terça-feira, 12 de outubro de 2010

HÁ PINTASSILGOS NO MEU QUINTAL
COMENTÁRIOS
I


A.Tapadinhas disse...
As imagens que retiro dos pensamentos traduzidos em diálogo vão enriquecer o arquivo "As Minhas Imagens", que o meu cérebro vai guardando...
E ainda não apareceram os pintassilgos...
:)
Abraço,
António
luis santos disse...
Será um prazer acompanhar a riquíssima prosa do Luís em deambulações à volta do Pessoa. A música do Cage está bem ao nível da prosa e do prosado. Bem escolhida. Obrigado Jasmim D'Água.

A.Tapadinhas disse...
Estou a gostar dos Pintassilgos! Não no sentido em que gostava deles quando era criança...
rsrsrs


Razoavelmente novo? Direi que ninguém é suficientemente velho para morrer! Eu, pelo menos, irei morrer irrazoalvemente novo!
rsrsrs

"Quando vier a Primavera,
Se eu já estiver morto,
As flores florirão da mesma maneira
E as árvores não serão menos verdes que na Primavera passada."

Acho fabuloso alguém conseguir tornar interessante uma série de personalidades, considerando a dificuldade que temos em considerar aceitável (mesmo para os amigos!), uma só personalidade.
hehehe

Igualmente fabuloso, alguém efabular sobre essa circunstância e prender-nos, como um pintassilgo apanhado na rede...
:(

"Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem.
Se quiserem, podem dançar e cantar à roda dele.
Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências.
O que for, quando for, é que será o que é."

Isto disse o Poeta, porque a outra disse que "estar vivo é o contrário de estar morto" (ou seria ao contrário?)
hehehe

As tuas palavras têm visgo...
:)
Grande abraço,
António
Luís F. de A. Gomes disse...
Viva companheiro,

Os pintassilgos, por enquanto, lá vão pardalando, mas tão só para que a sinfonia se forme, à medida que formos dando o ouvido à melodia. Esperemos que encante, porque é para isso que sempre vamos vadiando pelas florestas mágicas onde ainda palpita a tranquilidade de podermos viajar por dentro, mas esperemos também que inquiete que é precisamente o que apetece fazer quando de lá regressamos a este mundo pardacento em que se vai transformando o mundo corrente. E como não temos mais nada para atirar às montras desses quotidianos postiços, vai daí e... Pintassilgada com eles que é o que povo precisa -e não é por estar a pensar na mestria do Hitchcok que os lançamos.
Esperemos assim que a passarada vendavalize que é para tanto que tem as asas.

Vamos ver...

Aquele abraço,

Luís
A.Tapadinhas disse...
Espero que ao menos os pintassilgos apareçam, já que a Ofélia está a desaparecer numa nuvem de heteronimia...
rsrsrs

Abraço,
António
luis santos disse...
Uma boa reflexão essa do Pessoa ter-se cumprido como poeta, contra ser casado. Ou, por outras palavras, mais do que ser poeta ser poema. Ou, mais do que ser um só, simplesmente, ser muitos embora o que ele quisesse mesmo era ser todos. O nada que é tudo, pois claro.

Obrigado também pela música que tem sido de um extremo bom gosto.
Luís F. de A. Gomes disse...
Continuaremos pois a escutar o concerto do Colónia que foi, para meu gosto, excelente e vamos ouvi-lo até ao fim, com as palmas e tudo.

E foi assim companheiro, o homem foi mesmo um poeta, no sentido grego do termo, ele viveu como tal e isso implicaria, de facto, a menos que fosse pateta, a elaboração de uma obra literária, quer dizer, só para isto faria sentido viver como um poeta e é aí que está a dificuldade. Como conjugar isso com uma vida familiar razoável? Eis, neste modo de vida em que vivemos, um problema de sempre. E a solução nunca é fácil e quando é conseguida, pelo menos tanto quanto me é dado ver, estamos normalmente perante casos de sorte, felizmente, não tenho dúvidas em acrescentar.

