terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

FACES

IMPRESSÕES


Hoje estamos aqui para celebrar a eucaristia, para fazermos um voto pelo padre Casimiro Gusmão e também para Sant’Ana que, como vocês sabem, se festeja neste dia de vinte e seis de Julho e ainda para orarmos ao Senhor que está entre nós

O SENHOR ESTÁ ENTRE NÓS!

O Senhor que nos ajuda a vivermos e a melhorarmos estas nossas vidas fantásticas, neste pedaço de deserto flutuante, em que os pombos disputam alimentos invisíveis às cabras e galinhas pululantes por onde haja um aglomerado de habitações, no qual os furacões do experimentalismo cultural deixaram restos destelhados de edifícios esburacados e risíveis, alguns

AS FARP ESTÃO VIGILANTES NA LUTA DO POVO PELA CONSTRUÇÃO DE UM MUNDO NOVO

cujos testemunhos são ruínas, por ora, ainda brancas, embora, sob o calor tropical, os arames farpados vão enferrujando depressa; ou então as papoilas anacrónicas como a foice e o martelo do Hotel Aeroflot, em Santa Maria do Sal. Outros, dramaticamente eloquentes das tragédias de tantas descolonizações ou da não menos problemática relação dependente dos produtores de matérias-primas, incapazes de influenciarem o ritmo da procura nos mercados, fantasmas de uma economia do sal, de todo incompatível com as tábuas falhadas e acotoadas do cais de embarque.
“-Oh pááá, isso era coisa de muito movimento. Todos os quinze dias vinham aí uns navios a caminho do Congo ou de Luanda e carregavam umas vinte toneladas de sal daqui p’ra fora.”
Um guarda fiscal, por esses tempos, tinha muito trabalho, era uma coisa de grande responsabilidade.
Mas em Espargos sente-se energia florescente em pequenos comércios anódinos mas em pleno esforço de afirmação e enriquecimento e o mar e a mesma transparência de sempre, a orla verde, brilhante que circunda toda a ilha e permanentemente a presenteia com um alvo buliço, aqui e ali mesclado pelo breu acastanhado.
Quando atravessamos a planície de lavas arenitificadas, uma e outra vez visualmente interrompida por algumas corcundas cor de cinza castanho avermelhada, e além, paradoxalmente, jovens cones apontados a um céu não raramente ornamentado com nuvens, maioritariamente dispersantes, negaceiras em abençoarem os dois ou três oásis neste minúsculo prolongamento emerso das imediações saharianas, ao longo do asfalto que rasga as dunas rasteiras e a perder de vista, ou dos caminhos abertos por pneus e gado saído do nada, impera o som do vento e quando descemos o túnel do aproveitamento salineiro de uma caldeira vulcânica, esquecemos por completo o testemunho físico da existência solar.

QUE O SENHOR ESTEJA CONNOSCO.

Ele está entre nós, meu Deus todo-poderoso que me protege dos raios e faz das minhas cabras e do meu burro uns animais espertos para comerem do que há por aí, entre pedras e pedrinhas e pedregulhos espalhados de permeio com os lixos de plásticos e latas que vão sendo arrastados pelos remoinhos mais enfurecidos das deslocações de ar e nos dê saúde para vivermos com Fé e esperança nesta terra abençoada por Si.
Mas este país tem futuro, não é verdade senhor Jacinto?


Santa Maria do Sal, 26 de Julho de 1992

2 comentários:

A.Tapadinhas disse...

O meu pai contava, com a graça natural que lhe tinha sido concedida, que um dos dos seus colegas, revisor da CP, tinha escolhido para casar a mulher mais feia da terra. Sempre que interrogado sobre o seu duvidoso gosto na escolha, ele respondia que era para estar descansado quando fazia aquelas viagens que o obrigavam a passar algumas noites fora de casa. -Só por desfeita é que alguém me vai cornear! - dizia. O que é facto é que a desfeita aconteceu!

Ser o mais pobre entre os pobres, tem essa "vantagem": ninguém se interessa! Os problemas serão resolvidos, ou não, pelo senhor Jacinto, com a ajuda do Senhor, e não com a "ajuda" dos falcões...

...ou em português do Zeca, dos vampiros!

Só mesmo por desfeita...

Abraço,
António

Luís F. de A. Gomes disse...

E mesmo assim não têm deixado eles de cirandar por um tão fantástico arquipélago; não foram os da SLN/BPN que por ali andaram com a história do Banco Insular e com tudo o que isso tem de aproveitamento oportunista de uma jovem democracia e toda a carga de potencial corrupção que eventualmente se transmite aos locais?

Mas é como dizes e não é por acaso que esse pequeno mas magnífico país é uma lição para África, um exemplo de tenacidade para o Mundo.

Pena é que só mesmo por desfeita pudesse ser um tal território objecto de cobiça de tão baixa rapina. Esperemos então que não venha a haver um desenlace como a estória com que o senhor teu pai gracejava.

Mas deixa-me que te diga uma pequena nota pessimista.
É que há por ali muito investimento estrangeiro no domínio do imobiliário e da hotelaria que, se no primeiro caso, como é corriqueiro, lá vai estragando mais do que acrescentar mais-valia patrimonial e turística, no segundo me ficou a parecer estar ali, pelo menos por enquanto e falo à data dos dias que correm pois ali estive, pela última vez, no Verão passado, no domínio hoteleiro, dizia, me pareceu estar ali em pura atitude exploração da mão-de-obra -que estranho e frio nome para designarmos pessoas- local.
Quanto a isto, pese embora o aludido pessimismo, faço votos para que na democracia cabo-verdiana se venha a conseguir encontrar as vias e os meios para a ultrapassagem desse problema.

Cabo Verde, a população que ali vive, com dignidade e de cabeça levantada, foi uma das maiores lições de vida de que tive a sorte de beneficiar.

Mas provavelmente pelo sentido que deste às tuas palavras e, apesar dos reparos, com as quais naturalmente estou de acordo, sempre que ali estive não fui capaz de deixar de pensar em como é inbcrível que nós, os seres humanos, mesmo tendo em conta a burrice de muitos e a cretinice de uns quantos, bichinho prodigioso que é capaz de arrojos de inteligência como a compreensão do Universo e do mistério da evolução, industrioso ao ponto de ser capaz de enviar máquinas para lá do sistema solar, à espera de serem encontradas por outras inteligências por esse cosmos fora, sempre naquela terra inóspita e desesperada em que posso abraçar irmãos alegres, felizes e dignos, me deu que pensar como é que um animal tão inteligente é capaz de ser tão predador com o seu semelhante. Como pode a ganância levar os homens a pura e simplesmente agirem sem considerarem que são isso mesmo homens, portanto sequer sem reflectirem sobre o que isso quer dizer?

E aí lá encontrei o serenal na razão, pois não vou em disparates dos super-homens ou dos homens novos como se, na nossa natureza, a cultura se pudesse transmitir geneticamente e justamente por isso vou mais pela mão do tio Albert, para quem a Humanidade ainda vai na infância, ou não fosse a guerra, por exemplo, tal como ele sustentava, o seu erro infantil.

Esperemos pois que este Mundo tenha futuro e de preferência com os senhores Jacinto, os simples como tu e eu que hão de vir.

Aquele abraço, companheiro
Luís