“O homem de bem deixa uma herança aos filhos de seus filhos.”
Provérbios, 13:22
Se – como afirma Salomão, o rei-sábio – “O homem de bem deixa uma herança aos filhos dos filhos”, nada mais natural que uma nação de bons princípios e de tradição humanista, galardoe as “nações filhas” com herança tão sólida e valiosa que se perpetue em sua história. Esse é o caso de Portugal em relação, especialmente, ao Brasil. Sem exagero, podemos considerar ter recebido da “mãe pátria” não uma singela, mas uma tríplice herança. Herança que, portanto, se consubstancia nas três benesses a seguir explicitadas.
PRIMEIRA HERANÇA – A FÉ CRISTÃ – Se, em 22 de abril de 1500, alguém, na praia da terra a ser descoberta, visse surgir algo inusitado no horizonte, essa primeira visão teria sido a da Cruz da Ordem de Cristo, presente nas velas das naus portuguesas que se aproximavam. Por sua vez, os de bordo, avistando o que imaginavam ser uma ilha, designaram-na “Ilha de Vera Cruz”. Desfeito o equívoco, mudaram o nome para “Terra de Santa Cruz”. Tudo nesse primeiro contato de Portugal com Brasil faz referência à cruz – símbolo da fé cristã. Fé que foi aceita e absorvida em seu mais sagrado sentido: o da tolerância religiosa, do respeito à diversidade de culto e doutrina de cada um, firmando o princípio da crença no Deus que criou os homens e não no Deus que os homens criaram. Dessa forma, todos podem realizar seus cultos de acordo com sua própria consciência, sem imposições ou interferências de quaisquer autoridades eclesiásticas ou governamentais. Por essa tradição de harmonia e paz, já foi referido o Brasil como “Pátria do Evangelho e Coração do Mundo”. Pátria do Evangelho porque a fé cristã predomina em todo o imenso território nacional, mas Coração do Mundo porque todas as manifestações religiosas de todos os matizes gozam de liberdade ilimitada. Nações há em que tais diferenças geram guerras e genocídios. Em outras, se tanto, toleram-se as divergências, o mais das vezes sob o manto do desprezo. Aqui não há meramente tolerância. Há respeito! À guisa de exemplo, em São Paulo a OAB realiza, todos os anos, ato inter-religioso em que se manifestam padres, pastores, dirigentes espíritas, rabinos, xeques, monges budistas e líderes de religiões orientais e afro, em um mesmo templo, sob a atenção respeitosa de todos os presentes!
SEGUNDA HERANÇA – A LÍNGUA PORTUGUESA – Outra e também notável herança é a Língua Portuguesa – “Última flor do Lácio, inculta e bela” – uma das mais extraordinárias, versáteis e melodiosas línguas do mundo! Rica em flexões e em figuras, possui construções e palavras muito suas, como o sonoro infinitivo pessoal flexionado e vocábulos tais como luar e saudade! Equivoca-se quem ousa traduzir esses termos por moonlight e remembrance... Remembrance é apenas lembrança, mas há muitas coisas das quais temos lembrança... e nenhuma saudade! Moonlight é somente luz da lua. Para ser luar, falta-lhe o romantismo, de que não se separa um milímetro, como bem o sabem os corações enamorados, assim como não há falar em saudade sem o intenso componente nostálgico que impregna essa suave palavra!
A expressão de Caminha: “Nesta terra em se plantando tudo dá” estendeu-se também à língua e de tal forma que, apesar da dimensão continental do Brasil, um mesmo idioma é falado e entendido, sem sacrifício, do Oiapoque ao Chuí! Países bem menores, como Espanha, Itália e Suíça não gozam desse privilégio! Por isso é lamentável a enxurrada de estrangeirismos dispensáveis que vêm sendo colocados em circulação, apenas por modismo ou pedantismo (esnobismo, para ilustrar...). Bom seria se todos declarássemos, com Olavo Braz Martins dos Guimarães Bilac: ”Amo-te, ó rude e doloroso idioma”!
TERCEIRA HERANÇA – O HUMANISMO LUSÍADA – Uma sensível diferença distinguiu o colonizador português de todos os demais. Estes estabeleciam uma “linha demarcatória” entre colonizador e colonizado: o senhor e o servo. Essa linha jamais podia ser transposta, o que deu origem a terríveis e incessantes combates entre as partes. Ao contrário disso, o colonizador português se aproximou dos colonizados, mesclando-se com índias e negras. Assim, em vez de fazer inimigos, fez parentes! Mais do que isso, procedeu ao início de um caldeamento de etnias que desaguaria na formação de um povo único na face da terra: o brasileiro! O “homo brasiliensis”! Foi precisamente isso que se viu na 1ª. Batalha de Guararapes, de 19 de abril de 1648, quando brancos, índios e negros – sob o comando de André Vidal de Negreiros, Felipe Camarão e Henrique Dias – se unem para combater o invasor holandês. É quando, pela primeira vez “na história deste país” se fala em “tropa brasileira”! Em consonância com essa realidade, assim principia a poesia “Raça”: “O brasileiro traz dentro de si / Um português, um negro e um índio guarani. / O luso deu-lhe a fibra audaz, arrojadiça/ E a fidalguia própria dessa raça./ O índio, a indolência, a preguiça / O amor à pesca, a inclinação à caça. / No excesso de carinhos e de zelos / Reflete do africano o meigo coração / E às vezes, dos cabelos, aquela permanente ondulação...
Por tudo isso, nós, luso-descendentes, temos orgulho de ostentar mais esta herança: o sobrenome que nos qualifica: Silva, Sousa, Pereira, Fernandes, Moura, Martins... e, é claro, o meu: Oliveira!"
João Baptista de Oliveira,
consultor de empresas, advogado, professor, jornalista e escritor.
(in, dialogos_lusofonos@yahoogrupos.com.br )
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