"O Dilema"
Confesso que já estive, por duas ou três vezes, tentado a enlouquecer, pois o passar dos anos vai deixando inexoravelmente as suas marcas, erodindo, suave mas definitivamente, as minhas capacidades físicas e psíquicas para contrariar esta corrente de apatia e amorfismo que se vai instalando em cada vez mais gente, tornando-nos num país de mortos-vivos. Sei que seria uma fuga, um abandonar do campo de batalha e, como tal, uma atitude nada edificante, mas…
Confesso que já estive, por duas ou três vezes, tentado a enlouquecer, pois o passar dos anos vai deixando inexoravelmente as suas marcas, erodindo, suave mas definitivamente, as minhas capacidades físicas e psíquicas para contrariar esta corrente de apatia e amorfismo que se vai instalando em cada vez mais gente, tornando-nos num país de mortos-vivos. Sei que seria uma fuga, um abandonar do campo de batalha e, como tal, uma atitude nada edificante, mas…
Para mim, enlouquecer, seria, presumo, alcançar o estado Zen, o fim da luta desesperada diária contra todos para estar de bem comigo, ou, pasmem (pasmarei eu, também, agora que tenho consciência disso? …) contra mim mesmo, para, em momentos de maior fragilidade, estar de bem com os outros…
Claro que depois de enlouquecermos, nada do que possam os outros (os que amamos, os de quem necessitamos e a quem devemos muito ou pouco, mas sempre algo, os que necessitam de nós e vão sentir a perda sem encontrar uma explicação que os satisfaça) pensar de nós sobre a atitude que tomámos nos afectará, mas o momento extremamente doloroso de lucidez que envolve o estado de consciência desta decisão é brutalmente devastador, porquanto sei que sentiremos num instante tudo o que sentiríamos ao longo de toda a nossa vida restante se pudéssemos, no acto de enlouquecer, criar um segundo cérebro que se mantivesse igual ao primeiro antes de ser alterado, portanto lúcido, que existiria passivamente apenas para registar o que se passasse à nossa volta, sem permissão de interferência no novo cérebro enlouquecido. Mas como não temos essa capacidade, temos que pagar de uma só vez e em breves instantes o preço dessa nossa atitude. E o preço é alto, mesmo muito alto. Por isso, tenho protelado a tomada de decisão.
Tempos houve (afinal, com este distanciamento temporal, parecem não ter sido assim tão maus como eu os senti na altura…) em que a consciência de não estarmos sós, de termos um ideal que nos fortalecia dia a dia e nos alimentava a alma, nos protegia e fazia escarnecer do perigo das perseguições, interrogatórios e espancamentos – foram os melhores tempos da minha vida, embora só o tenha compreendido agora. Toda a esperança que naquela madrugada de Abril transbordou dos nossos corações para as cordas vocais que nos fizeram gritar bem alto as palavras de ordem que não eram senão versos da nossa romântica poesia da Utopia Necessária e Urgente em que acreditávamos, não sei para onde foi… Olho à minha volta e já não vejo os meus companheiros de aventura, apenas uma multidão de mortos-vivos, todos com o mesmo fatinho, a mesma gravata, que segue todos os dias e às mesmas horas pelos mesmos caminhos, passiva, ordeira e obedientemente. Voltámos ao País dos três “efes” (Fado, Fátima e Futebol) e aqueles contra quem lutámos, voltaram “em bandos, com pés de veludo, para chupar o sangue fresco da manada…”. Também com pés de veludo se instalaram em todas as Instituições, nas Televisões e Jornais - foram comprando a bem ou a mal, tanto lhes faz, as consciências dos Jornalistas, transformando-os em papagaios que têm que palrar para comer e utilizando as Televisões como ferramentas de hipnotismo capazes de colocar uma Nação em estado catatónico.
Se bem que a última tentação de enlouquecer tenha sido grande, ainda assim não foi suficiente: a conveniente visita de Bento XVI (conveniente tanto para o Vaticano, como para o Governo Português, entenda-se…). Ajudando este a fazer desviar a atenção do “povo sereno” daquilo que tem sido o maior desmando da História da nossa Democracia(?...), os atropelos à Constituição para obedecer aos patrões do FMI em nome da ”Crise”, os Belmiros, os Amorins, os Espírito Santo (não confundir com o da Santíssima Trindade…) os actos de traição às promessas eleitorais, as mentiras sucessivamente repetidas, o peculato, a promiscuidade, a pedofilia, a corrupção descarada, o tráfico de influências, as investigações que nunca levam a lugar algum, os processos arquivados. Mas tudo passa ao lado dos mortos-vivos.
