quinta-feira, 21 de outubro de 2010

d´Arte - Conversas na Galeria VIII



Cenáculo Autor António Tapadinhas
Acrílico sobre tela Díptico 2x60x100cm


Cenáculo Pormenor


Cenáculo Pormenor

Cenáculo, nome dado à sala, à reunião, em que Jesus Cristo celebrou a ceia. Por ext.
Reunião qualquer de pessoas unidas para um fim comum, especialmente sociedade ou grémio literário.


Quando um casal meu amigo me convidou para almoçar porque queriam falar comigo sobre um assunto importante, não fazia ideia de qual seria o tema da conversa. Durante o almoço foi crescendo a minha curiosidade que, finalmente, foi saciada na hora dos cafés. Tinham um espaço nobre da casa que queriam preencher com uma obra minha. Deixavam ao meu critério todos os pormenores: cor, técnica, estilo, tamanho... Aceitavam qualquer sugestão porque confiavam em mim...
Se não fossem meus amigos, a partir desse momento ficaria a considerá-los como tal: depositar no meu critério o preenchimento dum espaço do seu lar, com que iriam conviver para o resto da sua vida, mais do que uma prova de amizade, é uma prova de amor...
Poucas pessoas, os dedos de uma mão chegam para as contar, têm uma obra oferecida por mim, se descontar aquelas que ofereço para serem leiloadas para instituições de solidariedade. Fiquei marcado pelas lágrimas de uma aluna minha, que ofereceu uma das suas obras a um familiar, e foi surpreendida por a ter encontrado escondida na gaveta dum armário, na despensa. Não sei que maior ofensa se pode fazer ao trabalho de alguém, independentemente do seu valor artístico! Agora, aconselho os meus alunos a fazerem como eu: para desfazer dúvidas sobre o interesse de alguém sobre uma obra, peço um montante por ela, nem que seja simbólico. A reacção é sempre esclarecedora... Em qualquer altura, encontraremos a oportunidade de devolver a quantia recebida sem o amigo notar: no aniversário, no Natal... que pode ser quando quisermos.
Coloquei uma condição: teriam de me convidar para ir a sua casa, tomar um café e uma bebida. Claro que foi aceite, pois nem sequer era uma condição, era um prazer – disseram.
Passei parte do tempo num convívio do qual não tirei muito partido porque volta não volta, estava a pensar na principal motivação dessa minha visita. Registava mentalmente a cor da parede com luz, sem luz, na sombra, tomava nota do tom da mobília, das peças que envolviam toda a enorme sala comum, com a confortável lareira, e as portadas envidraçadas por onde jorrava a luz... Ah! Falta dizer que o local onde a peça seria colocada era na parede fronteira à mesa, no espaço da sala de jantar.
Quando a tela ficou completa combinámos a entrega da obra, com a sua instalação no local onde iria morar. Pedi aos meus amigos que fossem brincar com o seu belo cão para o jardim enquanto eu colocava o díptico. Podem imaginar (se calhar não podem!) a minha angústia expectante quando eles voltaram para ver pela primeira vez a obra no local escolhido. Eu fiquei em êxtase com a sua reacção, talvez por contágio...
A Beleza reside no mundo das ideias e o Belo é identificado com a perfeição, com a verdade. A partir da beleza emanada por uma obra podemos chegar à beleza superior do Homem.
Uma vez por outra, é bom esquecer imperfeições...

4 comentários:

luis santos disse...

Muito bem, muito curioso. De repente, no meio de uma Mensagem, de Pessoas dissimuladas, entre triângulos e peixes vimos a bandeira e Portugal inteiro como um cenáculo. Todo inteiro na sala de jantar de um amigo que somos todos e em toda a parte, Lusofonia inteira lá metida. Pois claro, Natal é sempre que um homem quiser e puder... ver. Mas o que nos deixa mais desnudados foi o que não conseguimos perceber e se pressente pelo meio dos traços e das cores. É possível abrir um pouco mais a cortina?

Abraços.

A.Tapadinhas disse...

A imaginação do criador de uma obra não deve estar toda retratada... Deixará sempre uma parte para interpretação dos observadores. Neste díptico estão lugares vagos, prontos a serem ocupados...

Nessa grande mesa, como a concebeu Leonardo da Vinci em "A Última Ceia", estão presentes, Camões e "Os Lusíadas", Pessoa e "Mensagem", a Sabedoria olhando um computador, com alguém indefinível no topo da mesa, tentando pôr ordem no caos...
Todos rodeados pelos Oceanos que navegámos, com símbolos como: o peixe (Ichthys)dos cristãos e o da paz, e o yin yang, e a esfera armilar...

Um amigo disse-me a propósito desta obra:
Em minha sala de reflexões há um espaço a ser preenchido. Ainda irei buscar algo seu para preencher aquele espaço.

Luz humana
brilha mais
que todas as luzes do mundo:
cegaram-me as suas obras!

Todos devíamos ter uma "sala" de reflexões...

...eu tenho o "Estudo Geral"...
:)
Abraço,
António

Luís F. de A. Gomes disse...

Vitrais, foi o que eu pensei antes de ler o texto e foi o que tu pintaste.

Claro que os amigos gostaram. Quem não gostaria...

Tenho o hábito de tomar os vitrais como uma fonte de contemplação que, misteriosamente, para tanto havendo tempo, quase sempre desagua em meditação.

Se ao fosse aos teus amigos, só almoçaria na sala de jantar aos fins de semana. Dependentes do trabalho, ao dever não podem chegar atrasados. Mas se tiverem a sortuda condição de já estarem livres dessa condição... Já percebi que o apetite redobrou na família.

Aquele abraço companheiro,

Luís

A.Tapadinhas disse...

Luís Gomes: É recorrente identificarem algumas das minhas telas com vitrais... Já tive o impulso de aprender a sua técnica, por uma razão muito concreta: os vitrais, ao contrário do que se pensa, não são feitos com tinta... São pintados directamente com luz!
Por isso, não me admiro que favoreçam a meditação!

Não sei se o apetite redobrou, mas têm acontecido factos muito positivos na família... Não me atrevo a relacionar as duas coisas, como, talvez, não suportasse que ao díptico fosse atribuída alguma responsabilidade no caso contrário...

Abração,
Antínio