SUFRÁGIOS DE OCASIÃO
QUANDO o marçano estava de abalada, dizia-lhe o Evaristo, seu patrão: «’pere aí, não vai nada, vai é casar com a minha filha, q’é p’r’os outros não se ficarem a rir».
Eis o velho estilo, eis o grande estilo, que esta é a nossa mais empedernida maneira de ser. Não íamos deixar de fora a Política. Ou íamos?
Em plena noite de eleições, lá estavam alguns comentadores encartados a dizer um tanto a medo que Passos Coelho ganhara só um bocadinho, porque no mais tinha sido o Sócrates a perder. Concordo. Bem dizia a Dr.ª Ferreira Leite: quero lá saber quem é que vai ser o próximo primeiro-ministro, o que eu quero é correr com o Sócrates. Este, como toda a gente sabe, secou os desertos, matou o Menino Jesus e levou à ruína a Islândia, a Irlanda, a Grécia, a Espanha, a Itália, a Bélgica e outros que adiante se verão.
Com o que eu não concordo é com os 38,63% de votos naquele que leva a taça, pois que na verdade teve apenas — dos eleitores inscritos — 22,75%. O resto, é má aritmética. Dito de outro modo, só um em cada cinco portugueses é que estava cheiinho de raiva contra o Sócrates; os outros, ou tinham uma raiva pequenina ou gostavam mesmo do homem.
Mas isto tudo, afinal, não interessa nada. O que interessa é que o ponto central da questão é este: era preciso votar em Passos Coelho para o Sócrates não se ficar a rir. De qualquer forma, toda a gente sabe (e quem não sabe suspeita) que tanto faz este como aquele — que nada mandam e apenas obedecem — para que a troikitada nos doa a valer. A troika não pode falhar, tem de dar-nos forte e feio.
Os portugueses bem sabem — não tenho bem a certeza se posso falar em nome dos portugueses — que qualquer aplicabilidade executiva que venha se diferencia apenas como naquele assalto em que o bandido perguntava à senhora a quem ia roubar os brincos: «quer com dor ou sem dor». Como sabem, com dor, vai um pedaço da orelha atrás.
Entretanto — e eu vou aproveitar a promoção — o Belmiro de Azevedo, apoiante interessado e interesseiro de Passos Coelho, para combater a dívida externa, lança a sua campanha de Verão do «wortem» sempre: «compre tudo a um euro por dia, sem juros. Aí, os chineses desatam a rir às gargalhadas, mas mais ri ainda o Pinto Balsemão, na perspectiva de finalmente se acabar com a RTP para que as receitas da publicidade, essa gordura perversa do estado, reverta para quem merece. Tão contente anda e tão atarefado fica a fazer contas aos ganhos esperados que nem tempo teve para ir à reunião deste ano dos bons rapazes do Bilderberg. A fazer fé no Correio da Manhã de 10 do corrente, mandou como seu representante junto daquela prestimosa instituição o conselheiro económico do Dr. Passos Coelho, o Dr. Nogueira Leite
Ai, ai, a nós só nos resta seguir os conselhos do Sr. Presidente da República e regressar aos campos, à lavoura, ser frugais e exemplares. Não sei se isto vai implicar trabalhar de sol a sol, mas cá por mim espero que chova muito, e como não uso brinco, não espero que me digam: quer com dor ou quer sem dor?
Pelo sim pelo não, vou tratar de vender os anéis.
Abdul Cadre
(in, Jornal do Barreiro, 19/6/2001)
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