Pois fico muito satisfeito agora por ele ter sido dado a tomar a opção que tomou e mesmo se esta lhe levou uns quantos bagacitos a mais para o fígado, mas lá está, esse é o nosso egoísmo de leitores que se deliciam com a poética e não só que ele nos deixou.
Para mim e não tenho nem por um lado a pretensão de conhecer o todo da sua obra e muito menos, por outro, de ter um vasto conhecimento da literatura mundial, portanto pelo menos avaliando pelos escassos conhecimentos que possa ter sobre esse domínio da cultura humana universal, diria que para mim é um dos grandes monumentos da literatura mundial de todos os tempos, está no panteão dos maiores, dos mais significativos e representativos do que se escreveu nas mais variadas línguas ao longo dos séculos. A "Chuva Oblíqua", por exemplo, será sentida como bela enquanto houver a nossa espécie de sapiens sapiens; atrevo-me a dizer isto e outros exemplos poderia acrescentar.
E isto sem embargo de não ter nada a ver com a mundivisão em que deu forma a todo esse trabalho e ainda menos concordar com a maior parte dos pressupostos da mesma, mas isso é uma questão de liberdade de pensamento e nunca nada alguém tem a ver com ela e seria uma simples cretinice dela fazer uma referência para avaliar uma obra literária, do Pessoa ou de quem que fosse.
Quem quer que queira fazer qualquer trabalho original no âmbito da literatura em língua portuguesa, não tem como escapar a pelo menos escutar as palavras do nosso Fernando, nosso porque meu e teu, de qualquer, nós portugueses que foi como tal que ele se expressou, mas ainda mais nosso porque de qualquer humano e nessa dimensão de todo o mundo. Ouvindo Pessoa, até um bosquímano será levado a pensar no que está no interior da sua consciência.

É o nosso mais ilustre desconhecido e isso é uma pena. Esperemos que esta conversa possa contribuir para despertar a curiosidade sobre a obra do poeta e pensador que foi o Fernando Pessoa. Se assim for com um único Leitor, darei os meus esforços por saldados e bastar-me-à para me satisfazer com o resultado.

Até lá, aquele abraço
velho companheiro
Luís F. de A. Gomes disse...
Meu querido primo,

O que é isso de atirar o olho à...
Ofélia alheia?!

Aquele abraço,
isto é que está aqui uma roda, também tu, velho companheiro

Luís
luis disse...
Aqui vai mais uma achega para manter viva a chama da obra do poeta e que também me ficou gravada na memória: "Ser tudo de todas as maneiras possíveis", o que, de certo jeito, justifica tanta heteronímia, o que vai dar no mesmo de ser o tal "nada"... Claro que o homem para lá de ser um medium assumido, segundo nos consta, inspirado nas ideias de Hippolyte Rivail (...), também terá andado muito pela filosofia oriental - Bhramanismo, Taoismo, Budismos (talvez tenha sido aqui que encontrou essa ideia de "nada"). Mas não ficou por aí e, ao que parece, O Livro da Serpente trás uma síntese pessoana que o distingue de tudo o resto, autor incontornável da filosofia lusitana, ocidental, mundial, mas ao que se sabe, nunca tenha sido um filósofo no sentido académico do termo.
E fazendo jus à nossa Revistinha aqui deixo um poema da Mensagem (sobre a alma portuguesa), o único livro que o poeta publicou em vida, só para não ter de ir agora ao sótão...

D. Dinis

Na noite escreve um seu Cantar de Amigo
O plantador de naus a haver,
E ouve um silêncio múrmuro consigo:
É o rumor dos pinhais que, como um trigo
De Império, ondulam sem se poder ver.

Arroio, esse cantar, jovem e puro,
Busca o oceano por achar;
E a fala dos pinhais, marulho obscuro,
É o som presente desse mar futuro,
É a voz da terra ansiando pelo mar.

Aquele Abraço.
Luís F. de A. Gomes disse...
"(...) autor incontornável da filosofia (...)" (...) "(...) nunca tenha sido um filósofo no sentido académico do termo."

Essa é a dimensão maior da obra do homem e é o que o coloca no Olimpo dos maiores vultos da literatura mundial; ele escreveu filosofia com a sua poesia. Salvaguardo sempre a irrelevância de estarmos ou não de acordo com o seu pensamento e, claro, sem estar a fazer a apologia do que quer que seja. Mas sobre isto não me adianto pois, se a memória não me engana, no próximo post, creio que o recém-chegado à conversa falará precisamente disso. Prefiro que seja(m) ele(s) a di9zer.
Ainda assim, sobre este aspecto, não resisto a lembrar o que li a uma Senhora de um outro blogue –Restolhando- a respeito da universalidade do seu pensamento por via da abrangência das ideias que expressou na sua poesia. Esta troca de palavras sucedeu depois de ter completado e revisto o “Há Pintassilgos…”, embora reconheça que não desdenharia mesmo nada incorporá-la na sequência de ideias que aí se apresentam. Sustenta a Josefa Faias, assim é o seu nome, uma das razões por que o Fernando é tão entendido é o facto de ter expressado sentimentos, sensações, ideias, visões em que muitas pessoas se podem rever. É uma ideia elegante, digo eu, na minha modesta opinião. E atrevo-me a acrescentar que tal decorreu precisamente do facto de ele ter justamente conseguido expressar essa tal reflexão filosófica sobre o Ser, o âmago da nossa humanidade e é aí que reside a sua grandeza literária. Depois há toda uma obra que é vasta e multifacetada e que está aí para que nos possamos deleitar com ela e a partir dela pensarmos no ser que somos, coisa que em todos os tempos a humanidade fará, mesmo que volte a ter que fazer a guerra com os paus e as pedras dos seus primórdios. E por isso Fernando Pessoa está para o futuro com um Esquilo está para o presente e o futuro também pois os universais sempre terão o entendimento de todos os tempos.
Noutros países, depois das teses na Universidade, dos laicos estudos mais ou menos profundos e das mil e uma citações, um monumento como o Pessoa, isto é, uma peça do património cultural –da Humanidade, não podemos esquecer disso- como ele, seria também há muito um direito comercial.

