Marcámos um quarto num hotel em Meknes por três ou quatro noites. Queremos descansar um pouco.
O recepcionista foi lento e hesitante. Todos os aposentos estavam reservados, lamentou-se, mas era praticamente impossível a nossa permanência, começou por dizer e só perante a insistência ele logrou um sinal e desapareceu por uma porta nas suas costas.
Entrou em cena a empregada encarregue das marcações, jovem anafada e decorada em sorrisos, de óculos e com roupagem ocidental.
Foi simpática e prestável. Rasando o milagre, encontrou uma solução provisória. Deu-nos uma chave tão só para essa noite, mas deixou em aberto a hipótese de mudarmos para outra acomodação na manhã seguinte, pelo que, então, eu deveria indagar sobre a necessidade de fazermos ou não a troca.
Preço razoável, aceitámos. Com interesse, na cidade, há um museu e o túmulo do mullay Ismail.
Após o banho vital da manhã, ainda em jejum, dirigi-me à funcionária da véspera. Teria de fazer rodar as malas e erguer os sacos?
-Oh! Je suis désolé, monsieur, mais vous na pas de chambre. Votre chambre était déjà réservé et nous n’avons pas quelque outre.
-Comment? Mais hier vous m’avez dit que nous avons une chambre. Seulement était prévu une changement si le notre était occupé pour outres personnes, les premières a faire la marcation. Ces ce que vous m’avez dit, ces tout ce que je veux, je ne veux plus rien.
-Oh monsieur, mais nous sommes…
-Ça ne m’intéresse pas madame. Hier vous m’avez dit que aujourd’hui j’avérai une chambre pour moi et ma femme. Je ne veux plus rien et je ne peux pas resté la bas. –E apontei a porta de saída.
-Je suis désolé monsieur…
-Et je veux ce que vous m’avez dit hier. Vous m’avez dit qu’il a une chambre pour moi et ma femme. Ces tout ce que je veux.
Dormi essa e outras duas noites em Meknes, também ela uma cidade branca, espalhada entre os montes do médio Atlas.
Marrakesh, Agosto de 1991
Uma Revista que se pretende livre, tendo até a liberdade de o não ser. Livre na divisa, imprevisível na senha. Este "Estudo Geral", também virado à participação local, lembra a fundação do "Estudo Geral" em Portugal, lá longe no ido século XIII, por D. Dinis, "o plantador das naus a haver", como lhe chama Fernando Pessoa em "Mensagem". Coordenação de Edição: Luís Santos.
terça-feira, 11 de janeiro de 2011
FACES
por
Luís F. de A. Gomes
Para a
Júlia Maria Martins Nunes e a
Ghezine Almuth Weller
"De maneira que a vida certa (...) seria que cada um pudesse viver a sua vida e cada um dos outros pudesse ter esse espectáculo extraordinário de ver pessoas diferentes à sua volta (...)."
Agostinho da Silva
In "Namorando O Amanhã"
TRIVIALIDADES
UMA ESTADIA ATRIBULADA
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5 comentários:
Quando era mais jovem, adorava os sítios exóticos, com calor, pó, moscas, com pessoas que gostam de falar, de abraçar, de beijar
os que com eles conversam, com pessoas capazes de convidar para sua casa os amigos que acabaram de conhecer. Falo, por exemplo, de Cuba (das duas, porque a nossa também tem pessoas assim), ex-Jugoslávia ou Marrocos.
Actualmente, a minha disponibilidade física não acompanha a minha vontade. Para ser sincero, também tem um pouco da mudança das minhas prioridades: receio o calor excessivo, gosto do ar condicionado das grandes metrópoles, e não dispenso a visita aos seus museus.
Estive em Marrakesh com a Arlete pouco depois do
11Set2001. Foi a minha terceira visita a Marrocos, a primeira a Marraquexe, a porta do deserto, e à praça que é o centro do mundo:
o Mercado Jemaã El Fna que ficava em frente do nosso Hotel.
Estive a reler a crónica e já tenho a próxima conversa na galeria: vou recordar o que escrevi.
As tuas recordações e as minhas, tão separadas no tempo, vão ficar juntas, à distância de um clique. Abençoadas mentes que me (nos) deram esta possibilidade de, por meio de uma máquina, trazer-nos à memória o melhor das nossas vidas.
Aquele abraço,
António
Já está então valendo a pena a publicação do "Faces" e só posso dizer que fico curioso com o que possa sair do impacto dessa praça com cheiro a especiarias e a fritos e onde tive oportunidade de escutar a teatralidade com que os contadores de histórias ali ganham a vida pelo calor mais suportável das noites. Mas não foi isso nem mesmo os encantadores de serpentes o que me encantou nessa cidade da cor rosa que têm as corcundas carecas dos montes de rocha crua que a antecipam, enquanto porta do deserto, como dizes. O que mais despertou a minha atenção foi o mosaico humano que podemos encontrar numa praça que é uma espécie de palco dos múltiplos rostos que se podem observar no reino de Marrocos que, vistos pelo prisma em que eles próprios se vêm, todos eles trazem o mesmo fundo permanente que Bloch dizia haver no Homem, na Humanidade e tive então a experiência sensorial mais extraordinária da minha vida que foi a noção de ter perdido a ideia de estranho, de estrangeiro e foi esse o bem mais precioso que trouxe desse mês de viagem em que, de Norte para Sul, atravessei a cordilheira do Alto Atlas até Taroudent.
Afinal, todos somos habitantes da Terra, este berlindezinho cósmico prodigioso e, por enquanto, o único lugar seguro que temos para morar.
