Toque-se agora toda a vuvuzela,
junte-se ao inferno os carrilhões de Mafra,
e bata-se as sacrossantas tampas de panela,
celebrando um ano novo por meio de um velho.
Enfim separou-se a tua Ibéria da Europa,
arrastada pelo oceano salgado fora
por um bando de estorninhos em desalinho,
à esquerda,
por um elefante com cornaca,
à direita,
e no centro o cão Ardent ganindo, Caim, caim.
Hoje, e por tua conta,
se atirarmos pedra ao mar, flutua,
se riscarmos o chão, o risco perdura,
se construírmos passarola, de vontades voa,
depois de desmontarmos o cerco de Lisboa.
Neste ano da tua morte,
quem foi que nos disse, José,
que apenas se perde um pai, Não sei,
Pois a tua ausência deixou-me objecto quase,
de lágrima-cão no olho. Hoje cega-se em branco.
António José Lopes
Lisboa, 18 de Junho de 2010
3 comentários:
É um texto que requer saber o conteúdo de algumas obras de JS. Não é fácil. E quem leu sabe que a pedra não flutuou, antes chapou no mar por uma distância incrível dado o peso da pedra e a força do personagem, Joaquim Sassa, empregado de escritório, mais solitário do que solteiro, do Porto, proprietário do Dois Cavalos.
Uma homenagem singela, despretensiosa, com algumas referências curiosas às parábolas de Saramago. Um poema, que só por si, não carece tanto de rigor factual, na minha modestíssima opinião. O que é que não é fácil? O texto ou o conhecimento detalhado do conteúdo das obras de Saramago? Ou a sua interpretação?
@aliusvetus. Não é fácil, no sentido quotidiano de fácil; que nem tudo o que no poema é dito é explicado, tenha-se ou não lido as obras de Saramago. Mas entendo o poeta, que, no uso da sua licença, modificou um facto de uma obra de ficção para ganhar efeito em um dos versos.
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