quinta-feira, 22 de outubro de 2015

"Happy Meal - manjar sentimental" Risoleta C. Pinto Pedro




Texto de apresentação do lançamento do livro de Risoleta C. Pinto Pedro "Happy Meal - manjar sentimental", de Luís Santos, na Escola Artística António Arroio, em 20/10/2015:



“Happy Meal” – manjar sentimental
Manual de sobrevivência para adultos às voltas com adolescentes

Agradecimentos

Antes de mais, agradecer o convite que me foi dirigido pela amiga Risoleta para apresentação do seu livro.
Ficámos particularmente satisfeitos pela apresentação do livro acontecer na Escola Artística António Arroio pela qual temos especial carinho, até porque Rui Madeira, o seu Diretor, é um amigo de longa data, com quem o destino se vai encarregando de nos marcar encontros amiúde pelo tempo, em lugares muito inesperados. Como sabemos, foi também aqui que a amiga Risoleta passou largos anos à volta com adolescentes, coisa que como se verá foi, e continua a ser, muito merecida sina de vida.
Agradecer a presença de todos.
Dividiremos a apresentação do livro em duas partes: A primeira onde faremos algumas referências à sua capa, título e estrutura; a segunda, onde abordaremos algumas das suas múltiplas interessantes questões.

1ª Parte – Capa, Título e Estrutura do Livro

- Sobre o título, “Happy Meal – manjar sentimental”, embora tenha demorado a chegar, como nos confessa Risoleta, não podia ser mais adequado. Creio que já todos ouvimos falar nesse procurado “hamburger” de famosíssima indústria alimentar. Ora, para um livro que se dá, desde logo, como um “manual de sobrevivência para adultos à volta com adolescentes”, uma das grandes apreensões que logo transparece é, justamente, o “fast food” (ou “comida de plástico” como é também de uso dizer-se), constituir o tipo de alimentação preferencial de muitos adolescentes, mais as nefastas consequências que daí advêm. Particularmente, quando se pensam os cuidados a ter com a alimentação como de decisiva importância para uma “mente sã, coração terno, corpo puro”, lembrando a divisa rosacruciana, de forma a que uma saudável longevidade nos assista.

É também por aí que vai a singela pintura de capa, de Bruno Ma, viva criatividade e aprumada estética, onde numa mesa posta e pronta se serve tempo e equilibrada geometria, que junta triângulos a uma plena lua e a um rio onde se espelha o céu, a expressa paisagem que assiste à autora e à necessária inspiração literária que determina a obra. Título e pintura revelam-se, assim, como pingos de luz que se inscrevem e resplendem no preto neutro do fundo da capa.

Deixando umas palavras pela Estrutura em que se ergue este, e digo já, magnífico livro, a imagem que nos ocorreu quando da sua leitura foi a de uma bela sinfonia, dividida em vários andamentos, talvez pela ligação que a autora tem mantido com a dança e seus libretos múltiplos. De facto, o livro constitui-se por narrativas várias, a um só tempo independentes e interligadas, dando possibilidade de uma leitura a várias vozes que são, tal e qual, a múltipla heteronímia da própria autora, desenvolvida e cimentada durante diferentes períodos e instâncias da vida, pois que é de uma narrativa de cariz autobiográfico que se trata.

Cada um dos 4 andamentos em que vemos dividido o “libreto da sinfonia”, um justo adjetivo para este nosso livro, trazem toda uma trama onde se vão desenvolvendo as grandes linhas de força da narração. Mas tenhamos em atenção que estes “andamentos sinfónicos” não se sucedem consecutivamente, antes se trocam e misturam entre si, dando origem a perfeitas alterações de ritmo nas voltas do texto.