E vamos indo que a propósito desta nossa conversa e daquilo que escreveste e acrescentaste ao que no se vai dizendo no “Há Pintassilgos…”, tive uma nova ideia e vai daí uma homenagem ao Largo da Graça, o original que antecipou os tempos e que foi ideia tua.
À semelhança do que então fizemos ou, para ser mais exacto, ao que íamos fazendo de uns fascículos para os outros, se bem te recordas, quando terminar o texto, acrescentarei um último post com o conjunto dos comentários que forem aparecendo ao longo da história.
Eu até tinha decidido que no último post, e para que ficasse completo, publicaria imediatamente antes um outro em que apresentaria a bibliografia deste trabalho que existe como parte do mesmo no texto original.
Mas agora decidi que depois do post em que se lerá a palavra fim, a combinação com o post da bibliografia será o conjunto de comentários que aqui surjam. É isso que vou fazer e estou a escrever isto como o faria numa nota pessoal, para que não me esquecesse. Dessa forma terminará esta minha colaboração neste blogue –sem prejuízo de que possam haver outras que, de qualquer forma, não conto vir a fazer sem que os pintassilgos batam a asa.

E pronto, com esta decisão termino e deixo aquele abraço
luis santos disse...
D. Fernando
Infante de Portugal

Deu-me Deus o seu gládio porque eu faça
A sua santa guerra.
Sagrou-me seu em honra e em desgraça,
Às horas em que um vento frio passa
Por sobre a fria terra.

Pôs-me as mãos sobre os ombros e doirou-me
A fronte com o olhar;
E esta febre de Além, que me consome,
E este querer grandeza são seu nome
Dentro em mim a vibrar.

E eu vou, e a luz do gládio erguido dá
Em minha face calma.
Cheio de Deus, não temo o que virá,
Pois, venha o que vier, nunca será
Maior do que a minha alma.

(In, Mensagem.)
A.Tapadinhas disse...
É isso mesmo! Explica ou define lá isso do anti-moderno.

Espero que também sirva para a minha paixão: a pintura...
:)

Abraço,

Luís F. de A. Gomes disse...
Bem, não seria bonhito se me adiantasse à personagem que, na próxima terça-feira, dará essa explicação.

Mas não me parece que se possa aplicá-la à pintura.
Eis neste útlimo caso um domínio em que pouco mais sou que um simples ignorante. Do ponto de vista técnico sê-lo-ei, de todo e do ponto de vista histórico não andarei muito longe disso. No âmbito daquilo que se poderá designar por teoria da pintura -e nem mesmo estou seguro de ser esta uma linguagem certa e adequada- estou a leste de tudo. Tudo o que possa dizer a esse respeito resulta do facto de gostar de ver e ter visto pintura por esses museus fora e pelas mais variadas exposições de arte que tenho vindo a ver ao longo da minha vida. Nada de baseada em estudo e muito menos qualquer procura com um mínimo fr rigor documental e metológico.
Ainda assim não me parece que entre os pintores e ao nível da pintura que se fez -e aqui restringimo-nos só a este cantinho do mundo que genericamente e só por questões de linguagem de conversação poderemos designar por cultura ocidental, nela englobando as tradições europeias e as que delas resultaram entre as populações de igual origem no novo continente- tivesse havido um movimento artístico que recusasse, por pressuposto e por base de pensamento, o legado da chamada modernidade, isto é, toda a explicação do mundo fundamentada a partir do legado científico. Não sei, mas pelo menos nunca ouvi falar em tal.
A anti-modernidade -salvo seja a expressão- de que se fala relativamente ao Pessoa estabelece-se na recusa expressa dessa tradição enquanto válida ferramenta para entendermos o Homem e toda a problemática que sejamos capazes de colocar a respeito da sua dimensão no Universo. Só isso e não se pode dizer que tenha sido um caso isolado nos contextos da literatura e da produção de pensamento da época. Ora não sei se isso também se passou na pintura e com pintores. Desconheço por completo tudo o que possa haver a esse respeito.
Enfim, como soe dizer-se, não se pode ter tudo.

