Uma Revista que se pretende livre, tendo até a liberdade de o não ser. Livre na divisa, imprevisível na senha. Este "Estudo Geral", também virado à participação local, lembra a fundação do "Estudo Geral" em Portugal, lá longe no ido século XIII, por D. Dinis, "o plantador das naus a haver", como lhe chama Fernando Pessoa em "Mensagem". Coordenação de Edição: Luís Santos.
quarta-feira, 7 de abril de 2010
THE UNKNOWN GOD
Gigante Caído Acrílico sobre Tela 30x40cm
Autor António Tapadinhas
Os atenienses, apesar dos seus doze deuses principais, com receio de ferirem susceptibilidades, criaram um templo dedicado ao deus desconhecido. Se não serviu para mais nada, a sua existência ficou justificada com a obra-prima, “A um deus desconhecido”, de John Steinbeck.
Nesta novela telúrica, panteísta, Joseph Wayne, para cumprir o desejo do pai, vai viver para uma terra de vales imensos e de majestosas árvores. Depois da sua morte, Joseph acredita que a alma do pai se recolheu no imponente carvalho, junto da casa. A partir desse momento, a sua vida fica ligada umbilicalmente, de uma forma mística, ao destino da árvore. Como quase sempre acontece, é por uma boa razão, em nome de Deus, para o salvar do fogo do inferno, que seu irmão assassina o velho carvalho, cortando-lhe as raízes. O sentimento de tragédia, presente nas páginas da novela, começa a adensar-se com a seca que invade a terra e atinge o seu paroxismo quando Joseph se suicida. Com “o sangue a gorgolejar das artérias abertas”, ele diz: “Eu sou a terra e sou a chuva. A erva brotará de mim dentro em pouco.”
No passeio pelos sapais do Tejo, do qual falei anteriormente, logo a seguir ao Moinho da Charroqueira, encontrei um sinal das intensas chuvadas e fortes ventos: um pinheiro-manso (Pinus pinea) caído, suportado, de um lado, pelas suas raízes, e do outro, como que amparado por braços amigos, com as ramagens na terra. Lembrei-me de imediato da árvore assassinada em nome de Deus.
“E a tempestade recrudesceu e, com um enorme cachoar de águas, cobriu de sombra o mundo.”
Eu sou mais optimista.
Foi assim, cheio de cor, que vi o velho gigante…
Texto de António Tapadinhas
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10 comentários:
Que quadro taoo bonitoo, parece um vidral talvez por as cores do céu reflectirem muito bem a luz do sol que ainda pairam no ar.
Parabens
Abraço
Diogo
Ohhh!, digo eu aprendendo com o Diogo, e inspirando-me na procissão do Raul: um Deus desconhecido, optimista, nos sapais do Tejo. Está muitoo fixeee.
Tive a mesma sensação, como o Diogo: parece-me um vitral. Lindíssimo, não me ocorre mais nenhum adjectivo... Curioso o Pastor de Sonhos que vai percorrendo esta Via Sacra Pagã, de estação em estação...
Steinbeck, o eterno e único Steinbeck que genialmente cantou aqueles para quem a vida não sorriu e que no entanto guardam em si parcelas de humanidade em que podemos pensar os mais profundos abismos da alma humana.
Só podia pois mesmo sugerir um vitral, como diz Diogo, mas eu diria que simbolizante da dimensão telúrica da pequenez do homem perante os elementos, Mãe Terra, como alguns lhe chamam, a nossa casinha comum, como eu gosto de dizer.
E agora um toque pessoal e familiar, apesar de estarmos num espaço público, mas até por isso para assim celebrarmos memórias daqueles de quem podemos dizer terem sido generosos e por isso quase anjos na Terra.
Foi o Zé Carlos, o nosso primo Zé Carlos, quem me deu a conhecer Steinbeck quando me ofereceu "O Milagre de São Francisco", teria aí os meus quinze anos, não mais que isso, livro que eu recomecei a ler no acto contínuo a ter acabado a última linha. Jamais tinha lido uma coisa assim, uma beleza tão grande no meio da insignificância e uma tão profunda humanidade dentro dos mais inesperados e simples dos homens.
E o mais curioso é que andava então fascinado e intrigado com letras como as de Neil Young e outros que falavam de gente do limbo de um mundo que me era difícil de imaginar. Era uma América que se desconhecia. E o mergulho em Steinbeck e na seqência dele em outros seus contemporâneos, levaram-me ao contacto com uma tradição literária em que adulto acabei por me rever. Sem o saber, então, o Zé foi pois ao encontro daquilo que veio a ser mais conveniente para mim. E daí a memória que permanece e que é bonita de aqui lembrar; estou certo que também ele agora se enfilicida por isso.
É pois uma alegria ver a representação digital desta pintura que espero ver ao vivo, numa próxima exposição, porque não na "Casa Amarela"?
Aquele abraço, companheiro
Luís
Diogo Correia: Não conheço a técnica do vitral...
Talvez seja uma boa altura para começar!
Abraço,
António
Luis Santos: O nosso deus desconhecido, só pode ser optimista! Dos outros, já temos muitos!
Abraço,
António
alliusvetus: Será de estação em estação, com paragem em todas que os nossos permitirem...
Abraço,
António
Luís F. de A. Gomes: Quando era jovem (na idade:), lia tudo o que me passava por perto...
