Uma Revista que se pretende livre, tendo até a liberdade de o não ser. Livre na divisa, imprevisível na senha. Este "Estudo Geral", também virado à participação local, lembra a fundação do "Estudo Geral" em Portugal, lá longe no ido século XIII, por D. Dinis, "o plantador das naus a haver", como lhe chama Fernando Pessoa em "Mensagem". Coordenação de Edição: Luís Santos.
sábado, 12 de junho de 2010
TODOS DIFERENTES, TODOS ESPECIAIS
. A ARTE NA ERA DO PORQUINHO BABE .
. JARDIM DE INVERNO DO TEATRO MUNICIPAL DE SÃO LUIZ . LISBOA .
. 7 DE JUNHO 2010 .
TODOS DIFERENTES TODOS ESPECIAIS
Mental Noise, 2010, 23´- filme de Ilsa D´Orzac
Em 1919, D.W.Griffith realizou Broken Blossoms (O Lírio Quebrado), filme que relata uma história de violência do “mais forte” sobre o “mais fraco”, de um “homem” sobre uma “mulher”, de um “pai” sobre uma “filha”. O século XVIII viu surgir três movimentos: o abolicionismo, o feminismo e a luta pela defesa dos direitos dos animais. Estes movimentos têm em comum a defesa dos direitos de seres que sentem e sobre os quais era, e em muitos casos ainda é, impunemente infligido sofrimento. A violência de um animal humano sobre outro animal humano, de um homem sobre uma mulher ou de um animal humano sobre um animal não humano, pertencem ao mesmo domínio mental. Mental Noise, de Ilsa D´Orzac, é sobre essa relação e dedicado a todos os seres sencientes. Por essa razão pede emprestado imagens de Broken Blossoms e toma Lilian Gish como representação dos seres sencientes maltratados, humanos e não humanos, que precisam de ser defendidos por todos nós. Em 1772, a ideóloga e intervencionista inglesa Mary Wollstonecraft, publicou o primeiro tratado reivindicativo de liberdade e igualdade, não apenas entre homens mas também para as mulheres e para os animais, contestando a violência nas suas várias formas de expressão: contra raças, sexo, condição económica, infância, animais e contra a Natureza. Passaram duzentos e trinta e oito anos e se olharmos à nossa volta… o que dizer dos vitelos torturados impiedosamente para que a sua carne permaneça tenra para os humanos? E de todos os outros casos, na alimentação, na experimentação, na moda, na vida quotidiana? Constatamos uma profunda regressão no que respeita a esta matéria.
Mas a defesa dos direitos dos animais não humanos não significa que os que a praticam sejam apaixonados por esses animais como quem é apaixonado por Ferrari´s ou pelos novos gadjets informáticos, ou similares. Podem ser ou não ser. Mas são, isso sim, conscientes de que o lugar que ocupam na existência e no planeta é partilhado em condições idênticas e não em arrogante supremacia atribuída pela razão. O que essa defesa manifesta é respeito pelo Vivo e reconhecimento da ignorância apensa às prerrogativas da superioridade mecanicista. Daí resulta que os que defendem os direitos dos animais também defendem os direitos dos vegetais e os direitos dos minerais. Defendem a Natureza e a natureza cosmobiológica de todos os seres, a sua incluída.
O respeito pelos outros animais é assim o primeiro grau e o ponto de partida para uma mudança de paradigma tendente a um novo entendimento e prática da Vida. Quando mais essa percepção for na sua abrangência assimilada, maior será o desenvolvimento de outras percepções sobre a existência no planeta Terra e a sua inter-relação cosmobiológica. Percepções que os sistemas orientados pelos interesses económicos e pelo lucro pretenderam e com sucesso, ilidir.
Inúmeros mal-entendidos emergem acerca do sofrimento imposto a estes seres sencientes. Por exemplo, a ideia de que é necessário comer diariamente proteínas animais. Incrível pretensão, não só porque do ponto de vista nutricional tanto funcionam as proteínas animais como as vegetais, mas também porque intenta fazer crer que ao longo da história da espécie humana os sujeitos sempre tiveram essa prática e – de não somenos importância – essa possibilidade. Obviamente é falso. Essa possibilidade passou a existir apenas desde que a produção agro-pecária em massa foi instituída, ou seja, recentemente. Outro mal-entendido é a ideia de que os animais não humanos sempre existiram para o prazer e gáudio dos humanos, qualquer que seja a forma que esse gáudio e prazer assumam. Ora, também é falso. O paradigma mecanicista assim o advoga mas o cartesianismo surgiu no século XVII, há apenas trezentos anos portanto. O que a documentação histórica confirma é que sempre existiu a defesa do entendimento oposto. Já Pitágoras (552-496 a.C.) recusava consumir carne de animais ou estar sequer próximo dos que os caçavam e matavam, e o imperador indiano Asoka (274-232 a.C.) instituiu explicitamente no seu longo e feliz reinado, a não realização de sacrifícios de sangue e a provisão de tratamentos médicos, de poços e de árvores para benefício de humanos e de animais não humanos! Outro forte mal-entendido é o famoso repto de que é integrante da natureza humana a necessidade de domínio e subjugação da Natureza e dos mais fracos, nomeadamente os outros humanos. Ainda hoje, e apesar de todas as démarches para que tal não seja possível, existem comunidades onde esse princípio não só não é praticado como é repudiado. Mas sobretudo, deveria ser do conhecimento público que a ideia generalizada de competição no universo provém de Herbert Spencer (1820-1903), autor da expressão "sobrevivência do mais apto", que pura e simplesmente a retirou do discurso económico e a implantou como prótese, no pensamento darwinista. E infelizmente graças a interesses de uns e desatenções de outros, instituiu-se como verdade o que verdadeiro não é.
Alguns pensam que esta vontade de respeito pelos animais e pela natureza é uma moda ou aberração de alguns sujeitos pós-modernos. Quanto estão enganados! Ao longo da história e em todas as épocas sucedem-se os exemplos na filosofia, na legislação, nas artes, na ciência, nas academias, de mulheres e homens que se manifestaram no espaço público e privado na luta pela defesa dos seres sencientes, incluso os animais não humanos. Em 1789, quando em Portugal (e suas colónias na Índia) e em França, os escravos negros estavam a ser libertados, nos territórios britânicos e colónias portuguesas na América e Àfrica continuavam a ser escravizados, Jeremy Bentham afirmou sobre as outras espécies animais “a questão não é saber se podem pensar ou falar, mas saber se podem sofrer!”. Atestando quanto temos sido e estamos também enganados em relação às práticas da Idade Média, é bom partilhar algo já publicado mas muito pouco assimilado. Durante a Idade Média, entre o século XIII e o século XVIII, os cinco séculos mais recentes na confluência com a instituição do pensamento mecanicista e capitalista, realizaram-se na Europa os Processos dos Animais. Em que consistiam esses processos? Consistiam na outorgação de representação jurídica legal aos interesses de animais não humanos, inconvenientes, que interferiam com o lucro e a economia das práticas agrícolas. Porque nesses tempos, os humanos não se arrogavam o direito de simplesmente abusar ou aniquilar os outros animais e sabiam que
“Tudo o que existe, existe em Deus, e sem Deus nada pode existir nem ser concebido” Espinosa
Respeitemos a Vida e o que nela Vive.
Ilda Teresa Castro
(investigadora)
POR UMA MUDANÇA DE PARADIGMA, TODOS DIFERENTES TODOS ESPECIAIS
in, "Outro Portugal"
http://umoutroportugal.blogspot.com/2010/06/todos-diferentes-todos-especiais.html
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