terça-feira, 25 de janeiro de 2011

FACES

AEROPORTOS


Aeroportos e aviões.
Um dia perdido por entre esperas intermináveis, descolagens e aterragens.
São Paulo, o aeroporto de Guarulhos fala quase tantas línguas quantas as existentes na Terra.


Aeroportos. Já estive em uma boa vintena deles e posso dizer que de todas as dimensões e feitios. Desde Heathrow, em Londres, um gigantesco aeroporto internacional, quer no referente ao tamanho quer à complexidade em que se constitui como um grande nó inter-continental, de onde partem ligações aéreas para praticamente todo o mundo, constantemente agitado pelas máquinas que sobrem e descem de e para díspares direcções, desde esse, dizia, até aquele que não será erro considerar o antípoda, como é o caso da aerogare de Santiago, na Cidade da Praia, em Cabo Verde, o qual abandonei por uma espécie de portão de quintal, mal acabada a aventura de recolher as bagagens a contento, num armazém de amarelo desmaiado, atravessado ao meio por uma linha de bancos de ripas de madeira, sobre os quais foram literalmente atirados os volumes que não raramente estão a mais ou a menos, por entre aquela oposição devo acrescentar que também já deambulei por aeroportos de média dimensão mas inseridos nos circuitos internacionais e inter-continentais, como, por exemplo, o de São Salvador da Bahia de Todos os Santos ou o de La Valetta, em Malta, assim como em outros mais pequenos mas de expressão além nacional, o de Agadir é, para tanto, um postal, outros tão só com papel regional, como o aeroporto de Iguaçu, no Paraná, onde a pista ainda é avistável a partir de varandas e terraços abertos ao ar atmosférico, provavelmente devido ao calor, mas todos eles eficazes e modernamente organizados, à semelhança de um qualquer grande aeroporto internacional, só que em ponto mais pequeno. E a propósito, embora seja um aparte alienígena a estas páginas, digo que, de todos quantos conheci, aquele de que mais gostei foi o de Brasília, em forma de disco voador e um verdadeiro espectáculo em termos de funcionamento, quer no âmbito das acessibilidades, quer no respeitante à comodidade de em pouquíssimos passos usufruirmos dos serviços necessários e da manga que, em todos os voos, nos leva ao aparelho; aliás, um aeroporto à altura daquela que, na minha modesta opinião, representa uma ideia de cidade do futuro, um espaço feito à escala do máximo proveito para os beneficiários que são os seus habitantes.
Mas, como eu estava dizendo, já estive em muitos aeroportos diferentes e aquilo que sempre neles me impressionou ou, para conferir maior precisão ao discurso, mais me impressiona, trata-se, afinal, de algo que nada tem de diverso daquilo que sucede em tantos outros sítios; é o facto de por lá trabalharem pessoas que dão corpo às suas vidas profissionais invariavelmente sob os olhares dos milhares e milhares de outros que por aí passam.
Ainda hoje não sei explicar porquê, mas quando, à volta dos meus dezassete anos de idade, laborei um bom número de meses no escritório de uma agência prestadora de serviços, sentia o embaraço de desempenhar as minhas funções perto de uma janela e ao alcance de todos os mirones que, por vezes, me observavam enquanto escrevia à máquina ou atendia este ou aquele cliente. Não sei se me irritava o estar ali e os outros lá fora ou se, o que me perturbava, era simplesmente a inevitabilidade de ser o alvo de quem se atrevesse a espreitar. Sei que a situação me era incómoda e recordo-me de dias mais taciturnos em que me remetia para uma secretária de fundos que tinha a particularidade de estar, em parte, camuflada por um armário metálico com gavetas de ficheiro. Ser estafeta, na rua, ou cobrador, como aconteceu mais tarde, isso era uma coisa. Mas trabucar indefeso perante o olhar alheio…
E o curioso é que, inconscientemente, sempre me perguntei se aqueles que o fazem com tal se agradam. Eu destaquei o inconscientemente pois, se o não tivesse feito, certamente estaria para aqui a sustentar tontices. Claro que há ilustrações para todos os gostos; ele haverá quem goste e quem desgoste e ainda os indiferentes. Eu é que, por esta ordem, me posiciono no meio, ainda que tenha conhecimento de alguém que abençoa a oportunidade de, um dia, ter estado naquela condição de funcionária exposta ao público.


Um amigo meu, certo dia, enquanto esperava o check in, no aeroporto da Portela, em Lisboa, quis o mistério que ele sorrisse para uma empregada do balcão da British Airways.
Ela franzira os olhos e escancarara os lábios, adiantando o rosto na direcção dele, quando se viu forçada a bisar a pergunta relativa à preferência entre os lugares para fumadores e não fumadores.
Por fim, dentes brilhando, ele limitou-se a responder que nunca fumara.
Meses mais tarde casaram.

São Paulo, 28 de Julho de 1995 e Londres, 8 de Agosto de 1996

7 comentários:

A.Tapadinhas disse...

S. Paulo é, para mim, um imenso aeroporto, entreposto de pessoas. Aterrei lá duas vezes para mudar de avião; deu para respirar o seu ar e pouco mais.

Da tua descrição do aeroporto de Guarulhos, guardo o final feliz, concessão que faço ao facto de acabar com um casamento...

...que nos dias que correm, como nós sabemos, nem sempre é sinal de acabar bem...

Abraço,
António

Luís F. de A. Gomes disse...

Histórias de aeroportos, placas giratórias de vida, tal como nesta, também as há as que acabam bem. Não diria finais, mas desenlaces; na vida há desenlaces felízes, são uma espécie de selo da esperança e sem esta...

