sábado, 19 de novembro de 2016

Região Literária


DA POÉTICA AO SIGNIFICADO

A poética assume-se como uma manifestação da criação, mas não é a criação. Ela é a expressão artistica da nossa emocionalidade, mas também é o que não tem palavras para ser descrito. De igual modo, ela é o resultado da experiência directa – o que está para além da linguagem e do pensamento. Por conseguinte, a expressão artistica é a expressão da nossa emocionalidade, mas não é a nossa emocionalidade.

A poética revela-se pela intuição, pelo instante, por aquele breve momento em que o nosso pensamento pára, bem como as emoções se silenciam e o acto de criar ganha condições de se revelar. E, assim, cria-se um poema, uma prosa, uma pintura, uma estátua, ou outra obra de arte. Digamos, então, que a arte é a manifestação humana da nossa essência. Ela une os homens. Contudo, enquanto só temos consciência da nossa individualidade, está no domínio subjectivo, da visão particular e individual. Está ainda inserida no vislumbre que permite o acesso ao absoluto. Na intuição, na percepção instintiva, no impulso independentemente da reflexão. O acto de criar não é, pois, do domínio intelectual, resulta sobretudo da percepção e da sensação, jamais do raciocínio, tão pouco da visão do artista.
Como num breve momento o pensamento se aquieta e as emoções silenciam. O artista, num instante, intui o que não sabe saber, o que está além da forma e da ideia, do espaço e do tempo e não é condicionado, mas garante a realidade da criação da obra; a acção que dá a conhecer, pela forma e pela ideia, o sentido da obra não materializada, a qual se manifesta pelo desejo de conhecer a verdade através do crivo de uma peneira, a das concepções e emoções, dos traços e caracteres, no fundo, da visão inerente do artista que, consequência desta, cristaliza a dimensão da sua obra.

Para o artista é  a obra o meio da expressão artistica, porém revela-se-lhe também como uma nova faceta da sua tomada de consciência. Mas a obra é a revelação de um momento seguinte não consciente de uma cultura, a forma do que ainda não tem forma, a ideia do que ainda não é mais do que o germe. A antecâmara de uma consciência que está em movimento, que nasce, se desintegra e se transforma numa outra diferente. É a manifestação do aspecto intuitivo e criador, da radiância primordial. Assim, aquele que admira uma obra de arte sente essa satisfação interior, e quando a olha, nem a obra nem o que a olha serão os mesmos, mas outros, pressupostamente diferentes.

O admirador, tal como o artista, a partir da percepção, quando enxerga a obra de arte, apercebe o sentido ou o significado de ser e, em vez de encontrar a divisibilidade, encontra essa satisfação interior.

 O apreciador de arte, cada vez mais nos dias de hoje, procura aspectos intuitivos e de maior conhecimento de si como ser humano. Procura  um sentido para o sentido que a vida tem. É natural que, com o tempo, a arte ganhe uma nova dimensão, deixando de ser apenas vista como um meio de expressão artística, mas como um meio de autorrealização.
As utilizações das figuras de estilo, dos signos, dos simbolos, dos paradoxismos encontrados na linguagem, apresentam-se ao público como a expressão verbal ou visual do que está além da linguagem, a aproximação ou a manifestação da experiência directa, a manifestação da realidade absoluta que não é o absoluto. Todavia, também é a cisão no modo de pensar, do modelo de pensamento, da dualidade que este tem; senão uma renovação desse, uma consciencialização do que pode ser essa satisfação interior a que me referi anteriormente.

Penetrar na essência da palavra é ser o que não tem diferença entre o que se apercebe e o que é apercebido.  Pela razão da coerência e da coesão do raciocínio lógico, acabamos por acreditar num processo de separatividade para expressar o que é apreendido conceptualmente, perdendo a experiencialização do femómeno em si. Assim, a palavra precede a sílaba e a sílaba, o som. Mas como intelectualmente não nos é acessivel apreender a nossa identidade, apenas percebemos, em parte, o que nos é acessivel  e conceptual; de igual modo, só à medida que penetramos na nossa natureza é que vamos ganhando o conhecimento do que é e do que representa a palavra.

De uma forma mais lata, podemos então dizer que o nosso pensamento é modulado e transformado pelo som. O som tem, portanto, uma acção direta em como somos. É como um germe. Há, implicito, um sentido de continuidade, tão como aqueles que somos hoje, não sereremos exactamente os mesmos que seremos amanhã.

Nesse  processo o som assume dois aspectos na sua manifestação – o interior e o exterior.  O exterior revela-se em como a palavra pode ser determinante no ambiente. Uma palavra agressiva pode determinar as mais violentas acções, ou, pelo contrário, uma palavra de conforto pode aliviar a enorme dor de alguém. Na sua expressão mais elementar podemos compreender, com este exemplo, como a palavra proferida afecta os pensamentos e emoções dos que nos rodeiam. Já no aspecto interior, revela-se pela nossa melhor percepção, através dos pensamentos e das emoções, que nos dão esse sentimento de satisfação interior e essa amorosidade.

De uma maneira muito concreta e objectiva, à medida que nos vamos conhecendo, não apenas compreendemos as implicações dos nossos actos, pensamentos e emoções, essa essência criativa, como também nos apercebemos da nossa verdadeira identidade, essa inexistência de significado e significante, de sujeito e de objecto, onde a palavra se manifesta por esse som primordial que nos conduz além da experiência ou de qualquer visão - a radiância primordial.

José Pais de Carvalho
Sintra, 2015

2 comentários:

Osman Plaisant disse...

essa amorosidade,é o q mais ,deveria nos unir e mover a vida!

regiaoliteraria@gmail.com disse...

Bem haja Osman. Assim creio, mas num mundo onde se exalta a competição e outras coisas sem ter consciência do efeito, há que desbravar um caminho, que se faz caminhando. Abraço.