quinta-feira, 14 de outubro de 2010

d´Arte - Conversas na Galeria VII


Vai um copo?
Autor António Tapadinhas
Acrílico sobre tela 100x120cm

Fado, Malhoa, e o que mais adiante se verá...

Estava a jantar com minha mulher,
algo que não faço tantas vezes como devia
num restaurante de que eu gosto muito, porque para além da excelente qualidade da comida,
o que por si só, já seria um bom motivo para o frequentar
também aprecio o bom gosto das telas expostas,
são todas minhas
quando o meu amigo Bernardo, dono do restaurante,
curiosamente, quando estive no Rio de Janeiro, fiz questão de passar um dia na “Ilha do Bernardo”, para lhe trazer uma lembrança da “sua” ilha
me pediu para atender um senhor, construtor civil, que queria fazer-me um pedido.
normalmente é para ver se eu concedo um desconto nalguma obra exposta
Acedi, sem grande esperança. Afinal, estava redondamente enganado com as suas intenções!
acontece aos melhores!
O senhor queria que eu lhe fizesse uma tela, grande,
grande – substantivo, não, grande – adjectivo
para colocar na adega da sua casa, que seria inaugurada dentro de alguns meses.
Quando comecei a dar a desculpa habitual para me esquivar a aceitar compromissos,
estilo: “Não tenho tempo! Estou muito ocupado"

o senhor não quis ouvir as minhas razões
era construtor civil, lembram-se?
e disse-me que até tinha ideia do que queria. Aí eu fiquei atento!
construtor civil com ideias, coisa estranha!
Queria que eu fizesse um quadro ao estilo de Malhoa,
José Malhoa, pintor português, naturalista, 1855-1933
com aquela conhecidíssima figura da sua obra “Festejando o S. Martinho”.
repetida em reproduções baratas, ad nauseum
Achei um bom desafio: não tinha muita paciência para pintar como Malhoa,
à data da sua morte o seu estilo já era contestado pelos mais novos
mas como também não tinha dinheiro, resolvi aceitar a encomenda.
fiz mal como se verá!
Para não fazer uma cópia do óbvio, resolvi criar uma composição com duas obras de Malhoa e seleccionar cartazes da época
para o meu ego não ficar muito ferido
para pregar nas paredes da tasca onde se iria passar a cena.
Triste!
Para dar algum realismo às paredes, adicionei areia à tinta,
as pintinhas, suponho que parecem aquelas coisas que as moscas deixam nas paredes
e o claro-escuro do interior, mais escuro ainda, como é costume para ouvir os acordes plangentes da guitarra e os sons maviosos do cantor de fado.
e ninguém notar se quisermos dormir uma soneca!
Quando a obra ficou pronta, combinei com o meu amigo Bernardo, colocá-la no restaurante e o senhor construtor passar por lá para a poder apreciar em todo o seu esplendor. Adorou-a! Mas
há sempre um mas
não lhe convinha fazer mais despesas, naquela altura!
a crise toca a todos, não é? Menos aos pintores, acho eu...
E assim fiquei com uma obra que está exposta no “Restaurante Napolitano” do meu amigo Bernardo.
acreditam que já foi mandada guardar por um senhor que teve de sair para os Açores e ainda não apareceu?
Até hoje!

4 comentários:

luis santos disse...

Aceite que está o repto, brindemos, pode ser com Rainha Santa, mas sem que seja necessário perder a consciência como aconteceu com os nossos amigos. É que a ressaca dá uma trabalhadeira danada e eu de trabalho nem acredito que seja coisa que dê saúde. Mas, por outro lado, o que me agrada no tinto é o jeito que dá para a filosofia. Ganhamos asas e não há prisões que resistam. Qual crianças à solta como bandos de pardais que se sentam ao colo dos pais. Já das imprevisíveis desgarradas tão frequentes no S. Martinho, gosto. Tal como gosto de uma boa voz, Ana Moura pode Ser, acompanhada pelo seu mestre viola, Jorge Fernando, sempre ao lado de um belíssimo guitarra. Olha que belo sítio para castanhas e água-pé, a Casa de Linhares, Bacalhau de Molho, lá é que é. Bacalhau com natas, vegetariano. Foi o meu almoço de hoje, vejam só a incrível coincidência. Pois é, o Fado já não é o que era. Agora até aparece de saxofone e que bem vestido fica. Bem, tenham cuidado se passarem no Barreiro pelo Napolitano Bernardo porque poderão acabar a comprar um quadro. Mas até que pode calhar bem, porque quem aceita encomendas sem sinal, talvez se preste a bons descontos. E, depois, está quase a chegar o Natal. Boas Festas. "E vai dar certo, porque eu quero", diz o Caetano Veloso.

Mais Aquele Abraço.

A.Tapadinhas disse...

Fui buscar o meu Porto, porque é mais agradável beber acompanhado.

Um acto de amor é bem mais compensador do que a masturbação, embora esta, no fundo, seja uma acto de amor com a pessoa de quem mais gostamos... Não é com Rainha Santa, mas não tem grande importância, porque não tenho hábitos de convívio com rainhas e, muito menos, com santas.

Admiro os teus cuidados com os amigos descuidados, que podem ter a tentação de comprar um quadro, quando julgavam ir ter o simples, mas cada vez mais raro, prazer de degustar um prato bem confeccionado. Dizia Ary dos Santos "quem faz um filho fá-lo por gosto", eu digo, quem compra um quadro fá-lo com gosto...

...o mesmo com que tu já o fizeste!

Abraço,
António

Luís F. de A. Gomes disse...

Mas fizeste bem e o desafio foi ganho. Acabaste por deixar a tua assinatura no tratamento que deste a uma possível expressão do imaginário do homem.

Quanto ao resto... Perdeste tu, mas ganhou a obra de arte e o teu amigo. Não se pode ter tudo.

Já tenho um bom motivo para que me digas onde é esse restaurante, pela comida que gabas, é claro, mas também pelo prazer dos olhos e da alma que por lá haverá, para acompanhar os sabores.

Aquele abraço, companheiro
Luís

A.Tapadinhas disse...

Luís: Nas coisas reais há uma lei que diz "na natureza nada se perde, nada se cria, tudo se transforma", e nas coisas do pensamento, tão reais como quaisquer outras, para quem sabe pensar, que somos nós (quase) todos, passa-se exactamente a mesma coisa: nós nunca perdemos, deram-nos qualquer coisa em troca, mesmo que não o saibamos...

Terei muito prazer em convidar-vos para um almoço... para além de tudo o mais que já salientaste, terei uma excelente companhia!

Abraço,
António