quinta-feira, 23 de setembro de 2010

d´Arte - Conversas na Galeria IV


Muro dos Bacalhoeiros - Porto Acrílico sobre Tela 64x54cm
Autor: António Tapadinhas
(clique sobre a imagem para ver pormenores))

Há uma certa tendência para considerar a nossa cidade, a nossa terra, a nossa rua como o centro do Universo, o local mais... mais... umbilicus mundi. Eu não dizia que o melhor do Porto era a auto-estrada para Lisboa mas, para ser sincero, esta cidade não me entusiasmava especialmente.
Até que...
Comecei a pintar.
Um dia fui ao Porto, para ver uma exposição na Fundação de Serralves. A exposição apresentava o diálogo entre dois pintores, Amadeo Sousa-Cardoso e Piet Mondrian que, apesar de nunca se terem conhecido, tiveram um percurso muito semelhante, abandonando o seu país natal para viver em Paris, a cidade onde se concentravam os movimentos vanguardistas da sua época.
Cheguei de manhã, bem cedo e resolvi passar pela Ribeira. Dela, disse Aquilino:
“Este trecho do Porto com fragatas a chocalhar contra o cais, a selva de mastros, o mercado de galinhas, truculências, aleijões, uma mulher que mostra a perna monstruosa com elefantíase, tísicos de tigela à banda, lembra as velhas cidades hanseáticas com todo o seu tropo-galhopo de coisas”.
E depois as casas carregadas de janelas/olhos, cores/lantejoulas, pedras/musgo... e depois o rio Douro... e depois os barcos rabelo... meu Deus, não tinha olhos, ouvidos, nariz, cérebro, rolos de máquina fotográfica, para guardar tudo o que me cercava... mas tudo me ficou agarrado à pele como a tinta indelével duma tatuagem.
Da minha vertigem pela Ribeira do Porto, resultou uma das telas de que mais gosto, e que por isso continua em minha casa: esta que mostra o Muro dos Bacalhoeiros.
É uma obra em que utilizei cores fortes, com as suas complementares bem próximas, para salientar a força que emana daquelas pedras. Não satisfeito com o resultado obtido, procurei reforçar essa sensação com a mistura de areia na tinta, criando o aspecto rude e rústico das rochas, que falam connosco como as castiças gentes do Porto.
Nesta obra, as janelas das casas deixam de ser elementos “apenas” decorativos: estão humanizadas com a sugestão de roupas penduradas e vasos de flores que lembram as pessoas que as habitam.
Sei por experiência própria do mau gosto associado à escolha das molduras para as obras de arte. Não sei se por força da sugestão dos vendedores, que mais do que servir os clientes, querem vender as mais caras, ou por pressão do dono que quer valorizar uma obra que deve valer por si própria. Há casos em que a moldura fica mais cara do que a peça que contém.
Para este quadro, fui eu que fiz a moldura: cortei e pintei a madeira com a mesma tinta que utilizei na tela. Utilizei o azul ultramarino (deep), misturado com um pouco de vermelho de cádmio, para o escurecer ao mesmo tempo que o torna menos frio.
É este Porto sentido que eu pretendi retratar. Sempre que passo por esta obra não resisto a dar-lhe uma nova mirada. E ela retribuiu como uma amiga fiel: sempre lhe descubro novos encantos!

8 comentários:

AAG News disse...

O Porto é o meu refúgio quando estou chateado vou com a Tina para o Porto, dormimos numa Residencial em frente ao Coliseu, a "Belo Sonho" e depois do pequeno almoço vamos vaguear pelas ruas da cidade bebendo vinho verde, tinto e branco, e ouvindo e falando com o povo mais divertido de Portugal.
À noite vamos para a Ribeira onde se come maravilhosamente, por exemplo no Restaurante "A Muralha" e essa escapadinha de dois dias põe-nos em forma para um mês!

Biba o Puarto, Carago!

L+G

A.Tapadinhas disse...

Luís: É uma receita que eu tenho a certeza que resulta!

Nesse restaurante há a tal receita de piranha?

Lembrei-me da tua postagem, por causa deste provérbio: Em rio de piranhas, jacaré nada de costas.

Abreijos,
António

luis santos disse...

Muito nos faz lembrar aquela canção do Sérgio Godinho em que estava quase morto no deserto e o Porto ali tão perto...

Abraço.

Luís F. de A. Gomes disse...

