Uma Revista que se pretende livre, tendo até a liberdade de o não ser. Livre na divisa, imprevisível na senha. Este "Estudo Geral", também virado à participação local, lembra a fundação do "Estudo Geral" em Portugal, lá longe no ido século XIII, por D. Dinis, "o plantador das naus a haver", como lhe chama Fernando Pessoa em "Mensagem". Coordenação de Edição: Luís Santos.
quinta-feira, 3 de junho de 2010
Ou reintegracionistas ou imbecis (com humor amoroso)
por Alexandre Banhos Campo
O título semelha um pouco forte, pois parece dizer-se que, quem não se afirmar reintegracionista, é parvo, e isso não é assim, e, além disso, refere-se ao momento mais ou menos contemporâneo que vivemos nos nossos dias.
Quando os nossos devanceiros galeguistas do século XIX, os recuperadores da nossa língua como algo que começava a deixar de ser "socializadamente" simples língua ágrafa, se põem a fazer obra, não se podia aguardar deles outra cousa senão usarem o modelo castelhano, como escreve algures Fernando V. Corredoira “Em meados do século XIX renasce para a literatura uma língua socialmente estigmatizada, funcionalmente minorada, banida das instituições oficiais e hostilizada pelo Estado. Popular e realmente falada, a língua galega começará a ser posta ao serviço dum movimento cultural e político que irá perfilando uma vocação que (com cautela, porém) poderíamos chamar nacional...Como previsível, o recurso ao modelo ortográfico castelhano foi inevitável. O ágrafo galego passou a escrever-se conforme a feição gráfica da língua oficial e única língua verdadeira — tal como ortografada desde finais do século XVIII. Este modelo tinha no mínimo duas vantagens invencíveis: era tecnicamente prestadio e era o único conhecido, o único aliás que podia conhecer-se”.
Que no século XVIII o Padre Sarmiento escrevesse: “la lengua portuguesa pura no es otra que la extensión de la gallega” (“Sobre el origen de la lengua gallega”, 1755, em Opúsculos Lingüísticos Gallegos del s. XVIII, J.L. Pensado, Editorial Galaxia, 1974, pág. 30), ou que o seu colega de ordem e sabedoria o Padre Feijó afirmasse: “el idioma Lusitano, y el Gallego son uno mismo” (Theatro Critico Universal, tomo I, discurso 14, 1726), isso nada mudara pois não fazia parte do conhecimento “socializado”.
Pensai que o imenso acervo cultural medieval do português na Galiza era absolutamente desconhecido e só começou a desvendar-se nos últimos anos do século XIX e nos primeiros do XX. E o acesso ao galego de Portugal ou português de Portugal (e do Brasil), tão-pouco era nada doado, estavam a muitos megaparsec dos magníficos tempos presentes da internet, nos quais temos milhões de livros, e de todo tipo de documentos à distância dum clique na nossa língua, “libertada” de ferretes e taxas alfandegárias espanholas.
Nessa difícil situação dos primórdios, elaborou-se um discurso galeguista coerente com a realidade da língua e que foi o seguido a pé feito pola imensa maioria dos nossos vultos. Essa ideologia da língua foi magnificamente exprimida polo homem da Rosália de Castro, o impagável Murguia, no seu discurso dos Jogos Florais de Tui do ano 1891, no qual com rotundidade se afirma o da língua galega ser a mesma de Portugal e o Brasil, e que nunca poderemos pagar-lhes o serviço de a terem cuidado e enobrecido.
O grande vulto do galeguismo nacionalista Afonso Daniel R, Castelão, numa carta ao historiador espanholista Sánchez Albornoz, em que indica que o seu apelido é Castelão (Castelão = Castellano) com o til, diz: “Deseo, además, que el gallego se acerque y confunda com el português”.
Para todo o galeguismo de pré-guerra o galego era português como o português era galego, ou nas formosas palavras de A. Vilar Ponte “Quanto mais galego é o galego mais português é”.
Isso para o galeguismo era pura tautologia, que o universal analfabetismo na própria língua – de que não se libertava ninguém –, e a escolarização na escola espanhola impossibilitavam na prática, porém o rumo e ritmo reintegrador era firme e imparável, e cada dia avançava graus.
Mas passados e moldados todos – fascistas e antifascistas – na longa ditadura franquista, foi esmorecendo o velho legado da afirmação da unidade da língua portuguesa, da Galiza, o Brasil, Portugal e demais estados lusófonos. Unidade sim, mas com a diversidade interna própria como corresponde a línguas internacionais e multicontinentais.
O martelo franquista golpeando o galeguismo sobre a bigorna do controle, fez esmorecer em grande medida a transmissão entre as gerações do pensamento galeguista.
Os modelos “comunistas” de oposição converteram o Estado no quadro da luita de classes, e o povo – que por antonomásia é uma estrutura de classes com jogos de elites e de lideranças, e que como tal estava no mundo – foi reduzido a um imaginário de camadas populares, e a língua pois que ia ser “a língua proletária do meu povo”. Sintagma este que além da sua verdade muito mais confunde e com funestas consequências.
Desde a recuperação da democracia neste estado espanhol onde todo ficara atado e bem atado – em palavras do ditador –, desenvolveu-se um processo acelerado – unido à urbanização – de substituição linguística. A substituição vai firmemente colada à afirmação radical da língua “regional” (estatização).
Isso, além doutras questões, funciona como um instrumento muito útil do sucesso da substituição, e mais, quando setores bem importantes e numerosos do galeguismo acabam por assumi-los. Se a isso anexamos o controle ferrenho pola ideologia estatalista da universidade e da socialização na população na escola, o quadro que nos fica é bem cinzento.
Caros leitores, as línguas e as culturas são como as fragas, ecossistemas, neste caso ecossistemas sociais e culturais.
Quando nos achamos com uma fraga grande, esta tem uma grande inércia interna ecológica. Que nela sejam cortadas e toradas algumas árvores, o efeito real nela é nulo, e ainda que se introduza alguma espécie alheia, a inércia da imensidade dessa fraga faz com que os seus efeitos sejam imperceptíveis.
Porém, quanto menor for o espaço do ecossistema, qualquer tipo de intervenção nele, tem efeitos muito determinantes: se alguém cortar árvores e se puser a torá-las para fazer lenha ou tábuas, o efeito logo se percebe. Quanto menor é o espaço, mais sensível é às intervenções e mais dificuldade tem esse sistema para garantir a sua sustentabilidade.
Se tirando árvores se produzem efeitos nas fragas pequenas, não me diredes os que se vão produzir, se nesse espaço inserimos espécimes e sistemas alheios. Lembrai de novo que em biologia, quanto menor é um sistema ecológico, mais sensível é às intervenções que nele ocorrerem.
O português da Galiza, comummente conhecido por galego, para grande fortuna nossa, faz parte duma fraga cultural e linguística pluricontinental com grande inércia ecológica interna. Mas à nossa volta o estado criou grandes auto-estradas e TGVs, modificaram as correntes de água vivificadoras, cortaram muitas árvores, introduziram espécies grandemente invasivas, e têm contratado um bom número de bem pagos e bem mantidos defensores da estatalização — quer dizer, do afastamento –. Com tudo isso afastaram-nos da fraga de que fazíamos parte, e engataram (ligaram) a nossa fraga a uma fraga cultural e linguística chamada polos nomes de castelhano e espanhol (bom, a nossa também e chamada por dous nomes português e galego e isso não deveria significar mais para nós e o nosso ecossistema, do que espanhol e castelhano significa para essoutro ecossistema).
Assim tornaram a nossa fraga num apêndice pequenecho colada à deles, e declararam-na “de especial proteção constitucional”. Isso como em qualquer outro ecossistema significa que a viabilidade é muito limitada – (o da proteção na natureza dá pavor e no nosso ecossistema social também).
Temos um ecossistema, o nosso, “protegido” do seu natural e próprio, bem cingido como regional, e firmemente paralelo e muito bem colado ao ecossistema dos 300 não sei que milhões e, isso sim, “sabei ademais, que o nosso é só “entre nós”.
Se falássemos depois disso da sustentabilidade do nosso ecossistema cultural e linguístico na Galiza, poderíamos com a ajuda da matemática estabelecer e quantificar distintas variáveis e as suas influências e taxonomizar o nosso ecossistema como de escassa viabilidade matemática, nessas condições.
Mas a cousa não fica por aqui, andam por cima, alguns do ecossistema esse ao qual foi colado o nosso – bem isolado e regionalizado – falando de imposições sistémicas e ecológicas, dum jeito que é um insulto à inteligência de quem pudesse sequer discutir tão grande couve mental, é-vos o mesmo que a verdadeira história que a seguir vou contar-vos.
Uma boa amiga minha tinha uma pata que punha uns ovos de que muito gostava, quando esta lhe morreu, numa quarta-feira foi a Valença à feira para comprar outra. Ali havia um vendedor com um só pato, e o vendedor dixo-lhe, bem, tenho-lhe este pato. E a amiga, de profissão professora e de muito bom expediente, diz, mas eu queria uma pata porque gosto muito dos seus ovos. O vendedor diz: não há problema, senhora, este pato é duma nova espécie fruto da engenharia genética, além de pato põe ovos de pata e até se reproduz por patogênese. Ela, ante tal maravilha, levou o pato e passaram os meses e os anos e o tal pato nunca um ovo pôs, e amiga dizia: imos discutir isso de se é certo o que o vendedor lhe dixera ou se a enganara ou se enganara, ou se se passava alguma cousa no comportamento do parrulo que ela não soubera tratar. Essa discussão com a minha amiga era um insulto óbvio a inteligência.
Pois assim é isso da imposição, um insulto à nossa inteligência, mas há quem de tão movido que tem os sistemas do seu ecossistema que tente discuti-lo sem ver que isso não é mais do que uma burla e trato dele como se fosse um verdadeiro parvo ou enfermo mental.
No ano passado realizei um curso de linguagem administrativa da Secretaria-geral de Política linguística, apreendia-nos uma beleza licenciada de Filologia Galega pola Universidade de Compostela que andava na casa dos trinta anos.
O futuro de conjuntivo, isso é algo já decaído em galego, o infinitivo conjugado, bom, isso está aí, mas não é recomendável dado que já está em desuso, a linguagem administrativa.... pois paralela do espanhol que é em definitivo o modelo da linguagem do ecossistema regional estatalizado.
A professora andava muito zangada com a política de Feijóo sobre a língua, concretamente da modificação (entre outras cousas, um roubo do trabalho aos galegos e galegas) do artigo 35º do Decreto legislativo 1/2008; ela dizia: é injusto que se nos modifique a nós, e aos catalães e bascos não, isso é injusto, se é legal para nós também deveria ser para eles, nesse caso, se fosse aplicado a todos, eu calaria (sic).
A professora não era do PP, era votante Bloco. Um dia comentava-lhe que o nome da sua matéria quando foi de estabelece-la na universidade, era o de galego-português e ela não acreditava, e dizia de galego e português (como o galego se havia de poder chamar galegoportuguês!).
A sua aspiração era a de obter uma vaga de normalizadora nalguma instituição pública.
Eu pensava: mas que se passou em filologia da Universidade de Compostela para esta matéria vir cair nas mãos de estoas? Diz Tzun Tzu n'A Arte da Guerra, que as batalhas que melhor se ganham são aquelas em que o inimigo abandona antes da batalha, ou dito doutro jeito, que as batalhas que antes se perdem são aquelas onde se renuncia a combater.
O reintegracionismo – tendo a razão e a ciência do seu lado – renunciou à batalha séria em Filologia-Compostela (afortunadamente não todo o País é assim). Agora isso está em mãos de estoas e a mais dum reintegrata o de ser estoa até se lhe pega (naturalmente, estas apreciações subjetivas e descerebradas minhas não vão por ninguém e peço desculpa a quem se puder incomodar, salvo que seja ou se considere um estoa).
Dessa faculdade sai quanto normalizador nos invade, com essa praga imbecil do galego regional e sendo a desculpa para alguns caminharem contentes por nada.