Se bem que a última tentação de enlouquecer tenha sido grande, ainda assim não foi suficiente: a conveniente visita de Bento XVI (conveniente tanto para o Vaticano, como para o Governo Português, entenda-se…). Ajudando este a fazer desviar a atenção do “povo sereno” daquilo que tem sido o maior desmando da História da nossa Democracia(?...), os atropelos à Constituição para obedecer aos patrões do FMI em nome da ”Crise”, os Belmiros, os Amorins, os Espírito Santo (não confundir com o da Santíssima Trindade…) os actos de traição às promessas eleitorais, as mentiras sucessivamente repetidas, o peculato, a promiscuidade, a pedofilia, a corrupção descarada, o tráfico de influências, as investigações que nunca levam a lugar algum, os processos arquivados. Mas tudo passa ao lado dos mortos-vivos.
A visita de Sua Santidade levou à mobilização de todas as forças de segurança (o que me leva a pensar que a Providência Divina já não é o que era… o melhor é não facilitar, não vá o Diabo tecê-las…). Viram-se mais polícias do que restante população entre as Avenidas Novas e a Baixa de Lisboa, às centenas e fiquei perplexo, pois não imaginava haver um número tão grande de agentes da Polícia, lembrando-me do que tenho ouvido dos responsáveis pela segurança sempre que são confrontados com crimes a qualquer hora do dia em toda a cidade, sejam assaltos violentos, carjacking, violações, lamentarem-se de não poderem colocar um polícia em cada esquina por escassez de efectivos. Entre os polícias, podiam ver-se grupos “espontâneos” de crianças e jovens que vinham pedir a bênção e fazer ver ao mundo que a juventude portuguesa está com o Papa e que aqueles casos (em bastante menor número do que foi divulgado por uma comunicação social facciosa e sensacionalista interessada numa cabala internacional contra a Igreja Católica) de pedofilia passados em outros locais do Planeta, não tiveram par em Portugal. Verifico assim que todas as histórias que ouvimos na infância e juventude no decorrer do Estado Novo, sobre episódios passados em Seminários, Colégios e Sacristias, eram pura invenção, provavelmente propaganda comunista da época… No País dos mortos-vivos, não há queixas de pedofilia ou maus tratos infligidos a menores por membros da Igreja Católica.
Continuo a perguntar a mim próprio: até quando conseguirei resistir à tentação de enlouquecer? Ou quando terei a coragem necessária para enfrentar o momento de maior lucidez da minha vida?
Raul Costa
Alhos Vedros, 6 de Junho de 2010
Alhos Vedros, 6 de Junho de 2010
7 comentários:
"Para mim, enlouquecer, seria, presumo, alcançar o estado Zen, o fim da luta desesperada diária contra todos para estar de bem comigo, ou, pasmem (pasmarei eu, também, agora que tenho consciência disso? …) contra mim mesmo, para, em momentos de maior fragilidade, estar de bem com os outros…"
Vem numa dança esteticamente engraçada esta relação entre a loucura eminente e a dissecação da tua realidade, onde o Zen sai injustamente mal tratado e logo por um Raul, o nome do filho do Príncipe Sidharta Gautama como saberás. O Zen é muito mais abrangente.
Diz o povo que Deus escreve direito por linhas tortas, daí esta perfeita imperfeição... os budistas chamam-lhe vacuidade, onde a definição conceptual não consegue chegar. Um possível estado de alma. Enfim, coisas do diz que disse.
"Portugal, o grande, o todo, o de amarelos, brancos, pretos e vermelhos, o de islamitas, cristãos, judeus, animistas, budistas, taoistas, o da América, Europa, Ásia, África, Oceânia, o dos municípios, tribos e aldeias, o de monarquias e repúblicas, o dos grandes espaços conhecidos e o dos espaços ignotos ainda, dentro e fora do homem, o Portugal núcleo de formação de uma União Internacional dos Povos para o desenvolvimento, a liberdade e a paz, […] deve, audaciosamente, preceder os outros povos, estabelecendo ensino ou aprendizagem superior que estejam já encaminhados a uma era em que o homem seja plenamente criador e deixe como traço de sua passagem na vida esse aproximar-se cada vez mais da essência da criação divina"
- Agostinho da Silva, Educação de Portugal [1970], in Textos Pedagógicos II, pp.126-127.
Caro Raul, este textinho do Agostinho da Silva também foi posto por mim. E espero não ser mal interpretado. Não houve outro motivo para o pôr como comentário que não fosse ter-me chegado às mãos logo a seguir a ter lido o teu texto. E dada a qualidade que nele se reconhece, mesmo discordando, coloquei-o aqui, porque a boa reflexão que proporciona o teu texto permite emparelhá-lo com coisas boas.
Grande Abraço,
Luis Carlos.
"Touché", Luis. Reconheço ter utilizado superficialmente o estado Zen, usando-o como uma figura de estilo para definir um possível estado de paz, de tranquilidade.
Quanto a Agostinho da Silva, sinto-me pequeno de mais para que possa a minha escrita ser emparelhada com a dele...
Então, está tudo bem. É também assim que se faz Portugal. Viva.
Amazing, Raul!! Everything you said... Hum... I'm either not inspired or speechless, but at the moment I cannot write more... :)
But I liked it!! A lot!!!!
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