainda, aqui e ali, formas índias e andinas que, tendo sido (e continuando a sê-lo) eternizadas em belíssimas cerâmicas, estão aí disponíveis para nos deleitarem. E assim, num ápice, temos África de braço dado com a América.
As coisas que cada um vê na arte criada...
Devaneios, talvez, mas pronto.
Abraço,

mj