Tranquilos todos e todas, quando eu for o Presidente da Galiza— por que não? – o primeiro que vou colocar é uma Secretaria-Geral de Política Linguística para a proteção da igualdade do castelhano e o galego e em cada estabelecimento ou instituição pública um normalizador supervisor de todo o que for feito em castelhano, desde traduções até saraus para terem bem cobertos os direitos; e aos de galego daria umas boas férias, que Deus sabe que as têm já bem ganhas.
Como percebo que estas minhas estórias podem ter despistado algum leitor, voltemos ao do cabeçalho e ao corolário a que temos que chegar.
Um amigo meu, acho que visitante nalgum congresso da AGAL (III), Cesareo Monici, corso ele, e com quem partilhei alguns jantares e muitos gostosos momentos, dizia-me: “Na Córsega falamos italiano, o italiano per se, o toscano; mas estes franceses querem que chamemos ao italiano corso, e que o modelo do nosso corso seja o da langue d'oil chamada franciano; bom, francês segundo o Estado”. Dizia-me: “estão-nos regionalizando, esmagando, banindo, substituindo o nosso ecossistema cultural italiano (balizando-nos muito bem balizados como diria o bom amigo Elias Torres) polo francês. Porém, eu quero ficar polo menos com a dignidade, não agir como um parvo e não aceitar o seu jogo. Jogo que é neste caso a coroa(1) do modelo de substituição linguística que nos imponhem. São corso, mas não vão conseguir que me comporte como imbecil.”
Outro amigo de congressos da AGAL, o sempre muito solidário com a Galiza e das pessoas mais informadas do mundo sobre esta terra nossa, como é de geral conhecimento dos reintegracionistas, o Lluís Muntaner, dizia-me um dia: “Alexandre perdoa-me que che diga isto, mas queria comentá-lo contigo. Sou como sabes, muito admirador da vossa terra e cultura, gosto da Lusofonia, amo a cidade do Porto tanto como tu ou o nosso comum amigo José Chão de Lamas. Admiro a fina inteligência que caracteriza aos galegos e galegas, sodes os melhores fazendo o jogo bonito, mas sempre que se tenta meter um gole agides como parvos, melhor dito como imbecis, vós que tendes a vantagem de ter uma língua internacional renunciades a ela de jeito majoritário. O que fazem convosco, e o jeito de como muitos galegos e galegas colaboram nisso é de imbecis e não chego a entender como pode ser isso.”
O reintegracionismo é hoje a afirmação clara de qual é o ecossistema nosso. Mesmo uma instituição como a UNESCO no-lo recordou no seu último relatório sobre as línguas ameaçadas – e acabava o relatório da UNESCO – vocês saberão se o aproveitam ou não o de serem língua internacional— isso é com vocês.
Os reintegracionistas estamos conscientes da difícil situação em que vivemos e padecemos, mas o que não vão conseguir connosco, e que além disso – de passarmo-las putas –, o nosso comportamento seja o de imbecis que engolem mós de moinho como a minha amiga a do pato. Há que polo menos termo-nos respeito, como galegos e galegas e como pessoas inteligentes. Isso é o nosso melhor processo normalizador.
(1) Coroa, vem de cara e coroa. Eu também tive que apreender o de cara e coroa, dado que o “cara e cruz” tinha-me muito bem balizado. Mas não há que se envergonhar disso, de todos os dias termos de corrigirmo-nos; o que esteja livre de culpa – ou é filho de Salvador Mourelo e Eva Yusty - ou senão que arremesse a primeira pedra.
(A escola espanhola que há na Galiza é de muita eficácia e qualidade na sua missão e fim nacionalizador, o que duvide -que é espanhola- ou é parvo ou está afiliado a CIG-ensino –a que respeito e quero muito-. Se morasse em Lugo os meus filhos iriam ao da Divina Pastora).
in, O Portal Galego da Língua
http://www.pglingua.org/
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1 comentário:
Os Galegos têm de falar a sua língua o Português e já o PT internacional a língua unificadora de todos os Povos que falam português, o resto é treta.
O galegoxinho que se ouve na TV Galiza é um atentado à maioridade línguística dos Galegos, porém quando se ouvem os mais velhos falar, ainda tem uma base portuguesa, arcaica mas portuguesa.
Saudações Alexandre,
Luís Cruz Guerreiro
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