Abdul Cadre
Vendas Novas, 11 de Setembro de 2016
Aceite, consentido ou imposto, todo o pensamento único é,
insofismávelmente, a fórmula codificada da implementação do totalitarismo. Nas
sociedades sufragistas, que invocam em vão o santo nome da democracia, a
prática é, em nome das maiorias, sufocar as minorias até que se tornem
invisíveis, escamoteando-se que a opressão, o totalitarismo e a tirania não são
um exclusivo de minorias armadas até aos dentes. Tirania é tirania, seja
exercida por poucos seja exercida por muitos.
Sociedades de maiorias e sociedades de massas, mais estas do
que aquelas, tendem a aceitar qualquer tipo de totalitarismo e estão sempre
prontas para o expurgo das diferenças. Os demagogos sabem bem disto e é-lhes
muito fácil arrebanhar multidões: vendem à pequena burguesia o pronto a pensar
e às classes laboriosas o pronto a dizer, arranjam um inimigo a quem se retira
a humanidade e está pronto o estrugido.
Com sufrágio ou sem sufrágio, com inimigos unificadores ou
sem eles, o pensamento único impõe-se e torna-se, não uma rotina, como alguns
dizem, mas a rotina, o caminho único, o hábito único, o comportamento único;
fora destes espartilhos é a heresia e os autos-de-fé. Toda a heresia merece ser
castigada. Era assim na outra Idade Média e é assim na actual.
Nesta Idade Média Pós-moderna, seja a Leste seja a Oeste,
aposta-se forte nos mecanismos securitários. Na boca dos mandadores deste baile
mandado a segurança não passa de um eufemismo que se pode traduzir por
alienação das liberdades para espantar o medo. Ora, acontece que, quanto mais
queremos calar o medo, mais medo temos, o que nos leva a alienar mais e mais
liberdade até que ficamos tão «seguros», isto é, tão agrilhoados que acabamos
por ter medo de ter medo. Foi isto que aconteceu nos países ditos do socialismo
real e é isto que está a acontecer nos países anti-socialistas integrantes do
Império Alemão, a que os ingénuos chamam União Europeia.
Durante o decorrer da campanha actual para a presidência
americana, O candidato marginal ao sistema Bernie Sanders dizia algo
indesmentível: «Tudo aquilo que temíamos no comunismo: perder as nossas casas e
posses, economias, ter de trabalhar duro por um salário miserável realizou-se
graças ao capitalismo».
O pensamento único está aí, as fogueiras autênticas de
antigamente, não. As que há agora têm outra e diversificada natureza. Por
exemplo, a ninguém é permitido, sem a risota geral, pensar fora do sebentismo
académico da ideologia do mercado, sucedânea das religiões salvíficas de
paraísos impalpáveis. As Universidades formatam os novos sacerdotes da religião
do mercado com o mesmo afã com que a igreja romana formatou crentes e incréus
ao longo dos séculos. A formatação deixou tantas sequelas que ainda hoje os
ateus não conseguem negar outro deísmo que não seja o da Bíblia. De semelhante
e paradoxal jeito sofrem os comunistas que sobram por aí: todos eles falam
economês com a mesma fluência e convicção dos mandadores e dos mandatários do
sistema único em vigor. Também eles assimilaram muito bem o «não há
alternativas», mesmo que se retorçam a dizer o contrário. Vejam bem como o
pensamento único é mais ameaçador do que o aquecimento global!
Esta aceitação, esta subordinação a pensar segundo o que
está instituído e de nos comportarmos como se espera que façamos constitui uma
doença grave de características epidémicas, que pode levar à morte da
Liberdade, da Igualdade e da Fraternidade, tendo como consequência o impedimento
da solidariedade, da tolerância, da aceitação do outro e das diferenças, da
empatia, da compaixão, do humanismo.
Os sinais estão por toda a parte e só os não vê quem optou
por pôr – voluntariamente ou por ignorância – as talas mentais que já não é preciso
colocar-lhes à força. Veja-se, por exemplo, como a «indignação» se tornou um
produto internético inconsequente e como há tanta gente sentada ao computador a
indignar-se com os que não pertencem aos hábitos e aos comportamentos inerentes
ao totalitarismo da ditadura democrática. O pensamento único ensina-nos que é
bom que nos indignemos, não com o mal, mas com a dessincronia; temos todos de
marchar com o passo certo e apanhar muitos Pokemons.
(in, A Verruma, http://acverruma.blogspot.pt/2016/09/totalitarismo-e-democracia.html?m=1 )
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