"A presença árabe-muçulmana na Península Ibérica alargou-se por vários séculos e influenciou a civilização portuguesa, no período decisivo em que se definia o seu ser cultural” (Antônio Dias Farinha, 1986)
O povo português assimilou a influência de diversas culturas - romanos, árabes, judeus, visigodos e outras. Vale a pena analisarmos estas heranças para compreendermos a atualidade e o futuro dos povos que conviveram com os portugueses na formação das suas identidades. Foi o que aconteceu por séculos com a presença árabe-muçulmana ma Península Ibérica.
A compreensão desta herança começa pela necessidade de entendermos que a mensagem religiosa do Islão teve como mentor o profeta Maomé, numa transmissão, a partir da escrita e da sua própria interpretação, profundamente basilar à civilização arábico-muçulmana, difundida, ao pormenor, pelos fiéis de Meca, Medina e da região da Arábia Central. A primeira biografia do Profeta é a interminável coleção de importantes tradições, compiladas em Medina por Muhamad Ibne Ishaq. As suas revelações iniciaram-se cerca do século VI da era de Cristo, no vale rochoso de Meca. Um tradicionalista ortodoxo menciona que, ao chegar o momento da Oração, o Profeta, por hábito, saía e dirigia-se para os vales da cidade. A tradição aponta o Anjo Gabriel a anunciar a Maomé que fora escolhido como o enviado de Deus. Alî, filho de Abû Talib, tio do Profeta, fora o primeiro homem de que há notícia a acreditar no enviado do Senhor, rezando com ele e aceitando a sua mensagem.
Quando Maomé faleceu, Árabes, Muçulmanos e Persas, de crença ecumênica e de espírito missionário, disseminaram-se por vastas áreas habitadas, distintas na sua cultura, civilizações herdeiras da cultura clássica, pela qual os islâmicos se deixaram também influenciar. A mutação da capital político-religiosa, primeiro em Medina, depois direcionada a Damasco e ainda a Bagdade, ao longo de dinastias omíadas e abássidas, provoca uma perda da referência de cultura dos primitivos centros islâmicos e de matriz do Islam clássico. Não obstante, a civilização islâmica não deixa de ter todo um conjunto de saberes único e genuíno.
A mentalidade religiosa muçulmana tem um caráter universalista, sem perder a referência às doutrinas de Maomé, valorizando o modelo da Umma, do Islão, da comunidade de crentes, como a organizara e dirigira o Profeta nas cidades de Meca e Medina.
A propósito, escreve Antônio Dias Farinha: o quadro mental do muçulmano forma-se a partir do ensino do Livro Sagrado aos jovens, desde a infância, e da obediência aos mandamentos e deveres religiosos codificados na Sharîà, ou Lei islâmica, aplicada pelos qâdis e respeitada pelos chefes políticos”.(1985)
Na sociedade muçulmana observa-se que os Árabes fixaram-se nas cidades, reunidos em bairros distintos, bairros esses nomeados pelos nomes de cada tribo ou família. Além da própria sociedade islâmica provocar esta antítese, as chefias políticas também refletiam esta oposição cidade/campo.
A arte muçulmana encerra em si um conjunto de manifestações artísticas, correspondentes a diferentes graus de evolução da sua cultura, numa civilização que se expandiu por um vasto território, tendo sido o seu factor de unidade a religião. Desta feita, a arte islâmica em Portugal corresponde a um dado momento da evolução civilizacional muçulmana, interagindo com um povo, cuja cultura era totalmente distinta e, principalmente, atendamos, no setor religioso que comandava a vida de ambos os povos: os Árabes e os Portugueses. Este fato é deveras compreensível, até porque os Muçulmanos entraram no nosso território, com o objetivo de invadi-lo e usurpá-lo aos Visigodos (710-716). Apesar da conflitualidade, a arte foi, de certa maneira, bem aceite e facilmente assimilada pelos moçárabes, deixando os seus vestígios e influências. Como se esperava, a arquitetura (religiosa) islâmica, com a “Reconquista”, foi, em grande parte, cristianizada, destruída e profanada, num impulso vingador contra aqueles que o Islão tinha como infiéis.
O fenômeno cultural islâmico caracteriza-se pela sua assimilação, criação e difusão de determinadas formas artísticas. No campo decorativo, basta atendermos à lindíssima escrita árabe, cujos textos originais eram decalcados na íntegra ou por partes nas paredes, pintadas ou ornamentadas com relevos belíssimos. Tanto bastava para a decoração. Ou ainda com azulejos reproduzindo partes de textos ou com motivos geométricos de belíssimas cores
Um dos mais importantes contributos dos Muçulmanos foi o surgimento de um novo urbanismo e uma outra arquitectura trazidos para a Península Hispânica e, no nosso caso específico, sobretudo para o Centro e Sul.
Entre as cidades portuguesas islamizadas e que ainda, após século sobre séculos, são capazes de revelar alguns destes elementos aqui trazidos a lume – o seu castelo, materiais de construção, solidez militar e decoração -, contam-se Alcácer do Sal, Évora, Lisboa, Mértola, Santarém, Sesimbra, Óbidos, Palmela, Silves e Sintra, como as mais sintomáticas. Atendamos às suas muralhas e aos espaços da cidade.
Esta civilização caraterística do Sul da Europa e do Norte de África, nas zonas periféricas, teve uma extrema relevância na época. De uma importância no alargamento do saber, pelas tradições islâmicas - que não podemos considerar mais fechadas na sua evolução e áreas do que as cristãs, proibidas de serem explicadas e veiculadas para o Exterior, segundo regras rígidas da Igreja Católica -, temos o caso de Toledo, um brilhante centro cultural e intelectual, retirando-se ensinamentos no ensino do quadrivium, pondo em destaque a Álgebra e a Medicina, entre outras áreas do saber.
Ao nível da tipologia da cidade, a urbe ibérica recebeu influências diretas da tipologia urbana istâmica.
Ao nível linguístico, o contributo revelou-se interessante, na toponímia, nos vocábulos islamizados e em novos substantivos introduzidos no nosso léxico. Nos mais variados setores, a influência islâmica infiltrou-se, até na própria culinária. Contudo, alguns aspectos desta aculturação foram apagados por vários vectores, entre eles o militar e cultural tradicional, obra da “Reconquista” que fora, naturalmente a grande causadora da destruição da arquitetura religiosa islâmica.
Margarida Castro
19.06.11
Adaptado do estudo “Portugal e o Islão na Idade Média”, por João da Silva Sousa, in http://www.triplov.com/letras/Joao_Sousa/islao/index.htm
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