Aquele abraço, companheiro

Luís


A.Tapadinhas disse...
"Podemos incorrer naquilo a que eu particularmente costumo chamar como o defeito do olhómetro".

Permito-me discordar! Se não tivéssemos esse defeito, seríamos um povo completamente diferente, atrevo-me a dizer, menos importante no contexto universal. Grande parte das nossas conquistas não têm qualquer razoabilidade, digo, preparação científica. E nem estou a pensar, especialmente, nos Descobrimentos, porque nessa altura, éramos mesmo os que mais sabíamos...

O português com essa capacidade mais evidente foi (é) o Camões: via mais com um olho do que outros com os dois...

Muito estimulantes, intelectualmente, os pintassilgos... Quem diria!

Traduzindo para a pintura. Todos os temas são bons para pintar, a diferença está no pintor. Tu pintas ideias!

Grande abraço,
António
Luís F. de A. Gomes disse...
E no sentido em que discordas partilho a tua opinião, se bem que por formação académica, naturalmente, tenha em conta toda a importância da comensuração e da verificação empírica dos dados e, obviamente, cuide sempre de procurar verificar o sentido de verdadeiro ou falso para as proposições que utilize num discurso e, portanto, seja normalmente dado a ter o tal olhómetro sob vigilância.
Contudo não me parece que seja exactamente nessa perspectiva em que colocas a tua discordância, antes no sentido de ter sido essa uma das maneiras com que os portugas afinal conseguiram atingir certos resultados que, se tivéssemos em conta os requisitos e aparatos científicos para as alcançar, de modo algum se esperaria que eles conseguissem. Inteiramente de acordo com isso e para não irmos mais longe, é simples de entendê-lo se tivermos em conta que afinal até temos cientistas de renome nas mais variadas áreas, da mesma maneira que temos empresas que produzem tecnologia de última geração igualmente em sectores diversos, apesar do ensino miserável que proporcionamos às nossas juventudes. Para além disso, sempre tivemos brilhantes matemáticos -esquece-me aqui, sem recurso à minha biblioteca, o nome de um que se correspondeu com Einstein, por exemplo- e físicos que apenas o nosso nacionalismo pitoresco não é capaz de ver e compreender e em conformidade não destaca. Mas isso deve-se justamente ao facto de não termos na nossa natureza qualquer atavismo que nos inferiorize em relação aos outros povos e, em condições normais, também nós sermos capazes de proezas interessantes. Aliás, creio que isso é para mim a melhor prova da mediocridade e isto para só considerar o plano intelectual do caso, estava a dizer que isso é a melhor prova da mediocridade das nossas elites de poder que, mais que quaisqueres outras, deveriam saber a importância que um bom sistema de ensino tem nas condições que proporciona para que haja um bom banco de cérebros no contexto de uma população; dois séculos depois da aposta que D. Dinis fez na formação -universitária e de carácter prático no que às artes de marear diz respeito, no primeiro caso com a reforma que elevou os Estudos Gerais a Universidade e, no segundo, com a chamada de um almirante genovês para reformar a nossa marinha e tratar do ensino das novas técnicas usadas no sector- lá conseguiram os nossos antepassados um feito que haveria de mudar o mundo e que ainda hoje nos mantém à conversa e que de Portugal fez por mais de um século uma grande potência naval e militar no mundo de então, mas também científica e no plano das ideias em geral -Spinoza é de origem portuguesa, é bom não esquecer- e, no patamar da economia, ao nível do comércio também. Mas isto são pormenores no dizer corrente em que o que mais conta são, como dizem os Valentins Loureiros da nossa tristeza, os assuntos mais importantes e é aí que a massa entra e abafa tudo o que possa estar sobre a mesa, escorrendo sempre para o lado do bolso -só de alguns... Enfim, ganâncias de poucos que cerceiam as possibilidades de muitos e essa é um mal de que não nos temos sabido livrar.

