terça-feira, 29 de junho de 2010

HÁ PINTASSILGOS NO MEU QUINTAL
XII

As cobras da refracção da luz, em movimentos, nos plátanos da caixa líquida.

-Bem, se me permite interrompê-la. Antes de mais, eu devo confessar que sobre esses assuntos da biologia e da genética, os conhecimentos que eu possuo são muito insuficientes e isto para não dizer mesmo totalmente inexistentes, pois sempre terei aprendido qualquer coisa no liceu. Mas essa é uma área que me é de todo estranha e por isso não terei, de modo algum, como contestar aquilo que o seu amigo disse. Seja como for, deixe-me que lhe diga que já quanto a isso de Deus e de sermos filhos de Deus… Você acredita mesmo nisso?
-Sim, foi isso que me ensinaram desde sempre e naturalmente procuro viver de acordo com esses princípios. Por exemplo, no que diz respeito a esta questão de sermos Seus filhos, quer isso significar que eu acredito que somos todos irmãos e é justamente por isso que eu procuro viver sem fazer qualquer mal a ninguém.
-Certo, mas não era disso que eu estava a falar quando lhe perguntei se acredita nisso que diz. Claro que você terá os seus princípios e nada me custa acreditar que viva inteiramente de acordo com eles; seria até uma grande falta de educação se pusesse isso em dúvida e, para falar com sinceridade, nem seria admissível que o fizesse.
-Pois, seria um despropósito.
-Sim, seria um despropósito, mas acima de tudo insisto que seria uma grande falta de educação. Mas passemos adiante, pois o que lhe estava a perguntar é se você acredita mesmo que é assim? O que é que a leva a pensar que seja assim, sem ser pela questão de princípio em que foi educada, tal como você disse. O que me intriga saber é naquilo em que se baseia, no que é que você se fundamente para crer que é assim, que somos filhos de Deus? Você não tem como o provar, pois não?
-Se vamos por aí, então teremos que admitir o inverso que, da mesma forma, não teremos como conseguir provar o contrário. Terá que ser assim, não?


-Sim, poderíamos dizer isso mesmo, não é verdade? Este reparo é pertinente. Mas o que se passa é que nós muito simplesmente não temos que o provar porque quando digo que acredito que somos filhos de Deus, o que isso significa é que tomo isso como um princípio. Não sei se em termos gnosiológicos não poderíamos dizer, um axioma. Contudo importa salvaguardar que e isto sem fazer qualquer truque intelectual, isso não se trata de uma crença. Não é de uma crença que estamos a falar, antes se trata de uma aceitação de um princípio, a aceitação de que é assim, o que é algo diferente. Já sei que me vai perguntar então porque é que aceito esse princípio sem ter que o provar. E porque é que eu faço isso? Por uma questão de Fé e esta não se justifica.
-Mas fé, desculpe estar a interrompê-la, fé quer dizer crença, não será assim? Você acredita em Deus como poderia acreditar, peço-lhe que não se ofenda com o que vou dizer, mas nesse sentido você acredita em Deus como poderia acreditar em bruxas, ou em fantasmas, ou, se quisermos, em Deuses, certo?
-Errado. Não é nada disso. Fé e crença são coisas distintas e diferentes entre si. Aliás, a primeira exclui necessariamente a segunda. A crença acaba por ter mais a ver com a crendice, justamente no sentido em que acabou de colocar a questão. Você acredita naquilo que vê, naquilo que pode ou julga que pode dar por certo. Num certo sentido, naquilo que pode ou consegue provar. Ora a Fé nada tem a ver com isso. É um pouco aquilo que está contido no episódio do ver para crer de São Tomé, quando Jesus Cristo lhe desdramatizou o problema da dúvida que isso encerra e disse que ele não era menos que aqueles que não duvidavam mesmo sem verem ou terem visto.
-Você vai perdoar-me, mas no que é que isso deixa de ser diferente de acreditar em Deus, acreditar que Deus existe? Pessoalmente não estou a conseguir vislumbrar onde é que possa estar essa diferença, sinceramente que não estou.
-Bem, se você coloca o problema dessa maneira, então o que eu poderei seguramente dizer é mais uma vez que não tenho qualquer motivo para não acreditar, não? Afinal, Ele nunca me mentiu…
-Está a fazer humor.
-Mais ou menos, mas é só para sublinhar que a Fé nada tem a ver com isso. Repito que a Fé é algo completamente diferente.
-Explique-me lá então o que pensa a esse respeito.

