DA POÉTICA AO
SIGNIFICADO
A poética assume-se como uma manifestação
da criação, mas não é a criação. Ela é a expressão artistica da nossa
emocionalidade, mas também é o que não tem palavras para ser descrito. De igual
modo, ela é o resultado da experiência directa – o que está para além da
linguagem e do pensamento. Por conseguinte, a expressão artistica é a expressão
da nossa emocionalidade, mas não é a nossa emocionalidade.
A poética revela-se pela intuição,
pelo instante, por aquele breve momento em que o nosso pensamento pára, bem
como as emoções se silenciam e o acto de criar ganha condições de se revelar. E,
assim, cria-se um poema, uma prosa, uma pintura, uma estátua, ou outra obra de
arte. Digamos, então, que a arte é a manifestação humana da nossa essência. Ela
une os homens. Contudo, enquanto só temos consciência da nossa individualidade,
está no domínio subjectivo, da visão particular e individual. Está ainda
inserida no vislumbre que permite o acesso ao absoluto. Na intuição, na percepção
instintiva, no impulso independentemente da reflexão. O acto de criar não é,
pois, do domínio intelectual, resulta sobretudo da percepção e da sensação, jamais
do raciocínio, tão pouco da visão do artista.
Como num breve momento o pensamento
se aquieta e as emoções silenciam. O artista, num instante, intui o que não
sabe saber, o que está além da forma e da
ideia, do espaço e do tempo e
não é condicionado, mas garante a realidade da criação da obra; a acção que dá a conhecer, pela forma e pela ideia, o sentido da obra não materializada, a qual se
manifesta pelo desejo de conhecer a verdade através do crivo de uma peneira, a das
concepções e emoções, dos traços e caracteres, no fundo, da visão inerente do
artista que, consequência desta, cristaliza a dimensão da sua obra.
Para o artista é a obra o meio da expressão artistica, porém
revela-se-lhe também como uma nova faceta da sua tomada de consciência. Mas a
obra é a revelação de um momento seguinte não consciente de uma cultura, a
forma do que ainda não tem forma, a ideia do que ainda não é mais do que o
germe. A antecâmara de uma consciência que está em movimento, que nasce, se
desintegra e se transforma numa outra diferente. É a manifestação do aspecto
intuitivo e criador, da radiância primordial. Assim, aquele que admira uma obra
de arte sente essa satisfação interior, e quando a olha, nem a obra nem o que a
olha serão os mesmos, mas outros, pressupostamente diferentes.
O admirador, tal como o artista, a
partir da percepção, quando enxerga a obra de arte, apercebe o sentido ou o
significado de ser e, em vez de encontrar a divisibilidade, encontra essa
satisfação interior.
O apreciador de arte, cada vez mais nos dias
de hoje, procura aspectos intuitivos e de maior conhecimento de si como ser
humano. Procura um sentido para o
sentido que a vida tem. É natural que, com o tempo, a arte ganhe uma nova
dimensão, deixando de ser apenas vista como um meio de expressão artística, mas
como um meio de autorrealização.
As utilizações das figuras de
estilo, dos signos, dos simbolos, dos paradoxismos encontrados na linguagem,
apresentam-se ao público como a expressão verbal ou visual do que está além da
linguagem, a aproximação ou a manifestação da experiência directa, a manifestação
da realidade absoluta que não é o absoluto. Todavia, também é a cisão no modo
de pensar, do modelo de pensamento, da dualidade que este tem; senão uma
renovação desse, uma consciencialização do que pode ser essa satisfação
interior a que me referi anteriormente.
Penetrar na essência da palavra é ser
o que não tem diferença entre o que se apercebe e o que é apercebido. Pela razão da coerência e da coesão do
raciocínio lógico, acabamos por acreditar num processo de separatividade para
expressar o que é apreendido conceptualmente, perdendo a experiencialização do
femómeno em si. Assim, a palavra precede a sílaba e a sílaba, o som. Mas como
intelectualmente não nos é acessivel apreender a nossa identidade, apenas
percebemos, em parte, o que nos é acessivel
e conceptual; de igual modo, só à medida que penetramos na nossa
natureza é que vamos ganhando o conhecimento do que é e do que representa a
palavra.
De uma forma mais lata, podemos
então dizer que o nosso pensamento é modulado e transformado pelo som. O som
tem, portanto, uma acção direta em como somos. É como um germe. Há, implicito, um
sentido de continuidade, tão como aqueles que somos hoje, não sereremos exactamente
os mesmos que seremos amanhã.
Nesse processo o som assume dois aspectos na sua
manifestação – o interior e o exterior. O exterior revela-se em como a palavra pode
ser determinante no ambiente. Uma palavra agressiva pode determinar as mais
violentas acções, ou, pelo contrário, uma palavra de conforto pode aliviar a
enorme dor de alguém. Na sua expressão mais elementar podemos compreender, com
este exemplo, como a palavra proferida afecta os pensamentos e emoções dos que
nos rodeiam. Já no aspecto interior, revela-se pela nossa melhor percepção, através
dos pensamentos e das emoções, que nos dão esse sentimento de satisfação
interior e essa amorosidade.
De uma maneira muito concreta e
objectiva, à medida que nos vamos conhecendo, não apenas compreendemos as
implicações dos nossos actos, pensamentos e emoções, essa essência criativa, como
também nos apercebemos da nossa verdadeira identidade, essa inexistência de
significado e significante, de sujeito e de objecto, onde a palavra se
manifesta por esse som primordial que nos conduz além da experiência ou de
qualquer visão - a radiância primordial.
José Pais de Carvalho
Sintra, 2015
2 comentários:
essa amorosidade,é o q mais ,deveria nos unir e mover a vida!
Bem haja Osman. Assim creio, mas num mundo onde se exalta a competição e outras coisas sem ter consciência do efeito, há que desbravar um caminho, que se faz caminhando. Abraço.
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