(continua)
Mas aquilo que dizes de Camões é outra prova indirecta do que acabei de dizer e até posso acrescentar mais algumas palavrinhas.
Sem embargo do que referi quanto ao facto de termos tido sempre cientistas que ombreiam com os melhores do seu tempo, a verdade é que por tradição derivada de um trabalho de produção continuada e acarinhada pelos por quem de direito, há muitos séculos que os portugueses estão arredados dos momentos mais significativos da história do conhecimento e isto quer em termos científicos, quer em termos filosóficos. Não é por acaso que, neste último aspecto, os nossos melhores filósofos foram poetas e entre esses, justamente, Camões é um deles. Não entro aqui nem mesmo teria sabedoria para o fazer, fosse onde fosse, na discussão de saber se certos sonetos que tomamos como camonianos são de facto obras de sua autoria ou simples traduções de outros poetas, mormente de Dante e Petrarca; Jorge de Sena, entre outros, chama-nos a atenção para isso. Seja como for, uma peça como “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades…” é uma verdadeira síntese filosófica de um modo de ver o mundo e, por sinal, bem acutilante e que permanece moderna, não será assim? E como este, muitos outros exemplos poderíamos encontrar na lírica do nosso Luís Vaz que nos permitem dele dizermos ter sido também um bom filósofo. Coisa que, pelo menos é disso que até aqui o “Há Pintassilgos…” tem tratado, aconteceu com o Fernando Pessoa, para mim, um dos vultos maiores –tal qual o de “Os Lusíadas”- da literatura mundial.
De resto, os nossos pensadores são muitíssimo modestos e não há uma única ideia que deles tenha saído e que se possa dizer, aqui está, um contributo que teve este ou aquele impacto no domínio da moral, da ética, da epistemologia e por aí fora e que veio a abrir novas vias de pensamento em tal área. Temos o Padre Vieira, mais perto de nós um Sampaio Bruno ou um Sérgio e na actualidade um Eduardo Lourenço ou um José Gil mas… Estão à medida da nossa dimensão cultural.
Mas é por isso que apesar destes constrangimentos às suas capacidades, os portugueses até têm conseguido resultados no mínimo interessantes e sem mais que olhómetros para conseguir avaliar as coisas e nesse sentido concordo com a discordância que expressaste.

Quanto ao resto esperemos que a leitura continue a ter interesse que, até que a tarde termine, ainda muita coisa haverá de ser dita e isto não porque eu ache que tenha alguma coisa a dizer a alguém –e ainda menos nos temas que se seguirão e antes de tudo pelos motivos que se compreenderão com toda a facilidade- mas antes por achar que as pessoas não perderão nada em pensar, sentido em que esta conversa pretende ser um convite.

Aquele abraço, companheiro

Luís

A.Tapadinhas disse...
Sabes o que mais me espantou quando comecei a descobrir Pessoa?
???
Foi a sua capacidade de traduzir em palavras que até eu entendia (!) os grandes problemas filosóficos do Ser intemporal.

Não precisava, como acontecia com outros autores, de ler dez vezes o texto, de procurar dicionários e interpretações de especialistas, que em vez de facilitar apenas "complexisavam" o que já era difícil de entender.

No meu blogue, tenho leitores do Brasil, de Espanha e das américas, que sabem quem é Pessoa, o citam e o admiram...

Ele é mesmo universal!

Abraço,
6 de Maio de 2010 11:41
Luís F. de A. Gomes disse...
Como não admirar o que é universal?
E belo, não tenho qualquer dúvida em afirmar, de uma frescura, de uma musicalidade até de uma transparência de imagem que sempre me esmagou quanto o fazem certas pinturas que vejo uma e outra vez e perante as quais sempre tenho a sensação de estar perante algo transcendental. Pessoa, na poesia, foi e continua a ser isso, belo, universal e de uma argúcia ímpar.


E subscrevo o que dizes quanto à sua capacidade de fazer simples o que outros manifestamente têm tanta dificuldade em exsplicar. Aliás, creio que aí reside outra das suas grandezas, se assim posso falar e já aqui falei a esse respeito, citando alguém -Josefa Paias- que me permitiu entender a razão de ser assim; é que ele foi capaz de transmitir ideias, sentimentos, sensações, dores com que muitos humanos se identificam e logo a universalidade, mas a profundidade do escrutínio também.

Infelizmente, entre nós, ainda podemos falar dele como um ilustre desconhecido. Enfim...