Tinha sempre um livro, um "Mundo de Aventuras", um "Cavaleiro Andante", para ler enquanto me deslocava a pé ou de comboio, para qualquer sítio.
A jogar à bola, as pedras que marcavam as balizas, tinham por baixo os meus companheiros de aventura. Era assim, estou convencido, porque não havia televisão, nem computadores, o rádio servia para ouvir os relatos do hóquei em patins ou do futebol, e a música servia para acompanhar a leitura.
Conheci assim Steinbeck e a força da sua escrita... E essa força, lembrou-me outra, a do Zé Carlos, o nosso primo, que referes por outro bom motivo. Deves saber que ele fazia rádio no Carvalhinho, bem perto de minha casa. Quando eu soube, porque ele me disse, que ia morrer dentro em breve, fiquei atónito: como era possível alguém dizer aquilo, que muitos nem se atrevem em pensar, com aquela paz de espírito, sem querer cobrar nada, nem culpar ninguém? Nem Deus, conhecido ou desconhecido!
A exposição na Casa Amarela, quem sabe?
Vamos esperar que a matéria inspiradora do Estudo Geral se mantenha...
Grande abraço!
António
Olá Zé Carlos. Estes primos trouxeram-te-me à memória. Espero que tu e o Tomás Ribeiro, na vossa alma comum, continuem. Como vês na nossa família os "Tomás" ainda perduram. Lembro-me que, pelos vistos, para lá da literatura também gostavas de música. Recordo-me particularmente de dois LP's que ouvi em tua casa e que, de alguma forma, sempre relembro: "August Night", do Neil Diamond, e "Pois, Canté", do GAC com seu Zé Mário Branco. Pois, até eu fico surpreendido... Darei beijinhos teus à Lídia e cumprimentos ao restante pessoal do Rancho de Folclore. Como sabes, vejo alguns deles com alguma frequência. Decerto, ainda teremos muito tempo juntos. Para já, aquele abraço. Luis Carlos.
Viva Tó e Viva Luís,
Para os dois que é mesmo assim, pois é de uma memória partilhada que se trata e carinhosa e que nos dá alento, na tal demanda do sermos melhores hoje do que o fomos ontem.
E eu tenho a certeza que lá no Colo onde eles se encontram, porque o Tio Tomás também nos está vendo e só não estará envaidecido por nós por ser quem é, para nós quem foi, um homem Bom -tal e qual, em maiúscula- e como tal pecado, nem mesmo o da vaidade que é tão corriqueiro na nossa pequenez de grãos de areia que só na humildade se engrandece; mas estará o Tio Tomás satisfeito por nos ver aqui como homens de bem -e isto não é nem um elogio para nós que seria auto-proposto no que me diz respeito e muito menos a pretensão de nos colocar acima de quem quer que seja- e nessa dimensão de tronco erguido e cabeça levantada, homens de espinha direita e livre, responsáveis que trilham o seu caminho sem mal querer e fazendo por não pisar o semelhante. E nessa verificação, estão o pai e o filho de acordo, torcendo por nós, orgulhosos de nós, dizendo lá entre eles que afinal os exemplos em que se constituíram deixaram continuidade, ideia esta que me agrada por saber que retomo passos de gente assim. É uma honra que todos os três, tenho a certeza de estar a falar por nós os três, partilhamos e de que nos orgulhamos, humilde e respeitosamente.
Mas eu também guardo esses sons ao vivo do Diamante que na nossa língua se usa dizer Diamantino e com especial carinho os do GAC, de um outro Zé, o Mário que é Branco de quem ainda há poucos dias presenciei uma excelente entrevista no segundo canal da televisão pública.
Outras memórias, entrelaçadas naquelas que aqui nos trouxeram e que marcam referências que, a todos os níveis, tanto acabaram por confluir para eu ser quem sou.
Da mesma maneira que as leituras que fui fazendo e que sempre me acompanharam desde que aprendi a ler, muito terão contribuído para ser quem sou, mais não fosse pelo que aí fui encontrando na minha busca de conhecimento.
Ao que a Arte do Tó nos levou. Sinal de que está viva de que estará para sempre viva, pois sempre haverá um olhar de Diogo e sempre haverão aqueles para quem a relação do homem com o Infinito os levará a pensar o mais fundo da Humanidade e mesmo sem este texto que o Pintor anexou, quem um dia olhar a pintura em causa, sempre verá nela a relação a que aludi e quem tenha lido Steinbeck e serão muitos os que o lerão mesmo num futuro distante, se por acaso igualmente tivesse a oportunidade de se deleitar com este quadro, lembrar-se-ia logo do Mestre de Salinas, o melhor pintor de palavras que alguma vez li e assim tenho para mim que, na partilha desta beleza que o engenho do Tó criou, muitos serão os que se encontrarão nas lembranças que o desconhecido Deus de Steinbeck lhes trará.
E assim bem-hajam companheiros, por existirem, como dizia um Poeta e por serem Poetas também.
Fui longo, mas não faz mal, longa é a a vida destas memórias que afinal temos em comum.
Para ambos, aquele abraço
Luís
PS
Cruzei-me alguma vezes com o Zé, na Rádio Clube da Moita, onde ele fez esse progama semanal e onde às quartas em conjunto com outros amigos, o Edgar Pedro e o Sérgio Saraiva, fiz o "Além da Cortina", também de boa memória.
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