Aquele abraço, companheiro
Luís

Amélia Oliveira disse...

Olá Luís!
Adoro aeroportos! O que parece ser um aborrecimento para a maioria das pessoas, as esperas em aeroportos, para mim não o é! Porque gosto de pessoas e de ir imaginando, enquanto espero, um pouco das suas vidas e para onde vão e o que vão fazer! E depois, as Chegadas são sempre um local feliz: de Encontros e Reencontros, não achas? Já fiz algumas viagens, muito menos do que gostaria de ter feito, também já aterrei em grandes aeroportos internacionais - Heathrow fascina-me sempre pelas pessoas - e noutros minúsculos que, vistos de longe, mais pareciam simples armazéns... Contudo, o que mais fascinou foi o aeroporto de Vancouver! Pela arte! É uma espécie de Museu, com esculturas gigantescas e podemos facilmente ficar a deambular por ali durante horas a admirar a maravilha das peças expostas pelo aeroporto! A arte dos 'First Inhabitants'... fascinante! Se a tua 'vadiagem' algum dia te conduzir até essa cidade do Pacífico, guarda uma tarde para o aeroporto: pede um bom vinho e observa... vais ver que vale a pena!
Obrigada pelas boas memórias que me trouxeste!

Amélia

Luís F. de A. Gomes disse...

Olá Amélia!

Antes de mais bem-hajas por teres vindo até aqui; é muito simpático da tua parte.

Partilho o gosto, desde sempre e quanto maiores forem - o de Frankfurt, é, a esse nível, o de que mais gosto - tanto melhor; pelo mundo que em eles se vê e pela(s) fantasia(s) que normalmente me propiciam, pois também eu gosto desse jogo de imaginar as vidas daquelas pessoas com quem nos cruzamos; tenho mesmo o hábito de fazer histórias com elas, ainda que não passem disso mesmo, brincadeiras de imaginação que não me recordo de alguma vez ter passado ao papel. Não sei se isso se sente neste texto mas também não é importante, pois o que queria mesmo era deixar o quanto eles são justamente locais de encontro, de descoberta de outros rostos e para tanto escolhi o final que lhe dei.

Raramente tenho sido esperado e por isso não sei dizer o que são para mim as chegadas mas, o que normalmente me sucede e não me perguntes porquê, especificamente quando o destino está em Lisboa ou no Porto, cresce-me logo a vontade de voltar a partir.

Nunca estive em Vancouver, embora tenha lá pessoas amigas - tenho mesmo um convite para lá ir, mas é uma viagem cara pelo que terei de me preparar financeiramente para o fazer, quer dizer, fazer um mealheiro para essa finalidade e a verdade é que igualmente tenho, com esse destino, uma das minhas viagens de sonho da adolescência que será descer em Toronto, apanhar o comboio e atravessar o resto do continente até Vancouver. Mas, pelos vistos, ainda terei que esperar para o concretizar. Seja como for, depois do que dizes, mais ainda me cresce a água na boca. E um bom vinho sempre será um sinónimo da alegria da Vida, de viver. Uau! Pena que tenhamos tão poucos anos nesta Terra, mas isso é uma inevitabilidade que aceito serenamente, apenas me limitando a aproveitar o melhor possível estes em que por cá ando.

E se as memórias foram boas, só posso ficar satisfeito com isso.

Luís

PS

Ao tratar-te na segunda pessoa não estou a ser indelicado, pois não?

Amélia Oliveira disse...

É claro que não estás a ser indelicado - eu sempre te tratei na 2ª pessoa também!
Essa minha viagem foi recente e recomendo vivamente! Se tens onde ficar não é assim tão caro e vale 'every penny'! Pois a minha viagem de sonho também está em lista de espera: são 2, aliás - o Transsiberiano - com muitas paragens pelo meio- e a Route 66!!! Se fizer uma delas já ficarei feliz e se não fizer ficarei feliz na mesma!
E sim, as memórias que me chegaram com o teu texto foram muito boas! Já agora, Malta fez-me lembrar o Chipre, que não foi propriamente um lugar de que tenha gostado muito - embora o teu texto tenha embelezado bastante os lugares e as gentes, ou foi, pelo menos, essa a sensação com que fiquei!
Vou continuar a viajar nos teus textos e vou deixando o que me vier à ideia, OK?
Boa noite!

estudo geral disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Luís F. de A. Gomes disse...

O transsiberiano seria outra das minhas viagens de sonho, ir até Vladivostok e a cereja desse bolo seria seguir daía até Pequim e de lá até Macau, muito embora tenha que admitir que toda esta é mesmo um sonho, não direi impossível mas, por enquanto, não sendo capaz de ver como possa passar disso mesmo, um sonho.

Fazer Nova Yorque a São Framcisco seria outra aventura que jamais teria como recusar. No entanto, como temos que estabelecer prioridades - o dinheiro é uma chatice nestas coisas, não é? - sempre teria - terei? Assim o espero - em primeiro lugar de peregrinar até o rio Colorado, para me esponjar na terra, seja em que parte dele for, diante do Grand Canyon; em segundo lugar está Yelloestone.

Não conheço a ilha de Chipre, mas a Malta já regressei depois da viagem em que escrevi o texto que referes; fico contente por o mesmo te ter soado tão bem.

Ok! Mas, nesse caso, tenho pena de ter escrito tão poucos textos. Mas não importa, afinal sempre é mais importante que nos sintamos satisfeitos por aquilo que temos do que insatisfeitos com aquilo que nos falte.

Então, boa noite.

Luís