sexta-feira, 3 de junho de 2011

"Traição de Omar" faz correr lágrimas em Spínola

O significado da queda Nametil *

Rompia a manhã a 1 de Agosto de 1974, no aquartelamento do exército colonial, chamado de «Omar», mas cuja verdadei­ra designação era Nametil. Estava no seu comando interino o alferes José Carlos Monteiro. Para eles, certamente, a guerra já tinha acabado, perdidos num ermo de Cabo Delgado (Moçambique) com uma vista monótona para a fronteira com a Tanzânia. Haviam mesmo começado a destruir algum material, pois estava previsto o seu encerramento. Ignoravam que eram, há muito, objecto de espe­cial atenção, e que iriam ficar registados na história.

Em Naschingwea, face ao impasse negocial, depois das fa­lhadas negociações de Junho, era necessário realizar uma acção capaz de acelerar a marcha dos acontecimentos. Escolhe-se o posto de Ornar. Estudam-se as suas envolventes e chega-se mes­mo a fazer uma maqueta do aquartelamento. Ou a operação re­sultava em pleno ou as suas consequências poderiam ser sérias e reacender a guerra, quando da parte de uma das partes existe um estado de cessar-fogo. Samora Machel, pessoalmente, estabele­ce a táctica. E recomenda, com alguma estranheza para alguns, que a acção seja gravada em som e imagem. A 31 de Julho as forças da FRELIMO, as FPLM, tinham cercado por completo o aquartelamento. Inclusivamente colocado artilharia. Era respon­sável por esta operação no terreno o comandante Salvador Mtu-muke. Bem próximo do local, numa montanha, encontravam-se, em atenta observação, o adjunto do Departamento de Defesa, Alberto Joaquim Chipande, assim como o comandante do de­partamento de Defesa de Cabo Delgado, Raimundo Pachinuapa. Tinham instalado um sistema de comunicações entre a fren­te de operações, a base de comando e a Tanzânia, onde Samora Machel aguardava com grande impaciência o desenrolar do pla­no estabelecido.

Quando rompe a aurora do primeiro dia do mês de Agosto de 1974, os cento e quarenta soldados do aquartelamento de Nametil são acordados por megafones solicitando a sua rendi­ção. Todos estes pormenores da tomada de Nametil foram gra­vados. A guarnição militar rende-se. Cento e quarenta homens são feitos prisioneiros e três conseguiram fugir. Seguirão para a Tanzânia, onde chegam a 6 de Agosto. Independentemente da controvérsia, se a rendição resultou de um equívoco ou simples­mente da tomada de decisão mais sensata do seu comandante de não combater, face à situação política que se vivia e mesmo tendo em causa a desproporção do equipamento e das armas, a tomada do quartel de Nametil não pode deixar de ser mencio­nada pelos reflexos que teve. Mais do que uma vitória militar era uma vitória política.

O presidente Spínola, com condição para uma ronda nego­cial, que se inicia a 15 de Agosto, em Dar-es-Salam, exige que a FRELIMO apresente desculpas pelo ocorrido em Ornar. Samora que engenhosamente tivera a percepção de tudo gravar, faz com que a delegação chefiada por Melo Antunes escute essa grava­ção. O que foi suficiente.

O que se passou a 1 de Agosto, nesse aquartelamento, poder-se-ia passar em qualquer outro ponto do país. Havia, da parte do exército português, a total falta de vontade de dar mais um tiro e muito menos de continuar uma guerra. Há factos indesmentíveis dessa realidade. O próprio general António de Spínola o admite e escreve que a tomada de Omar era «uma arma decisiva»494 para Samora Machel na mesa de negociações. De militar para militar efectivamente assim o foi.

Fernando Gil
MACUA DE MOÇAMBIQUE

------
António de Spínola, País sem Rumo – Contributo para a História de uma Revolução. Ed. Editorial SCIRE, p. 302
In MOÇAMBIQUE 1974 – O fim do Império e o Nascimento da Nação, de Fernando Amado Couto(2011)

*Omar, para as autoridades portuguesas.

(LER MAIS AQUI)

Sem comentários: