terça-feira, 27 de outubro de 2015

O DIÁRIO DA MATILDE – O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

PALMAS PARA A MATILDE

E pronto, tudo indica que os alunos entraram definitivamente na aprendizagem da palavra menina, a primeira do método e, com ela, franquearam o processo que os levará ao domínio dos mistérios que lhes permitirão saber ler e escrever. 

A aula de hoje foi toda ela preenchida com exercícios de escrita e desenhos daquele vocábulo e, como complemento, trouxeram trabalho para casa. Este consistiu na cópia daquele substantivo por três vezes repetidas e em colorir uma figura alusiva com flores em redor. 
Mais uma vez o pardalito cumpriu o dever, embora ainda não tenha descoberto um bom método para pintar as gravuras dadas. 

Seja como for, depois do almoço tive a surpresa de ver o meu anjinho escrever de memória e com as suas letrinhas toscas, a palavra dada. 

“-Olha, pai!” 
E lá estava menina escrita numa página de jornal. 

Encantos da paternidade. 



Por sua vez, a Margarida é uma boa aluna. 
Aprende e aplica facilmente as matérias e sabe fazer uso da memória para se servir de conhecimentos que consegue combinar para explicar ideias ou situações que se lhe deparem. 
É uma criança que fala com fluência e dentro das regras gramaticais da língua que conhece e compreende, para tanto possuindo um vasto e variado vocabulário cujos significados domina. Escreve sem erros e é capaz de criar diversos tipos de textos que vão de uma simples nota a uma missiva, ou de um comentário a uma pequena história, neste último caso, geralmente, com cabeça tronco e membros. Lê com ritmo e entoação e fá-lo em qualquer texto, bem como nos contextos do cinema e da televisão. 
Não admira pois que tenha um excelente aproveitamento em todas as matérias e acumule reportório em outras áreas para além do quotidiano escolar. 
Finalmente, sem ser uma santinha que não o é, tem comportamento adequado e aberto à aprendizagem e não é preciso que os pais lhe solicitem o cumprimento dos deveres; fá-lo de livre e espontânea vontade. 

Quanto à leitura, tenho para mim que vai no bom caminho. 
Embora só neste último Verão tenha começado a avançar para as histórias de aventuras, desde praticamente toda a terceira classe que ela utiliza livros temáticos para se inteirar de assuntos do seu interesse e alguns deles foram lidos por inteiro. 


Eu mentiria se negasse o orgulho que sinto pelo que acabei de registar. 


Deus seja louvado por uma tão grande ventura. 



Mas a grande novidade é a libertação do Sr. Paulo Pedroso que assim viu terminada a prisão preventiva em que estava, há quatro meses, na sequência do processo de abuso e exploração sexual de crianças, da Casa Pia, no qual há indícios para vir a ser acusado de quinze do primeiro daqueles crimes. 
Por dois votos a favor e um contra, proponente da medida de prisão domiciliária, o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu que a medida de coacção imposta era excessiva pelo que decretou o seu fim, substituindo-a pelo simples termo de residência e de apresentação às autoridades. 

É claro que a justiça foi feita e, neste momento, serão remotas as possibilidades de fuga, escamoteamento de provas ou obstrução ao regular curso das averiguações, mas as vozes que já começaram a disparar sobre o Juiz de Instrução deixam transparecer algo que se assemelha mais à vontade de julgar na opinião publicada aquilo a que só aos tribunais compete decidir. 


Não sei se não teremos uma repetição do que se passou no processo das FP 25 de Abril. 


A verdade é que à discrição preferiu-se o alarido mediático e não faltaram os correligionários em desfile de abraços e sorrisos como se o homem tivesse acabado de ouvir a sentença da sua inocência. Estamos a falar de um sujeito que é suspeito da prática de quinze crimes de abuso sexual de crianças e que nem reuniu a unanimidade para a medida de coação que agora lhe foi imposta. Mas para quem como a direcção do PS, falou de uma cabala contra a pessoa do senhor deputado e o próprio partido, está bem assim. Há que ufanar como se de uma vitória se tratasse. 

De qualquer forma, Paulo Pedroso permanece arguido e se este acórdão do Tribunal da Relação põe em causa os pressupostos da prisão preventiva, nada tem a ver com indícios que o levaram a ser constituído naquela condição em que não deixou de estar; estes últimos permanecem, pelo menos por enquanto, inalterados. 


Acontece que sabemos muito bem que neste país desgraçado há homens que batem às respectivas mulheres e são tidos e apontados como pessoas de bem. 



Com isto, quase passou despercebida a entrega da pasta dos Negócios Estrangeiros a Teresa Gouveia, uma antiga secretária de estado da cultura dos governos do Professor Cavaco Silva e que tão forte empenho e importante papel teve no lançamento da Fundação da Casa de Serralves, no Porto que para mim é a maior realização cultural do país desde setenta e quatro. 
Em Portugal, será a primeira mulher que ocupará aquele ministério. 

Diz que não haverá alterações em relação à gestão anterior. 
Mal feito fosse. 



As noites continuam convidativas ao passeio. 



 “O Pregador”, de Erskine Caldwell é uma história brilhante a respeito do homem e do mais profundo da sua natureza, escrita com o vigor da escultura e a carícia de uma melodia doce. Metodologicamente irrepreensível, é também um fresco cru e belo de uma certa América marcada pela escravatura e a sociedade segregada e mandriona que em torno da mesma se enraizou. 

Para levar as almas e subjugar os homens, é satanás capaz dos disfarces mais inconcebíveis. Mas somos nós que o encarnamos e fazemos o seu reino nesta Terra. 


Tivesse eu mais tempo para mim e esta teria sido uma leitura de uma tarde. 



A Lua, quase cheia, ali está, reflectora, sobre os telhados da vizinhança. 


E eu vou ficar aqui, a ver. 


 Alhos Vedros 
   08/10/2003 


CITAÇÃO BIBLIOGRÁFICA 

Caldwell, Erskine, O PREGADOR, Tradução de Dulce Rebelo, Publicações Europa-América, Lisboa, 1972

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