Aquele abraço, companheiro
Luís
UMA ESTADA ATRIBULADA é que seria, mas bem sei que é cada vez mais difícil extirpar o vício que parece que veio para ficar de se dizer e escrever estadia (que tem a ver com navios) quando se quer dizer estada (que tem a ver com pessoas). Nove em cada dez locutores da rádio e da televisão dizem erradamente, por que carga de água havemos de ser diferentes?
Não levem a mal o reparo e creiam que de modo algum me tenho na conta de um purista da Língua Pátria, que por sinal já não o é, já que se tornou pacoviamente internacional, e como internacional inútil e por isso dispensável. Quando o mandarim sunstituir o inglês, havemos de falar aquilo que agora nos parece estranho. É a vida!
Um abraço
Abdul
Não, não, não se trata de purismo linguístico e de modo algum podemos entender o reparo enquanto tal. Purismo, neste âmbito, dirá respeito a casos relacionados com a introdução numa determinada língua de vocábulos, maneiras de dizer, significados de determinadas palavras e expressões vindas directamente de outra ou de adaptações de certas palavras sem o filtro da língua a que chegam e de que passam a fazer parte. Basquetebol é uma boa ilustração para esta última situação, se tivermos em conta que aqui ao lado, em castelhano, é usado o termo baloncesto para referir aquele desporto. Pessoalmente uso muito "sem embargo", justamente a partir da língua de Cervantes e a que confiro o sentido do "apesar disso", "contudo" e outras fórmulas, assim como por vezes aplico "realizar" da mesma maneira que os ingleses o fazem enquanto "compreender", com o que poderemos exemplificar a referência imediatamente anterior. E já é um caso clássico o do abat-jour que depois de tanto dizermos acabámos por assimilar como abajur. No meu modesto entender, tenho imensas dúvidas quanto à ideia de línguas puras e por isso não só não me chocam essas misturas, como até sou dado a pensar que uma língua será tanto mais rica quanto maior for o número de palavras que colocar à disposição dos seus falantes e depois sempre haverá espaço para a inovação criativa. A verdade é que na medida em que sendo base fundamental da(s) cultura(s) humana(s), a(s) língua(s) é por natureza dinâmica e olhando para a História das Línguas, facilmente verificamos que umas vão derivando de outras pelo que falar de pureza será um tanto ou quanto forçado.
Mas não será este o caso de um reparo sobre um estrangeirismo pelo que nunca poderia ser este entendido enquanto um reparo que tivesse como pressuposto o purismo linguístico.
Aqui tratar-se-ia pura e simplesmente de um erro de vocabulário o mesmo seria dizer uma utilização mal feita da língua que se fala e escreve, neste particular, este último patamar.
Ora nesse domínio desde já tenho que agradecer a atenção da correcção que sempre será a forma que temos para ultrapassarmos os erros. Com efeito, não só nos devemos mostrar permanentemente dispostos a aprender, como, ainda que disso tantas vezes não demos conta, o estejamos constantemente a fazer. Soe dizer-se, estamos sempre a aprender, não é?
O reparo seria assim com todo o gosto recebido como um contributo precioso se de facto o termo "estadia" não tivesse, de modo algum, nenhuma possibilidade de ser usado com o mesmo efeito de "estada" mas tem. É claro que há dicionários da nossa língua em que para aquele apenas é referenciado o significado que o meu caro senhor indica, mais precisamente e só para citarmos um único exemplar, a "Demora que o capitão de um navio fretado é obrigado a fazer no porto de chegada, sem direito a aumento do frete ajustado." Teriam pois as suas palavras toda a razão de ser se apenas pudéssemos encontrar um tal conteúdo para a palavra em apreço. Sem embargo, se pode ser mais difícil termos presente textos de antanho para aquilatarmos do uso daquele com uma significação que transcenda essa situação específica (que tem a ver com navios) (sic), creio ser fácil encontrar em outros dicionários, a igualdade de significados para aquelas palavras, como no velhinho da Porto Editora, em que, depois de reproduzir a fórmula que os mais recentes afinal repetem, lá vem a "estada" como querendo dizer o mesmo que estadia. Em conformidade, não me parece que não se possa usar estadia como estada pois será de presumir que uns dicionários não anulam os outros e isto apesar de termos em conta que há matéria-prima que nas línguas naturalmente vai caindo em desuso.
(cont.)
Embora isso fosse suficiente para a escolha de uma palavra em detrimento de outra, acontece que temos também à nossa disposição certas ferramentas que podemos usar para melhor esculpir aquilo que queremos escrever e aqui tenho em mente as metáforas ou o sentido metafórico que podemos conferir a certas expressões, ideias ou palavras, como é o caso de que estamos a falar.
Uma vez salvaguardado o cuidado de sabermos que não estaríamos a errar no uso que demos ao termo, ganhámos com isso a liberdade para lhe deixarmos em aberto a leitura metafórica que me parece estar implícita no texto, na medida em que a estada em causa, pelo motivo do descanso necessário, tinha algo de nos termos sentido obrigados a ela e daí que ao escolhermos o título para esta história -que mal teria aplicar aqui, estória?- tenhamos conscientemente optado pelo termo estadia que também pode querer dizer estada, isto é, uma demora em algum lugar.
Seja como for, fica o louvável intento de melhorar que registo e é sempre de agradecer pois, lá está, é a vida, estamos sempre a aprender e pobres são aqueles que não se dispõem a isso.
Quanto ao resto, teremos então o mandarim elevado a língua dos extra-terrestres na medida em que, como todos sabemos, aqueles falam sempre em inglês; pelo menos nos filmes. Por seu turno, o português, com mais menos pontapés gramaticais e lexicais, continuará a ser falado e a robustecer-se se os portugueses fizerem por isso e quanto a isso, o meu caro senhor, está a fazê-lo.
A nossa gratidão, não pode ser mais veemente.
Luís
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