terça-feira, 22 de outubro de 2013

A COMUNIDADE DO VALE DA ESPERANÇA - UMA CRÓNICA



Que confusão paira por aí, com todos a emitirem opiniões e ninguém a acertar naquilo que importa dizer e destacar, sem que alguém dê conta que aquilo que se propõe, o que se pede e reivindica pouco ou nada tem a ver com o que deveremos esperar da democracia. Pelo menos esse é o denominador de todos os discursos em que não há corrente que não se apresente como arauto da mesma, cada qual apontando aos outros os excessos ou as faltas do que defendem ser os verdadeiros fundamentos e propósitos de um regime democrático. Estamos numa espécie de torre de Babel do pensamento político, de tal maneira que quase se poderia dizer haverem tantas formas de democracia quantos os grupos e os partidos políticos que, nestes meses de descoberta da vida livre, têm aparecido na praça pública. Que eu tenha ouvido ou lido, quer entre a nossa massa crítica intelectual, quer entre as diversas personalidades que vão debutando e despontando no espaço político, contar-se-ão pelos dedos de uma mão aqueles que revelam consciência do que de facto é a democracia e como eventualmente a poderemos usar para melhorar a vida das pessoas que parece ser o objecto último de todos os que se arrogam de uma visão para o exercício do poder entre nós. O Professor Diogo Freitas do Amaral, discípulo de Marcelo Caetano na Faculdade de Direito, da Universidade de Lisboa e cujos críticos acusam de enfeudado ao antigo regime, mesmo assim, pode ser apontado como aquele que mais se tem aproximado de uma interpretação adequada do assunto e, em conformidade, mais razoavelmente tem definido os contornos do que poderemos querer construir como democracia. Quanto a mim, sublinho a curiosidade de vir de um indivíduo da direita as palavras, digamos, mais sensatas a este respeito. Afinal, por contraposição ao autoritarismo do salazarismo, seria natural que à esquerda ou às forças da esquerda coubessem as melhores teorizações e a mais eficaz condução do processo. Seja como for, infelizmente, quanto a mim, tão ilustre figura não consegue deixar de ser livresco e académico com o que não parece capaz de fazer chegar essa leitura a um grande número de pessoas, sobretudo às mais simples que, para mal dos nossos pecados, entre nós são, justamente, a larguíssima maioria. Contudo, pelos ecos que por aqui vou escutando do que pensam e propõem os movimentos desse quadrante, não há quem não confunda os propósitos do desenvolvimento e justiça social com o que pretendem dever ser os objectivos da democracia em si. Isto para além daqueles que àquela consideram tão só um período ou um meio de transição para uma revolução social que, na prática, se mistura com o lançamento das bases de um outro tipo de sociedade, mormente o socialismo que, para os comunistas tem por modelo a União Soviética e o bloco que gravita em seu redor na Europa de Leste, para os mais radicais toma maior pureza no exemplo da China Popular e na Albânia que há uma década romperam com aquela liderança internacional e para os socialistas se assemelha ao que se vive na Europa Ocidental e do Norte e assenta nos pressupostos ideológicos da social-democracia que, no princípio do século, cindiu com o bolchevismo e se materializa na redistribuição da riqueza e na melhoria das condições de vida daqueles que trabalham. E todos manifestam a convicção que, de uma maneira ou de outra, é à democracia ou, para ser mais precisa, ao entendimento do que para eles é aquela que competirá realizar essas conquistas. Pois quanto a mim isso serão as propostas de governação que as diversas forças em disputa pelo poder deverão apresentar aos portugueses para que eles possam escolher entre elas, as que num determinado momento lhes surjam como as mais convenientes para o país. A democracia, num certo sentido, começa por ser isso, por um lado essa possibilidade de optar entre projectos concorrentes e, ao mesmo tempo e, por outro lado, a outra possibilidade de pacificamente, pela expressão do voto, arredar aqueles que depois não se revelem tão empenhados e válidos como faziam crer as propostas e promessas apresentadas. A democracia é isso, começa por ser isso, um estado social em que as liberdades que daí decorrem, como a de expressão, de pensamento, a liberdade de associação e a de imprensa estão asseguradas pelas leis e as instituições e daí o facto de esta ser uma impossibilidade na ausência de um estado de direito que é algo de que ninguém fala e, avaliando pela amostra deste nosso pequeno mundo, tudo indica que passa ao lado das preocupações em torno da democracia, sequer chegando a ser objecto de debate, pelo menos que me dê conta, seja lá onde for. É por isso que há tanto desrespeito pela ideia de democracia entre os mais radicais que apodam pejorativamente de burguesa, geralmente por oposição à que chamam de verdadeira, a democracia popular que depois, pasme-se, muitos entre eles assimilam ao que apelidam de ditadura do proletariado, aparentemente na mais completa ignorância de que ambas as realidades se excluem e anulam entre si, quer dizer, sem perceberem que não pode haver democracia onde haja uma ditadura e que aquela é precisamente a barreira que se ergue para que esta última se não concretize. E isso até aqui, onde devo dizer que a associação cultural tem levado a efeito um extraordinário trabalho de divulgação e esclarecimento dos ideais e visões políticas que se têm afirmado no mundo. Mas a verdade é que um estado de direito é precisamente a primeira garantia de que aquelas liberdades e, portanto, a democracia, não serão estioladas. Sem este, isto é, sem tribunais que apliquem as leis de igual modo para todos e em tempo útil possam julgar e condenar os desmandos que sempre se verificarão num mundo em que a riqueza é desigualmente apropriada, jamais os mais pobres, os mais fracos, terão como se defender de eventuais ganâncias e prepotências dos mais fortes. Ora é simplesmente isto que é a democracia e pretender, como vulgarmente se ouve por aí que ela traga a melhoria das condições de vida que só o desenvolvimento poderá conseguir, é correr o risco de ela ser posta de parte na primeira esquina de um qualquer fracasso económico. Estamos a aprender a viver em liberdade e a tentar conseguir erguer os alicerces de uma sociedade democrática; pelo que se vê, será um longo e penoso caminho mas, provavelmente, nunca deixou de ser desse modo. Uma coisa se me apresenta clara, quem troca a segurança dos mais fracos pela de alguns ainda que sejam a maioria, em circunstância alguma terá a sua própria segurança garantida. A democracia resume-se neste pensamento.

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