Aquele abraço, companheiro

Luís

A.Tapadinhas disse...
"Você repare que o homem ainda vive escravizado pelas questões materiais da sobrevivência...
...e podemos dizer que tudo se resume ao facto básico de os seres humanos terem que ganhar a vida para sobreviverem."
Em que fase estaria a evolução da humanidade se não tivéssemos de dedicar metade do tempo de cada dia à nossa sobrevivência?
Não devemos esquecer que foi dedicando as 24 horas do dia à sobrevivência que chegámos aqui!
:)
Bradbury é mais conhecido pelas suas obras Crónicas Marcianas
(1950) e Fahrenheit 451 (1953). Não sei se és apreciador de fc. Eu sou.
Ele tem um conto (acho que é dele) em que um polícia da Terra é requisitado para ir a um planeta superdesenvolvido para resolver um crime. Essa civilização estava tão avançada que os homens viviam completamente isolados, comunicando entre si só através da televisão. No entanto, apesar disso, um dos habitantes desse planeta apareceu assassinado. Teve de ser um terráqueo primitivo (ainda por cima polícia!) a resolver o crime, acto que não havia memória de alguma vez ter acontecido.
Moral da história: Afinal, aquela sociedade não era perfeita!
Haverá alguma?
Abraço,
António
Luís F. de A. Gomes disse...
Bastante e uma memória que tenho foi o dia que faltei à escola para ficar a ler "A Máquina do Tempo" do H. G. Wells que só fui capaz de abandonar depois de devorada a última linha. Aliás, em jeito de homenagem a essa minha paixão -que ao nível do cinema ainda é maior- tenho até a minha modesta passagem pelo género no âmbito do teatro, com um pequeno conjunto de peças todas elas classificáveis no domínio da ficção científica.

Também eu não acredito em sociedades perfeitas e creio que jamais a Humanidade que somos o conseguirá atingir. Trata-se de um paradigma, mas não temos como o alcançar e isso tão só pelo simples facto de não sermos, nós próprios, seres perfeitos; ora a equação seria, como é que seres imperfeitos conseguiriam dar origem a mundos perfeitos? Parece-me que a resposta tem de recair sobre a impossibilidade.
É digamos, essa a lição da parábola de Babel que, mais do que nos dar o mito da origem das línguas, como agora alguns estudiosos pretendem, parece-me a mim que reflecte precisamente sobre a nossa imperfeição de seres naturalmente condicionados pela contingência do erro.
O que, por sua vez, não quererá dizer que não tenhamos por bom um tal paradigma. Pretendermos atingir a perfeição terá sempre como consequência que tentemos atingir o melhor e isso é bom, é, bem vistas as coisas, uma das principais molas do progresso que os homens têm conseguido desde que a mamãe Eva saiu de África à aventura de colonizar o resto da superfície terrestre.

Mas é assim, o trabalho continua(rá) a ser esse barrote que se nos entalou entre os dentes e não conseguimos remover, pois o problema seria sempre esse, qual a alternativa? E a verdade é que até aqui não existiu e se quisermos ser minimamente sérios, deveremos admitir que aqueles que se esfalfaram na labuta do trabuco foram aqueles que melhores resultados têm conseguido no domínio do respeito pela dignidade que cada um traz dentro de si quando nasce. Lá está, ganharás o pão com o suor do teu rosto...

É claro que hoje em dia vivemos no limiar de um mundo novo, quiçá com a probabilidade de os homens deixarem de ser escravos dessa obrigação de sobreviver, mas isso seria outra conversa que, possivelmente, até haveremos de continuar, mas, por agora, fiquemo-nos por aqui.

Aquele abraço, companheiro

Luís
luis disse...
...quantos homens de elite nasceram de homens comuns? E quantos homens comuns nasceram de homens de elite?

Será que temos todos um antepassado comum como dizia, por exemplo, o Darwin? Ou será que não?

Aquele Abraço,
Luis Carlos
Luís F. de A. Gomes disse...
Pois é, amigo, esse é um dos problemas, "(...) quantos homens de elite nasceram de homens comuns?" e é por isso que são tão importantes os princípios e os mecanismos da justiça social. O(s) mito(s) de um qualquer homem novo nunca deixou de se acompanhar pelas maiores desgraças.

E temos esse antepassado comum, sim, alhures a(s) molécula(s) que ter(ão)á adquirido as propriedades daquilo que convencionamos chamar vida e a partir da(s) qua(is)l explodiu e se expandiu esta maravilhosa aventura em que às páginas tantas aparecemos, mais não fosse para pudermos desfrutar tamanha beleza.
Curioso é saber que toda essa matéria se formou nos cataclismos das fornalhas cósmicas estelares o que de nós faz verdadeiros filhos das estrelas que, por isso, quase se poderiam designar como as nossas antepassadas comuns. Darwin, esse, ficou fascinado quando reparou nisso e só lamentou já não estar entre nós para se espantar na estranheza dos nossos rostos.

Aquele abraço, companheiro
A.Tapadinhas disse...
Tenho andado por outras paragens, a minha mente ocupada (o disco rígido já tem pouco espaço disponível) e, por isso, tenho deixado passar sem comentários os dois últimos capítulos.

Continua em crescendo, diria, o duelo de palavras e de ideias. Não sei como irá acabar ou talvez (quem sabe?) nem acabe...