Assim, num 1º andamento, é-nos oferecido um registo autobiográfico de superior reflexão espiritualista que constitui a narrativa central da obra;
Como 2º andamento, temos uma compilação de peculiares “receitas alimentares” alquímicas, onde a mistura dos corpos com os alimentos não podem ser abandonados, sem mais, às imperiosas necessidades lucrativas de uma obesa indústria alimentar;
No 3º andamento, intitulado “As Lições do Tonecas II”, pressupostamente escritas por pena de adolescente, o seu sobrinho Rubem, descreve-se em discurso direto uma velha escola, caduca, onde se alerta para os tradicionais desencontros e as falhas de comunicação entre professores e alunos, agrilhoada que está a velhos modelos sem força para se libertar;
Por fim, um 4º andamento, de seu nome “A Casa do Vento Vazia”, onde se assinala um mergulho intenso nas memórias de infância da narradora, nas suas purezas e medos, mas onde se reconhece convictamente que o melhor do mundo são mesmo as crianças, como sustentam poetas e deuses, mas ainda assim com tanto mal em redor. E citando a autora, “a menina luz que eu fui sem saber, está sempre ao meu lado nas minhas aventuras dos sonhos, como um duplo…”

2ª Parte – A Trama do Livro

Avancemos para as grandes linhas estruturantes por onde se estende o livro, desde logo, sem que esqueçamos o seu subtítulo, “um manual de sobrevivência para adultos à volta com adolescentes”. Comecemos pelos personagens principais e por alguns dos traços que mais os caracterizam:
Renata (algumas vezes também nomeada por Suria), narradora e personagem central, a braços com o seu recente divórcio, mais as perturbações e inseguranças que se lhe possam associar, mas também a liberdade de quem fica com a própria vida, inteira, entre mãos. Mas eis que subitamente lhe entra em casa um sobrinho, que vem estudar para Lisboa e ocupar-lhe a casa e o tempo, mais os imensos necessários cuidados que a adolescência sempre trás consigo. O sobrinho e uns quantos amigos de quem se vai rodear.

Como se não bastasse, o divórcio trouxe a Renata a necessidade de mudar de casa e acaba por ir morar para um prédio onde vive um Professor, José Bento de seu nome, que tem tanto de simpático como de enigmático vizinho, conhecido na vizinhança por ser “comedor de rosas”…

Detenhamos, então, a nossa atenção nas 2 principais questões com que Renata se vai debater ao longo da estória. Por um lado, as preocupações que a dieta alimentar do sobrinho lhe trás: o vício dos “happy meals”, problema que ganha dimensão particular para quem é vegetariano como é o caso da narradora; e, por outro, quais os valores que se escondem por detrás de um vizinho, professor, que é “comedor de rosas” e, como se não bastasse, está de licença sabática a fazer uma tese de doutoramento sobre… “rosas”, com quem Renata vai, afinal, descobrir que tem muitas coisas em comum.

Pensemos no simbolismo espiritual das rosas, pois que reconhecemos em José Bento um personagem caracterizado por desenvolvida espiritualidade, em busca de explicações para os mistérios da vida. Como a própria Renata diz, “das rosas que nos trazem o amor e que entre reencarnações e ressurreições, nos livram da morte”. Numa tese de doutoramento, em cujos capítulos se enunciam estudos sobre “o grande arquiteto do universo, da rosa que floresce na cruz, ou do milagre das rosas”.

Para nós, antes de mais, entre as repetidas rosas e os mistérios que em si encerram, logo automaticamente nos chegam duas figuras centrais da História de Portugal, esse rei e poeta “plantador das naus a haver”, como Fernando Pessoa se refere a D. Dinis na sua Mensagem, pela importância que haveria de ter no devir da expansão ultramarina portuguesa, e na sua mulher, a santificada Rainha Isabel de Aragão, mais o seu “culto popular do Espírito Santo”, sobre o qual Agostinho da Silva tanto refletiu e enalteceu.
Mas diga-se que o espaço geográfico, cénico, em que se desenrola a misteriosa trama do livro, pois que é um livro essencialmente sobre vida e “misteriosofia”, utilizando o conceito de António Telmo, longe de se centrar exclusivamente em Portugal, faz pensar num amplo espaço/tempo que vem, pelo menos, desde o Antigo Egito (sem esquecer a diáspora judaica) e se estende até Tomar, cidade templária, onde, como é sabido, posteriormente se sediará a “Ordem de Cristo”, que depois partirá nas naus para o Oriente, para a Índia, para o Tibete, “dando novos mundos ao mundo” para relembrar o verso de Luís de Camões. Mas não descurando, que lá temos também o Tao e temos Buda, entre esse espírito português ecuménico, “católico”, quer dizer, universal, para não fugirmos de todo à etimologia da palavra, onde tempo e eternidade se pretendem coetâneos.