(continua)

7 comentários:

A.Tapadinhas disse...

Depois de ler o texto, dei por mim a pensar que talvez seja mais fácil tentar provar que Deus não existe!

Se, sendo mais fácil, ainda assim a prova não for concludente, quererá dizer que, afinal, Deus existe, uma vez que o contrário não pode ser provado?

Einstein talvez tenha partido deste princípio para a teoria da relatividade. O princípio absoluto que escolheu foi que nada pode superar a velocidade da luz, o que foi verdade durante muitos anos e hoje já não é. Não sendo verdade, serviu como tal e com resultados muito relevantes para a humanidade.

Exista ou não, Deus faz falta a todos nós, quanto mais não seja, para termos escolha!

Viva a democracia!
rsrsrs

Luís F. de A. Gomes disse...

Sobre Ele não me pronunciarei, pelo menos agora ou por esta ocasião, deixo essas palavras às personagens que seguramente são mais inteligentes que eu e terão, certamente, mais conhecimentos do que eu na matéria.

Já quanto à democracia é isso mesmo, viva ela que sempre nos deixa em aberto a possibilidade de escolher ainda que a realidade não seja assim tão simples, mas isso seria e terá que ser uma longa conversa. Não digo propriamente dito neste espaço das caixas de comentários mas este da blogosfera, será, sem dúvida alguma, uma das praças em que isso pode e deve ser feito, quanto a mim, é claro.
E devo acrescentar que não partilho a ideia de que aquela seja a menos má de todas as formas de regime político pois, quer enquanto isso mesmo, quer enquanto modo de vida e, como tal, expressão civilizacional, sou daqueles que afirmam que a democracia é, apesar de tudo, o melhor dos regimes e a melhor maneira de viver; como não acredito no proselitismo, ressalvo que isso é assim na minha modesta opinião pois aceito que outras preferências sejam justificadas e, não direi igualmente válidas mas acrescentarei, exequíveis (?), se bem que não esteja certo de seja este último termo o mais adequado.

Aquele abraço, companheiro

Luís

Anónimo disse...

A democracia é o regime das maiorias de "tolinhos", incluindo algumas facções (só para não meter tudo no mesmo saco) dos "Super Dragões" e dos "No Name Boys", onde a demagogia ganha quase sempre.

Luís F. de A. Gomes disse...

"A democracia é o regime das maiorias de "tolinhos", incluindo (...)" os anónimos que têm todo o direito a expressar as suas opiniões, inclusivamente de negação da mesma, ainda que o não tivessem nas alternativas que, naturalmente, presumo, pressupõem a total liberdade de expressão.

Quais são as alternativas à democracia? Partimos sempre do princípio que aprender não ocupa lugar pelo que somos todos ouvidos.

Luís F. de A. Gomes

Anónimo disse...

caro senhor
a democracia é uma coisa para se ir construindo todos os dias. há-de chegar o dia que deixará de ser democracia para passar a ter outra qualquer designação, como tudo na vida a sujeição à permanência é absoluta. são tantas as alternativas à democracia, não é verdade? umas melhores que outras, de acordo e até poderão vir misturadas. mas preservemos as liberdades enquanto bem a não alienar.

Anónimo disse...

perdão. onde se diz permanência deverá ler-se impermanência.

Luís F. de A. Gomes disse...

Estamos pois esclarecidos.

Muito obrigado por nos lembrar a lei da mudança que está subjacente à matéria e, como tal, a tudo neste Universo em que vivemos.

Aprendemos ainda que a democracia se constrói todos os dias e que, para ela, existem muitas alternativas que "(...) até poderão vir misturadas. (...)"

E ficámos a saber que a liberdade é um bem "(...) a não alienar."

Bem-haja por tanta sabedoria e pela elevada generosidade de a partilhar connosco.

Há que repeti-lo, agradecemos

Luís F. de A. Gomes