Não há engenharia genética que nos valha: os pintassilgos, que é o nome vulgar dado às aves do género Carduelis, são mais (bonitos) perfeitos. Hesitei entre os dois adjectivos: um servirá para qualificar a estética outro a função e qualquer deles é aplicável. Quando era moço e andava a caçar pássaros com a fisga, embora lhes atirasse a pedrada, fazia para não lhes acertar! Já sabia que ficava cheio de pena!

Abraço,
António
Luís F. de A. Gomes disse...
E há ainda quem duvide que as conversas são como as cerejas... Afinal tudo começou pela observação a respeito da ousadia de alguém querer escrever uma obra literária, afirmação que, de tão singela, poderia muito bem ter morrido logo ali, com uma simples palavra de anuência.

Por acaso fui armador de pássaros, com o amigo Luís Carlos e o saudoso Chico de boa memória, Francisco José Gonçalves, filho de Belmiro e Branca Gonçalves, gente de coração fundo e cérebro sadio que do trabalho tirou o pão e o agasalho sem alguma vez se curvar perante borrascas e ferimentos na alma e que na vida deixou um rasto daqueles em que florescem cores e húmus que persistem em não fazer mal a ninguém. E sempre de contas direitas que há visões de antanho que permanecem sem prazo de validade. Era na casa dele que tínhamos as ferramentas da arte, no quintal de uma casa térrea de chão acimentado mas já com luz eléctrica e casa de banho própria o que, para a época, representava a melhoria de uma condição de existência que as vicissitudes de um mundo injusto haviam trazido de outro abrigo onde o mínimo do conforto fora assegurado pelo braço determinado dos próprios. Lembro-me como para o Chico foi isso encarado como um prémio merecido de uma vida de trabalho árduo e ininterrupto. E era pois da casa dele que, nem sempre antes do Sol nascer como recomendavam as boas regras, lá partíamos para nos camuflarmos nas ervas e esperarmos que os livres se deixassem enganar com o ardil de uma qualquer coisa melhor, ouvindo o silêncio da brisa e, quando era o caso, das conversas entre as ramadas, tendo os céus por cenário e a erva da lezíria por horizonte. Era esse o preceito e se bem me recordo, junto da concorrência, o Chico gabava-se de ter a melhor negaça do mundo, uma lugra magnífica que era um espanto de ver, até pestanejava o asame sem que do toque da sua mão precisasse e o Chico que era magro de se contar costelas, inchava de gordo quando dizia estas coisas ao Vladimiro ou até entre os homens mais velhos, entre quem convivia nas noitadas de tabernice na sede do Grupo Columbófilo, onde era sócio e concorrente de outros que, por sua vez, diziam possuir os pombos mais rápidos e resistentes de que havia memória. Não ali, em outro local mas que era frequentado pela mesma espécie de gente alpercatada e de calças de ganga calejadas de carregamentos e outros esforços, a taberna do Martinho que já ia em cento e tantos anos de descontos para a caixa de previdência, aí, estava a dizer, houve até alguém que revelou ter um pombo que fazia a viagem ao Porto, com ida e regresso, nuns escassos quinze minutos. Aquilo é que era uma vida.
Infelizmente esse irmão de sempre partiu novo para a Eternidade, mas tenho a certeza que ainda hoje ele andará a pensar como é que se escapou um bando que havíamos conseguido levar à rede e sobre o qual ele aterrou depois de um voo de golfinho para evitar que as redes, vá lá saber-se porquê, não haviam fechado bem, deixassem fugir os pintassilgos que assim se ergueram em mancha e, zombeteiros, pois então, se reencontraram com a liberdade de caírem nas garras de algum gato, para desespero do nosso companheiro. E assim foi e hoje tenho para mim que se tratou de um final feliz, pois apesar de morrer novo, o meu querido amigo Chico viveu como quis.

E com esta memória do Francisco José Gonçalves me vou, não sem deixar aquele abraço

Luís
A.Tapadinhas disse...
Depois de ler o texto, dei por mim a pensar que talvez seja mais fácil tentar provar que Deus não existe!

Se, sendo mais fácil, ainda assim a prova não for concludente, quererá dizer que, afinal, Deus existe, uma vez que o contrário não pode ser provado?

Einstein talvez tenha partido deste princípio para a teoria da relatividade. O princípio absoluto que escolheu foi que nada pode superar a velocidade da luz, o que foi verdade durante muitos anos e hoje já não é. Não sendo verdade, serviu como tal e com resultados muito relevantes para a humanidade.

Exista ou não, Deus faz falta a todos nós, quanto mais não seja, para termos escolha!

