quinta-feira, 30 de junho de 2011

d´Arte - Conversas na Galeria XLIV


Castelo de Palmela (em construção)

III O primeiro objectivo desta sessão foi fazer a cobertura completa da tela com a tinta, duma maneira espontânea, mas controlada. O casario do lado esquerdo foi tratado para salientar os seus volumes, com as suas cores dominantes. As casas dispersas já ficaram integradas na paisagem, como pequenos marcos que conduzem o olhar.
Dediquei especial atenção ao maciço, logo abaixo da estrutura que suporta o castelo, utilizando o mesmo pincel e cores para dar pequenos retoques, com a finalidade de manter a harmonia entre os planos. Para as sombras juntei um pouco de azul ultramarino, enquanto para as partes luminosas misturei o Azo Yellow Deep, que já tinha utilizado para iluminar as casas.
Agora que a estrutura está pronta e unificada com as suas cores de base, parece-me que a tela está pronta para receber as suas cores finais.
E de repente aconteceu... Quase naturalmente, comecei a notar que o perfil do lado direito do Castelo é igual ao da montanha de Sainte-Victoire, aquela suave elevação nos arredores de Aix, que se tornou uma obsessão para Cézanne (e que eu vi, por acaso, quando seguia uma etapa da volta à França), nos seus dez últimos anos de vida. Pintou a montanha em trinta óleos e quarenta e cinco aguarelas: se isto não foi uma obsessão, não sei o que será... Bendita ideia fixa! Com esta fixação criou quadros duma beleza insuperável e lançou as bases da pintura moderna. Para um provinciano de carácter brusco e desconfiado, foi obra! Mas, deixemos o panteão dos imortais e voltemos à terra!
No diálogo dos verdes com os ocres e Burnt Sienna (o tom avermelhado da terra), que estavam já secos na tela, começaram a surgir-me as cores de Cézanne. Cada pedaço da tela, estava tecida com a cor vibrante do ocre amarelo, a contrastar com um verde, ora mais sombrio e possante, ora mais claro e luminoso. O movimento do céu continua descendo pelas escarpas, dissolve-se na luz das árvores, das pedras, da terra...
Aqueles azuis e magentas do canto inferior direito da tela, começaram a ganhar vida própria. Em princípio seriam para ser dissolvidos na terra, simples sombras de árvores que só tinham existência na minha imaginação...
Estou a pensar que não vou ter coragem de os assassinar: parece-me que ganharam o direito de viver...
Os meus amigos, o que acham?
Amanhã, terei de decidir da sua vida ou da sua morte! Já repararam, na força que tem um pintor?

5 comentários:

luis santos disse...

Já que perguntas, devo confessar-te que a primeira impressão com os azuis do canto inferior direito (até parece que estou a falar de um vizinho...)foi a de algum desajustamento em relação ao equilíbrio geral. Mas acho que não foi o tom, gosto muito daquele azul, foi mais a forma das flores, talvez o bater do vento.

Mas, pensando melhor, embora goste muito daquela cor azul, talvez tenha mesmo achado algum desajustamento quanto à sua integração no resto da obra.

Porém, como não quero ser injusto, e muito menos participar num terrível veredito, ainda por cima em relação a alguém de quem se gosta, mantenho a esperança que seu pintor e sua varinha mágica consigam o toque derradeiro e triunfante, sem magoar ninguém. A ver vamos.

Abraço Azul.

Luís F. de A. Gomes disse...

Vamos esperar então pela omnipotência do criador.

Nesse entrementes, o castelo lá permanece, altaneiro, sempre a remeter-nos para a vastidão dos horizontes.

Do castelo da nossa alma, se formos capazes de chegar lá, avistaremos o reconhecimento do semelhante e compreendemos que o futuro da espécie depende das asas que inventarmos para nos elevarmos de um mundo de produção e apropriação, sobrevivência e consumo, para um outro de execução e partilha, existência e satisfação das necessidades que a Natureza nos atribuiu.

Não era o sonho de Cézanne -duvido mesmo que seja um sonho- mas é um cenário de futuro.
Dependerá da ética, do pensamento ético, se algum dia seremos capazes de o viver, bem acordados, é claro.

Aquele abraço, companheiro
Luís

A.Tapadinhas disse...

Luis Santos: Quando gostamos de uma coisa (neste caso dos azuis), todas as razões são boas...

Por outro lado, para matar qualquer ser vivo, como por exemplo, uma cor numa tela, e para mais sendo azul, nunca há boas razões...

O vice-versa, pode traduzir-se na posse das armas de fogo: estão sempre nas mãos erradas! Ou será que as armas é que são erradas?

Abraço,
António

A.Tapadinhas disse...

Luís F. de A. Gomes: Vamos ver o que vai acontecer do choque dessas forças cósmicas: da omnipotência do criador e do saber dos antigos representado pelo castelo que por definição é um sítio em que é difícil entrar pela força... das armas.

Vamos tornear todos os obstáculos e servirmo-nos duma arma tão potente como desprezada: a sabedoria.

Abraço,
António

luis santos disse...

Quando sentimos dentro do peito toda a crueldade da guerra e a facilidade com que alguém armado de pistola é capaz de atirar à queima roupa, até contra gente inocente, uma criança;

quando percebemos que tanta raiva que anda à solta, afinal não passa de coisas pequenas que fazem parte do íntimo de cada um de nós;

quando vimos, e não fomos só nós, que o Estandarte da Paz jazia ali deitado no chão à espera que alguém, simplesmente, o segurasse e que no simples gesto se poderia revelar um "efeito de borboleta", um salto quântico

quando fomos testemunhas de que o vinho também pode servir para adornar o estandarte da paz, em festa e alegria, sem que as cabeças se toldem e os músculos fiquem tensos

foi quando percebemos que as armas são uma conquista tecnológica para ser posta unicamente, inequivocamente, ao serviço da humanidade, mas que durante muito tempo, não sei ainda quanto tempo, o homem não está à altura dessa sua tremenda conquista

mas é possível o Contacto.

Que bom, tudo a ficar azul celeste.