Uma Revista que se pretende livre, tendo até a liberdade de o não ser. Livre na divisa, imprevisível na senha. Este "Estudo Geral", também virado à participação local, lembra a fundação do "Estudo Geral" em Portugal, lá longe no ido século XIII, por D. Dinis, "o plantador das naus a haver", como lhe chama Fernando Pessoa em "Mensagem". Coordenação de Edição: Luís Santos.
quinta-feira, 7 de outubro de 2010
d´Arte - Conversas na Galeria VI
Altar-Mor da Igreja de S. Lourenço
Autor António Tapadinhas
Acrílico sobre Tela 100x100cm
A Igreja de S. Lourenço, Matriz de Alhos Vedros, representava a nobreza da vila. Da igreja construída no século XIII, nada resta. A actual data do século XV e a nave e pórtico do século XVII, com azulejos de 1749 que relatam passagens da vida do seu patrono.
Foi nesta igreja, que pelo seu conjunto estilístico heterogéneo deixa adivinhar modos diferentes de encarar a religiosidade, que eu, frente ao altar-mor de talha dourada, com a autorização do Padre Carlos, passei alguns dias a cuidar dos pormenores da pintura que agora apresento.
Talvez por ser demasiado óbvio não empreguei nenhuma tinta dourada. Utilizei toda a gama de cores a começar no “cadmium yellow pale” e a acabar no castanho “burnt umber”, passando pelo “naples yellow” e “yellow ochre”. Tentei dar-lhe toda a riqueza de nuances e matizes que a luz filtrada pelos vitrais, e a luz bruxuleante das velas, ora esconde, ora revela, num jogo de claro-escuro, que me obrigou ao mesmo tempo a ser paciente e rápido, para registar na tela as impressões de momentos, quase sempre irrepetíveis.
Trabalhei esta obra um pouco a contra-relógio, porque tinha imposto a mim próprio a obrigação de a apresentar nas Festas de Nossa Senhora dos Anjos, que se realizavam no final do mês de Julho. E consegui.
Fui recompensado pelo meu esforço com os comentários favoráveis que ouvi. No entanto, no dia da sua apresentação fiquei um pouco preocupado: mais do que um apreciador da obra (ou da Igreja), espreitou os cantos para ver como é que eu tinha colado os azulejos... Esta dúvida provocou uma acesa discussão num casal: o marido dizia que eram pedaços de azulejos colados, a mulher que era pintura. Ele, para provar à mulher que tinha razão, tirou uma navalha do bolso para levantar os azulejos...
Já tenho ficado com pele de galinha quando pessoas, sem problemas de visão, assumem que a superfície da tela é uma escrita em Braille, que só pode ser apreciada com os dedos...
Com uma navalha nunca tinha visto!
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8 comentários:
Muito bonito. Gostamos muiiiito do altar e da Igreja Matriz de Alhos Vedros. E ficamos particularmente felizes por teres escolhido um poema dos nossos, se bem que indirectamente, para acompanhar tão magnificente pintura. Quanta honra, muito obrigado. A nosso ver, e ainda que compreensivelmente possamos não ser acompanhados por toda a galera, o rosto do nosso Estudo Geral está francamente actrativo.
Se bem me lembro, segundo o Padre Carlos Alves, o documento escrito mais antigo que existe sobre a Igreja de S. Lourenço é de 1296. Mas, eventualmente, a fundação da Igreja pode ter acontecido mais atrás. De acordo com a lenda da N. Sra. dos Anjos, e do assinalado confronto entre cristão e mouros, a ter-se verificado, terá ocorrido durante o século anterior, pouco tempo depois da fundação da nacionalidade e da chegada a Lisboa do Rei Dom Afonso Henriques. Porém, tudo isto não passa de mera suposição...
Quanto ao senhor da navalha (Credo! arreda satanás...)faz-me lembrar um peculiar acontecimento que aconteceu connosco. Um pintor amigo, daqueles com reconhecimento público pelo valor da sua arte, ofereceu-nos em retrato uma pintura feita na superfície de um prato. Vaidosos, tinhamo-la exposta na sala de estar, bem visível para quem viesse à visita. Daquela vez foi uma senhora que veio limpar a casa. E vai daí, com pano e líquido lava-loiça, limpou também o prato que passou a pintura abstracta... Santo Deus.
Grande Abraço.
AH! Isso é porque nunca ouviste duvidar que as enguias nascessem em outros sítios que não este estuário -como em outros similares, certamente- pois toda a gente as vê por aí, pequeninas, o que levaria qualquer homem com experiência de rio a não ir na conversa dessa coisa de elas virem numa espécie de novelo gigante por esse Atlântico fora, "-Daonde?", como se isso fosse possível, "-Qual Sargaços, qual carapuça...", até se dispersarem pelas águas mais abrigadas das embocaduras fluviais.
