por Miguel Boieiro
Já imaginaram como seria penoso o quotidiano dos humanos no
alongado período que antecedeu a época moderna? Suponhamos que vivíamos na
Europa em plena Idade Média. Não havia batata, nem milho, nem tomate, nem
abóboras, nem feijão, nem café e o açúcar era uma especiaria só ao alcance dos
nobres ricos. A conservação dos alimentos era feita com sal, o qual também
atingia valor elevado. O único picante conhecido era a mostarda, de sublimada
importância, porque “escondia“ o mau sabor dos alimentos deteriorados. E como
faziam os nossos antepassados quando, “após darem de corpo”, queriam limpar o
rabiosque, o rabo, as partes traseiras, o “sim-senhor”, ou outro nome mais
apropriado que lhe queiram dar? Estou-me a referir, é evidente, apenas aos mais
asseados. Papel higiénico não havia, nem sequer jornais e os míseros trapos
eram reservados às rudes vestimentas. Como fazer então?
E eis mais uma função, hoje esquecida, das plantas nossas
amigas. A gente dessas remotas eras servia-se dos vegetais que medravam nos
campos. Era necessário escolher as folhas mais macias e sedosas para o efeito
desejado, pois muitas eram ásperas e arranhavam os alvos traseiros das
criaturas. É aqui que entra em cena o verbasco, planta que tinha muitas
aplicações, como iremos ver a seguir.
O Verbascum thapsus,
herbácea da família das Scrophulariaceae é,
quase sempre bienal. No primeiro ano, forma uma roseta basal com grandes folhas
grossas verde acinzentadas, cobertas de penugem e macias como flanela. Como se
calcula, elas eram ideais para a função acima mencionada. Os catalães
puseram-lhe o nome de “trepó”, pois a configuração das tais folhas faz lembrar
as tripas dos mamíferos. No segundo ano, a planta deita um caule lanoso, ereto
e vigoroso que chega a alcançar dois metros de altura. É ao longo desse espigão
que se formam as pequenas flores, quase sésseis, de amarelo claro, com cinco
pétalas e cinco sépalas. As folhas ovais e ligeiramente lanceoladas são
alternas e bastante mais pequenas do que as basais do primeiro ano, mas
igualmente cobertas de pelinhos brancos ou prateados. Os frutos são cápsulas
cheias de sementes castanhas que não chegam a ter um milímetro de diâmetro.
O verbasco é nativo da Europa, Norte de África e Ásia Menor
mas hoje está disseminado pelos vários continentes. Gosta de sol e de terrenos secos
e pedregosos. É frequente no nosso país à beira dos caminhos serranos. Na serra
da Arrábida surge em abundância. O reputado Engº José Gomes Pedro no seu “Guia
de Campo – Flores da Arrábida” menciona o Verbascum
sinuatum (verbasco-ondeado) que é basicamente idêntico à espécie thapsus. Aliás, saliente-se que existem
no mundo mais de 300 espécies e subespécies de verbascos, cujas características
pouco variam entre si.
As flores autopolinizam-se ou beneficiam de polinizações cruzadas,
sendo estas as mais produtivas. As sementes possuem uma dormência espantosa.
Estudos americanos calculam que as sementinhas conservam o seu poder
germinativo durante cem anos.
O nome “verbascum” provém do vocábulo latino “barbascum” que
significa “barba”, em referência aos pequenos filamentos que a planta possui.
Quimicamente o verbasco contém flavonóides, mucilagens,
saponinas, hidratos de carbono, ácido cafeico e outros ácidos.
Entre as propriedades fitoterápicas da planta apontam-se,
entre outras, a de ser demulcente, diurética, sedativa, adstringente,
expectorante, anti-inflamatória, antibacteriana, antifúngica e analgésica.
Já na antiguidade clássica ela era usada para tratar
faringites, amigdalites, afonias e tosse. De um modo geral, o verbasco é útil
para debelar todos os males do aparelho respiratório. Segundo Pamplona Roger
prepara-se, para esse efeito, uma infusão de 20 a 30 g das flores por litro de
água para tomar três chávenas diárias. Deve-se filtrar o “chá” para evitar os
pelos que podem irritar a garganta. Mas há ainda numerosas aplicações tópicas
para limpeza e tratamento da pele, otites e eczemas no pavilhão auditivo.
A raiz seca e pulverizada é boa para problemas urinários e é
base para cremes e unguentos no tocante ao alívio do hemorroidal.
É também usada em homeopatia.
Falta ainda dizer que, em tempos antigos, o verbasco era
utilizado como piscicida, visto causar problemas respiratórios aos peixes de
água doce que assim eram capturados mais facilmente.
Igualmente servia como base de vários corantes.
Com as folhas secas e os caules preparavam-se pavios e,
envolvidas em sebo, constituíam tochas com boa duração.
Tudo isto tem a ver com práticas muito antigas que já
entraram em desuso. Convém, no entanto, recordar e registar.
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