Viva a democracia!
rsrsrs
29 de Junho de 2010 10:56
Luís F. de A. Gomes disse...
Sobre Ele não me pronunciarei, pelo menos agora ou por esta ocasião, deixo essas palavras às personagens que seguramente são mais inteligentes que eu e terão, certamente, mais conhecimentos do que eu na matéria.

Já quanto à democracia é isso mesmo, viva ela que sempre nos deixa em aberto a possibilidade de escolher ainda que a realidade não seja assim tão simples, mas isso seria e terá que ser uma longa conversa. Não digo propriamente dito neste espaço das caixas de comentários mas este da blogosfera, será, sem dúvida alguma, uma das praças em que isso pode e deve ser feito, quanto a mim, é claro.
E devo acrescentar que não partilho a ideia de que aquela seja a menos má de todas as formas de regime político pois, quer enquanto isso mesmo, quer enquanto modo de vida e, como tal, expressão civilizacional, sou daqueles que afirmam que a democracia é, apesar de tudo, o melhor dos regimes e a melhor maneira de viver; como não acredito no proselitismo, ressalvo que isso é assim na minha modesta opinião pois aceito que outras preferências sejam justificadas e, não direi igualmente válidas mas acrescentarei, exequíveis (?), se bem que não esteja certo de seja este último termo o mais adequado.

Aquele abraço, companheiro

Luís
Anónimo disse...
A democracia é o regime das maiorias de "tolinhos", incluindo algumas facções (só para não meter tudo no mesmo saco) dos "Super Dragões" e dos "No Name Boys", onde a demagogia ganha quase sempre.
Luís F. de A. Gomes disse...
"A democracia é o regime das maiorias de "tolinhos", incluindo (...)" os anónimos que têm todo o direito a expressar as suas opiniões, inclusivamente de negação da mesma, ainda que o não tivessem nas alternativas que, naturalmente, presumo, pressupõem a total liberdade de expressão.

Quais são as alternativas à democracia? Partimos sempre do princípio que aprender não ocupa lugar pelo que somos todos ouvidos.
Anónimo disse...
caro senhor
a democracia é uma coisa para se ir construindo todos os dias. há-de chegar o dia que deixará de ser democracia para passar a ter outra qualquer designação, como tudo na vida a sujeição à permanência é absoluta. são tantas as alternativas à democracia, não é verdade? umas melhores que outras, de acordo e até poderão vir misturadas. mas preservemos as liberdades enquanto bem a não alienar.
Anónimo disse...
perdão. onde se diz permanência deverá ler-se impermanência.
Luís F. de A. Gomes disse...
Estamos pois esclarecidos.

Muito obrigado por nos lembrar a lei da mudança que está subjacente à matéria e, como tal, a tudo neste Universo em que vivemos.

Aprendemos ainda que a democracia se constrói todos os dias e que, para ela, existem muitas alternativas que "(...) até poderão vir misturadas. (...)"

E ficámos a saber que a liberdade é um bem "(...) a não alienar."

Bem-haja por tanta sabedoria e pela elevada generosidade de a partilhar connosco.

Há que repeti-lo, agradecemos

Luís F. de A. Gomes

3 comentários:

A.Tapadinhas disse...

Duvido que alguém leia estes comentários, nesta versão integral...

Eu li-os e, não raro, dava por mim a interrogar-me: Gosto deste texto!Fui eu que escrevi isto?

(Não é assim tão comum eu gostar do que faço. Na pintura, então, algumas obras, detesto fazê-las e, muito mais, ter de as acabar...)

Mas tenho uma explicação. Quando temos de comentar um bom texto, ou nos inspiramos numa boa obra, o resultado é tendencialmente melhor. Por isso, a minha mãe dizia: Cuidado com as más companhias!

Foste uma belíssima companhia para todos nós. Por mim, agradeço-te...

...e já agora, tu, que tão bem o conheces, agradece ao Pessoa!

Aquele abraço,
António

estudo geral disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Luís F. de A. Gomes disse...

Na verdade partilho a tua dúvida, mas achei que mesmo assim estes comentários mereciam sair das respectivas caixinhas.

Quanto à companhia teremos que agradecer antes de todos ao Poeta -que eu não conheço tão bem quanto desejaria- cuja obra, pela sua beleza e complexidade em muito facilitaram a conversa.
Mas também a todos os pensadores que citei nas referências bibliográficos, sem os quais dificilmente conseguiria moldar estas personagens a partir do barro das ideias com que, assim o espero, em termos literários, lhes dei vida.

O mérito é deles, eu limitei-me a compor os materiais, o mesmo é dizer, a escrever o conto, mais nada.

Aquele abraço, companheiro

Luís

PS
Só esta noite dei conta deste comentário, daí o atraso na resposta.