Mas outros mais novos, mesmo tão conhecedores de escola feita quanto a dúvida o fora, contudo mais abertos pelo feitio dos tempos, acreditaram e aprenderam e compreenderam as linguagens das cadeias alimentares de que já sabiam sem de tanto se aperceberem e assim e de outros assims se foi passando -pena que tão pouco- saberes e cultivando gostos pelos mais simples que, só pelo desenraizamento, em tantas situações e rostos, se esquecerem do conhecimento ancestral que muito mais do que se imagina, do mundo envolvente, à sua maneira, praticamente disse tudo.
Foi assim com a música e as filarmónicas, por exemplo, onde esses mais desabonados da sorte de poder estudar, aprenderam a tirar beleza de instrumentos e a distinguir as boas das más interpretações, a ponto de avançadas idades apeadas da possibilidade de sequer ler um jornal, serem capazes de falar de compassos fora de tempo e ritmos desafinados e de se emocionarem, por vezes até às lágrimas, com a magia de alguém capaz de elevar uma flauta até à alma.
E é assim com estas festas e exposições que levam aos olhos comuns essa espantosa e quase inacreditável capacidade de conseguir fotografar pelos arranjos de cores e da luz e das sombras e mesmo aos sem hábito propiciam o espanto do prazer ou o prazer de admirar a beleza que o artista cria, certamente o mesmo apelo que terá levado ancestrais de há dezenas de milhares de anos a pintarem tectos de grutas com uma arte que nada fica a dever à de hoje.
E pinturas como esta são exactamente as que muitas vezes despertam as atenções menos despertas para estas manifestações que brotam das searas do espírito e não é só por trazerem ao gosto a imagem do que se gosta, do que é querido, é sobretudo por o fazerem com o toque que o belo ganha quando encanta e se isso nada tem a ver com a peça, propriamente dita, dá-lhe o prémio adicional de também contribuir para que os simples vejam sem necessidade de recorrerem a qualquer outro sentido que não o desse que assim se não chama e que é a imaginação.
A peça, por sua vez, é digna de colecção e se houvesse uma casa de belas artes na zona, com exposição permanente -estamos divagando, mas não delirando- estou certo que faria ponto de paragem no roteiro de agrado do visitante.
A Matriz de Alhos Vedros, curiosamente, tem uma particularidade que percebi em vários museus por esse mundo fora; a possibilidade de ali caber ao vivo, uma aula sobre história da azulejaria.
Vale pois e muito bem a homenagem que lhe prestas.
Aquele abraço, companheiro
Luís
Comigo aconteceu-me de tudo em feiras de Artesanato, desde passarem as mãos pelos azulejos para ver se eram pintados por cima da superfície, o que era no caso do prato do Luís Carlos, mas na pintura em cerâmica as tintas (óxidos), são misturadas com vidrados e tornam-se parte do vidrado, podendo ser lavados os azulejos com diluente inclusive que nada saí na pintura... até cheirarem os azulejos (!), quando trabalhava no Atelier Argila nas Caldas da Rainha, só apresentavamos azulejos pintados à maneira clássica que revestiam as paredes dos stands, mas devido ao nome Argila, muitas pessoas vinham perguntar se vendiamos argila, daquela comestível ou então para fazerem uma pasta e besuntarem o corpo.
O mais curioso foi no painel comemorativo do 25 de Abril que é hiper realista e mostra os jornais que sairam no dia 25 e no dia 26 que as algumas pessoas iam folhear pensando serem jornais colados.
O quadro está muito bonito António e a imitação de ouro está muito conseguida, Parabéns!
L+G
Luís Santos: O quadro é apenas o pretexto para a escolha do poema!
:)
Acho que as lendas não devem ser devassadas por cientistas... ao povo o que é do povo!
O outro Luís - o brasileiro!- pode explicar o que se terá passado com o prato e a sua pintura!
Abraço,
António
Luís Gomes: A mim, nunca me convenceram com essa história do Mar dos Sargaços! Aí há coisa!
As pinturas de que falas não ficam a dever nada às de hoje! E, segundo parece, apesar das dificuldades de sobrevivência, em que todos os homens válidos eram indispensáveis nessa luta, davam-se ao luxo de venerarem esses artistas e dispensá-los para essa actividade superior. Que exemplo!!!
As tuas palavras sobre a casa de artes no concelho, dá-me alguma esperança. Sabes que com o decorrer do tempo os pintores são atacados pelo síndroma de Van Gogh: ficam sem espaço para armazenar as suas pinturas.
Felizmente a minha casa é muito grande!
Aquele abraço,
António
Luís Guerreiro: Está feito o pleno: todos os "luíses" responderam à chamada! Se houver mais algum que fale agora ou cale-se para sempre!
:)
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:)
Aqui para nós, Luís: ser artista não dá para ficar rico, mas divertimo-nos muito!
Engraçado que dás a explicação científica do que sucedeu com o prato do nosso amigo Luís (raios me partam, qual deles?)...
:)
Se eu tivesse ido às aulas podia ter-lhe explicado...
:)
Abraço,
António
Casa de Artes no Concelho?! Belíssima ideia. Havemos de falar nisso um destes dias...
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