sexta-feira, 10 de junho de 2011

ENCONTROS COM AGOSTINHO



NOTA INTRODUTÓRIA

"Novamente se incomodaram muito os amigos por não ter aparecido assinatura no último artigo que me publicou este nosso jornal; acho, porém, que talvez estejam errados e que o acontecimento nos dá a ocasião a que outra vez reflictamos sobre o assunto.
A primeira nota que há a pôr é que, apesar de já ter defendido, neste mesmo lugar, que seria muito bom entrarmos todos no anonimato, apenas declarando o nome quando nos fossem exigidas responsabilidades por tal ou tal opinião expressa, lá fui assinando minha prosa, não sei se por hábito adquirido, se por supor que no jornal assim o prefeririam, se, como me inclino a crer, porque apesar da teoria, fazem costumes, solicitações e agrados que. muitas vezes, vezes demasiadas, nos demos mais à teoria do que à prática e, no fim de contas não pelas qualidades, mas pelos defeitos, sejamos levados a ter sempre gosto por encontrarmos em letra redonda nosso pequeno nome.
Hábito antigo o de nós todos, algum tempo perdido, readquirido depois. Sabe-se dos homens da antiguidade, e fora algumas dúvidas dos historiados, quem esculpiu tal estátua, modelou tal cerâmica, compôs tal tragédia ou simplesmente inventou em praça pública uma anedota célebre. Com a revolução cristã, correspondeu a um conceito novo da comunidade de irmãos reverentes, obedientes e de mente voltada para o seu Pai celeste, a forma cooperativa de propriedade, a educação mútua, o templo em que pintores, ecultores ou arquitectos trabalhavam com tal anonimato que só às vezes por um recibo de pagamento ou por um documento de contacto é possível descriminado os artistas, atribuir autores às obras.
Parece, no entanto, que não estavam os tempos maduros para o cristianismo que muitas conversões eram de interesse e não da mudança de espírito posta por Cristo como acto fundamental e que até entre pessoal da Igreja havia pagãos e se tendia de mais a ver Roma não como o altar de Deus, mas como o trono de César. Com o Renascimento, que foi muito mais de latinos que de gregos, triunfou o direito cesarista, julgou-se o homem centro do mundo, constitui-se a ciência como independente da moral, celebrou-se o triunfo da propriedade privada e libertou-se o juro, institui-se a escola como formadora das classes possidentes e dirigentes e, acompanhando o movimento, passaram os autores a assinar ciosamente as suas obras, que, além de tudo, se usaram já, não como instrumento de educação e como sinais de devoção, mas como penhores de uma valia e como adornos de um poder.
Não assinar é, portanto, em última análise repudiar tudo isso e considerar que o que vale é a obra em comum, sem o insignificante pormenor das nossas glórias vulgares e apenas com atenção ao avanço geral da Humanidade se formos bastante felizes para nele colaborar, e com humildade perante o Espírito que a todos nos pode iluminar e que a nehum de nós pertence. Tão convicto estou disto que espero poder um dia mostrá-lo na prática, agradecendo aos jornais em que colabore que me não ponham o nome em artigo nenhum.
(...)
Fica então assente que nunca mais assinarei coisa alguma que aqui se publicar; pôr o nome ou não pôr o nome ficará inteiramente a critério da Direcção; a mim me basta que as ideias expostas possam ser úteis a alguém, por acordo ou desacordo: ambos óptimos, se conscientes, críticos e em plena liberdade de quem o pense, lealdade consigo e lealdade com os outros."

Agostinho da Silva
“O Sesimbrense”, (05/12/1971)

1 comentário:

estudo geral disse...

Bom sinal
publicarmos o Agostinho
no dia de Portugal.