HUNTING
Paola é filha de comerciantes e também ela vive de um pequeno comércio de artigos para turista, em Taormina, para onde se deslocou após o assassinato do seu marido, em Catânia, onde viviam e ela nasceu, cresceu e estudou. Casou-se pelo mandamento do coração e com a esperança de felicidade para o resto dos seus dias e quando recebeu a notícia da sua viuvez, entregou-se a uma perplexidade que a remeteu à clausura por todo o tempo que mediou entre uma calvície das árvores e a canícula da anuidade seguinte. Foi então que a mãe a convenceu a dar novo rumo à sua existência e a possibilidade de uma tia lhe passar um pequeno negócio naquela vila que a imigração grega havia fundado, foi bem aceite como o ponto de saída para a demanda de novas escalas, naquilo que entendia como um castigo para as suas deambulações apagadas das emoções do amor.
E a sua vida desaguou na melancolia de uma pequena loja, aqui e ali com um livro, vulgarmente com as conversetas do vai vem de clientes e fornecedores. O mais se fez de televisão e revistas, em casa, depois de jantares rápidos, uma vez por outra de entrementes com um ou outro espectáculo nas ruínas do teatro grego. À volta da regularidade de um trimestre, descia à cidade natal para rever os progenitores. Sem dar por isso, esqueceu anteriores amizades.
Logo no primeiro Verão decidiu fazer férias em Malta e hospedou-se num hotel em Sliema, num quarto com varanda escancarada sobre a plataforma argilosa que perfaz os contornos do cru abrasão com que, ali, a ilha recebe a espuma mediterrânica.
Andava perto dos trinta anos de idade e tinha saúde. Sentiu desejos e no jantar desse dia elegeu um outro hóspede solitário para seu parceiro de noite.
Nos anos seguintes repetiu-se e na primeira vez que trocou aquele arquipélago por outro destino, era já detentora de uma considerável colecção de masculinidades várias, onde intimamente gostava de destacar o que sentia como o prémio da iniciação de um adolescente. Nesse estio, em Samos, sofreu uma má experiência. Dois apolos que apanhara numa esplanada e que levara para um recato de rochas na praia, mais não foram capazes do que duas rápidas ejaculações consecutivas, seguidas do imediato subir das braguilhas e um par de galopes de foguete, como se ela fosse uma simples meretriz a quem se furtavam de remunerar. Depois desse desaire que lhe estragou todo o restante veraneio, virou-se para o ocidente e, em épocas sucessivas, acabou por atravessar um bom número de praias do sul de Espanha. Talvez por isso tenha sentido curiosidade por Tenerife e, vendo pelos prospectos turísticos, reservou uma semana em Puerto de la Cruz.
No regresso, deu por boa a hora em que tomara tal opção. Ali, sob as estrelas da marginal ajardinada onde se exprimem artistas e vendedores de bugigangas, cruzou-se de olhares com Pablo que, nessa noite e pela primeira vez em vinte anos de casamento, conheceu outra mulher que não a mãe do seu filho.
Foi ela que o extasiou com tudo o que um homem pode esperar e ter do feminino, mas era ele, até então, o único exemplar de um honesto pai de família para lá da qual a castidade tinha voto.
Há quantos anos ela não estava assim, sentada, só e sinceramente despreocupada, na circunstância, a uma das mesas do bar da piscina do hotel?
Casara com Pablo e a quinta dele e sem hesitações se entregara à labuta de fazerem as terras crescerem e os cabedais amealharem, alguns anos depois com a tutoria conjunta do Pablito que, naquele ano, ficara em casa dos avós maternos para que os pais tivessem oportunidade de se apaziguarem numa união que, depois de uma rodagem de silêncios, ultimamente, resvalara para a gritaria e as ofensas que já pouco distavam do uso físico.
Naquele declínio solar em que o marido saiu do quarto por estar farto de lhe aturar a falta de vontade para se distrair, limitou-se a ficar estendida na cama e a descer, horas depois, para jantar onde então se encontrava, já na companhia de um vinho digestivo.
Sorriu e concordou, em acto contínuo, ao escutar o pedido de um homem de meia idade, bronzeado e com cabelos castanhos puxados para trás, desportivamente vestido mas elegante que, de olhos azuis brilhando, lhe perguntou se podia ter a graça de falar com uma verdadeira obra de artista. Quando a convidou para irem dançar, ela pediu apenas para ir buscar a sua bolsinha ao quarto e ainda na rua, ele deu-lhe a mão e logo de imediato a puxou a si pela cintura e a beijou na fronte.
Na alta madrugada em que ele teve a gentileza de partilhar o táxi que a devolveu a casa, Sara sentiu a estranha sensação de ser mulher e agradeceu a Deus o facto de poder adormecer sozinha e nada indiciar que alguém ali tivesse estado na sua ausência.
No avião, no trajecto que os deixaria no aeroporto de Sevilha, Pablo olhou a mulher com o carinho de outros tempos. Ela sorriu e deu-lhe a mão. Encostaram as faces sobre o ombro dele.
Maska, Agosto de 1998
2 comentários:
Admiro a tua capacidade de, com poucas palavras, contar histórias que têm tudo para ser relatos de fragmentos da vida de todos os dias...
...com pessoas que eu gostaria de ter conhecido!
Abraço,
António
Embora todas elas do domínio da ficção, pura e simples.
Esta Paola, por exemplo, ficou uma boa mão cheia de anos lá para um canto da oficina, até que o mar, com os seus recitais e a frescura que tão bem faz à alma, acabou por propiciar o sopro que lhe deu vida.
Aquele abraço, companheiro
Luís
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