O Porto é a minha cidade, onde tenho morada e também me fiz homem, para além de parte das raízes das minhas filhas terem vindo dali. É o Porto que à semelhança de muitas outras cidades -provavelmente todas- é feito de muitos Portos que convivem e coexistem, nem sempre tão serenamente quanto seria de desejar e que a todos une um sentimento de pertença que leva o bairrismo a uma exponencialidade única, bem patente naquele dito costumeiro, "o Porto é uma nação." É o Porto popular precisamente do cotovelo que aqui representas, o Porto da Alfândega e Miragaia e da Ribeira, outrora palco de humanidades saídas da faina fluvial e da relação com o mar, hoje nem tanto que a ignorância dos poderes deixaram fugir esse mundo de antanho sem nada em troca e não é por acaso que só na última década se compreenderam as potencialidades turísticas do diamante em bruto que ali está, ainda assim, por razões que não cabem aqui, mal exploradas.
É o Porto Porto, o Porto do povo que tem a pronúncia vincada de Campanhã, mas há ou também há o polo oposto, o Porto gare de mundo, o Porto cosmopolita da vida confortável e culta que tinha sede de uma casa de música e que frequenta Serralves ou a Casa das Artes e não se revê nos discursos da bola e dos mouros, infelizmente de costas para o outro Porto, entre os quais se encavalita aquela mentalidade pindérica que só desgraças e perdas tem trazido à cidade e que arrasta boa parte do Porto burguês, a quem no passado a nobreza pedia para pernoitar entre as muralhas e que, bem no fundo da alma, àqueles despreza.
Mas o Porto é uma cidade de vistas, algumas encantadoras, como as que se podem ver a partir dos jardins do Palácio de Cristal, sobre a barra e também a cidade dos recantos de aldeias lindíssimas, como é o caso da parte mais moderna que vai do Passeio Alegre e dos Inglesinhos até à Foz, mas igualmente dos recortes dos bairros do casco antigo, a Sé, magnífica de se descer até à Batalha, com as rugas do passado bem marcadas e que bem ilustram aquelas palavras do Carlos Tê do "milhafre ferido na asa."
E depois as tertúlias, onde é mais difícil entrar e por isso conhecer mas, quando assim sucede, onde se consegue começar a perceber essa multiplicidade de Portos e o olhar nostálgico do poeta que daquela maneira escreveu.

Esta tua pintura recria, não é um retrato do local que pintas. Para ser sincero, parece-me até que a ponte da Arrábida está ali num ângulo de todo improvável, para não dizer impossível.
Mas não vejo que possa haver algum mal por isso, antes pelo contrário e que é mais relevante neste teu olhar, olhar da vista e do coração, seguramente, o mais curioso dizia, é que as cores que usas são aquelas que melhor retratam o Porto de que falei e o azul que dáz à água, a luz que lhe conferes, é justamente aquele que melhor realça aquelas outras tonalidades tão significativas. E lá está o céu, esse sim, indígena para que os clérigos sempre quiseram apontar ao género do símbolo de uma cidade que, tendo sofrido a guerra, nunca deixou de ser um território de paz e de homens livres que é daí que, pela noite dos tempos, existe esse orgulho peculiar de se sentir tripeiro.
Por isso gosto desta tua pintura que mais do que a representação de um nicho paisagístico, transmite a nostalgia de um lugar e logo daquela que eu considero como a cidade a que pertenço.

Aquele abraço, companheiro
Luís

A.Tapadinhas disse...

Luis Santos: ...ou o Porto Sentido, de Rui Veloso...

Abraço,
António

A.Tapadinhas disse...

Luís Gomes: Estranho não me lembrar do teu fascínio pelo Porto!

Para o retrato local tenho as fotografias que lá tirei.

Lembro-me bem!
Quem guiava era a Arlete e eu mandava-a parar a todo o momento, saía a correr, tirava a fotografia, apanhava o carro mais à frente, voltava a sair, a tirar a fotografia, a correr para o carro, com alguns automobilistas a buzinar por não gostarem da brincadeira, porque estavam a trabalhar, voltava a sair... uff!
O que eu corri!

...Mas valeu a pena!

Abraço,
António

Luís F. de A. Gomes disse...

É muito vulgar que a paixão por uma mulher traga por arrasto o encanto pelo sítio onde ela vive. Foi o que sucedeu comigo, tão somente isso. E se tal acontece ainda a juventude vai baixa, maior a probabilidade que mais profundos sejam os laços que então se formam, pois surgem as amizades e as cumplicidades, as vadiagens e o bem estar que nos faz sentir como que em casa e assim foi comigo e uma vez que as minhas filhas também ali pertencem, eu decidi adoptar o Porto como a minha cidade. Para quem cresceu entre Alhos Vedros e Sesimbra e que sempre se considerou repartido entre essas duas vilas, faltava-me uma cidade e como surgiu a oportunidade, foi o que decidi fazer e a verdade é que a Invicta estava ali mesmo ao alcance da minha adopção.

O fascínio foi-se formando, à medida que ao longo dos muitos anos que já passaram, tenho palmilhado a cidade que conheço bem, em alguns pontos, ao pormenor.

Não vou falar aqui até por nem mesmo vir a propósito mas a propósito do Porto, poderíamos muito bem dissecar a triste sina de um povo que há muito vive entalado entre tiranias, com ou sem os repectivos tiranos, mas todas elas cleptómanas.
Poderíamos pois falar do quanto importa que o raso portuga dê o seu grito do Ipiranga e corra com toda esta palhaçada que só nos leva às lágrimas para que possa voltar a viver num país decente, como o foi aquele que afinal até só veio a dar ao mundo a forma que tem hoje. Enfim... Isso seria outra conversa para outras ocasiões e outros espaços.

Mas quanto ao correr para captar nunces da cidade, seguramente que valeu a pena. O Porto tem pinturas lindas para serem feitas, assim tenhamos olhos para as ver lá e coração para entender a vincada personalidade que nos mostram.

Aquele abraço, companheiro

Luís

A.Tapadinhas disse...

Luís: Concordo com o que dizes!

Só demonstra como o nosso coração tem a dimensão suficiente para abarcar todas as vilas e cidades...

..e todas as suas gentes!

É triste que alguns esqueçam esta verdade detrás de palavras sem sentido.

Abreijos para todos!
António