A determinada altura da estória, José Bento, o tal da tese de doutoramento, corria o mês de Dezembro, chama a atenção de Renata para um barco que tinha chegado a Lisboa carregado de rosas. Ao que esta logo pergunta: “Rosas em Dezembro?”…
Embora não se refiram grandes pormenores sobre a estrutura do barco, nem dos lugares por onde navega, necessariamente que o vemos construído com pinho de Leiria e com passagem obrigatória pela “Ilha dos Amores”. Mas Renata acaba por não ver estranheza naquele facto e logo a sua superior prosa nos esclarece: “…No estado em que estávamos achávamos tudo natural. Apesar de tudo deslumbrados. Mas era um deslumbramento natural perante a naturalidade das rosas. Porque, nesse momento, era para nós uma evidência que os milagres nos rodeiam e apenas esperam que reparemos neles.”

Evidenciados, e semi-resolvidos, que ficam alguns dos mistérios de José Bento, porque o mistério, como se conclui nesta obra, veio para ficar, iremos agora à responsabilidade que a narradora sente nos cuidados a ter com a alimentação de Rubem e o problema dos “happy meals”.

Num momento de descrença amorosa, Renata decide fazer com Rubem uma peregrinação a Santiago de Compostela. Vai cuidar demoradamente dos pormenores necessários a delicada viagem, mas nas vésperas da partida, para seu grande tormento, obrigações profissionais acabam por lhe trocar as voltas e impedi-la de fazer a viagem. Rubem, porém, não desiste e mais o seu amigo Tiago avança rumo à Galiza. E eis, então, que no regresso o milagre se dá: o apóstolo, Santiago, o amor, não lhe vai permitir continuar a alimentar veleidades. E se o corpo, o coração e a mente, se querem puros, ternos e sãos, não há-de ser com “happy meals” que se vai lá chegar.

Terminando, gostaríamos de deixar bem claro, sem favor algum, que estamos perante um livro extraordinário, onde “o verbo fala o verbo”, o que só por si dispensa mais elogios. Este o seu maior prémio, a luz que a palavra sagrada lhe dá, mas que pela sua humilde grandiosidade, certamente, que outros bons e duradouros prémios virão. Adivinha-se.

Pelo nosso lado, não podemos deixar de manifestar a nossa gratidão à autora, pela preciosa amizade, pelo convite com que fomos distinguidos, mesmo não nos julgando à altura da apresentação dos requisitos de tão digna obra. Mas talvez que um poema de Agostinho da Silva, com que os deixamos, lhe possam trazer mais justiça. Diz assim:

“Se eu chegar a ser dum Outro
mas de mim não me perdendo 
e esse Outro todos os outros
que comigo estão vivendo

não só homens mas também
os animais e as plantas 
e os minerais ou os ares
e as estrelas tais e tantas

terei decerto cumprido
meu destino e com que sorte
para gozar de uma vida
já ressurrecta da morte".



Luís Santos

2 comentários:

aluzdascasas disse...

Tão grata, meu amigo, pela profunda e generosa leitura!

luis santos disse...


Sim, querida amiga, somos gratos.
Gostei muito. Um livro que leva acenda a candeia e ilumina novos caminhos. Ri(s)o de Luz. O futuro aqui e agora, onde tempo e eternidade vão de mãos dadas.