sexta-feira, 1 de julho de 2011

ENCONTROS COM AGOSTINHO

NAMORANDO O AMANHÃ

(2ª. Edição)



3. QUANTO À LIBERTAÇÃO DO TRABALHO


Por outro lado, acho que é muito bom estarmos falando num lugar que é de uma associação de reformados.
Eu acho que o ideal na vida é estar reformado.
E vos digo uma história de um filho de um amigo meu.
Quando se fundou a Universidade de Brasília e eu fui chamado para ajudar naquela tarefa, trouxe de Santa Catarina um amigo português que tinha emigrado daqui…
“-Acho que não se dava bem com o clima ou qualquer outra coisa dessa espécie.”
Ele tinha emigrado, estava em Santa Catarina, era um bom especialista de grego, latim, filosofia, etc, eu logo que foi possível trouxe-o para Brasília, e “êli mi contou” a história de um filho dele, um menino que ainda pequeno, dez ou onze anos, estava numa daquelas reuniões de família em que o avô pergunta ao neto:
“-O menino o que quer ser quando for grande?”
E as crianças já estão em tal ambiente que em lugar de dizerem quero ser grande, quero crescer, quero ser eu próprio em grande, não, a pessoa tem que dizer que quero ser engenheiro, quero ser médico, quero ser polícia, etc, não é?
E o menino pela experiência que tinha na família disse:
“-Eu? Quero ser reformado.”
Claro, ali é que ele estava bem, não é? Ele via que os reformados na família eram aqueles que ainda tinham alguma liberdade que podiam, de certo modo, marcar a sua vida sem ter que obedecer a este horário ou ir naquela direcção ou naquilo que não lhes apetecia.
Então o Osvaldo de Sousa que assim se chamava o Professor e um dia vamos ter aí, numa biblioteca, qualquer livro dele ou vários livros dele que são muito interessantes de ler, a pessoa de Osvaldo de Sousa contava esta aventura como uma coisa extraordinária. Aquele sujeito era tão esquisito, aquele filho dele, que até se tinha lembrado de que queria ser reformado.
Poucos anos passaram sobre esta declaração –quem me disse isto estava por sessenta ou sessenta e pouco, exactamente no começo de Brasília e de sua Universidade- e hoje o que é que acontece?
Hoje acontece uma coisa extraordinária no mundo que está perturbando muito os dirigentes e que está trazendo dificuldades para muita gente que é a seguinte.
Milhares de pessoas estão nascendo, milhares de meninos estão surgindo no mundo já reformados. Nunca vão ter emprego.
As profissões vão desaparecendo do mundo.
A história que eu costumo contar para se ver como é que isso sucedeu, como é que chegámos a essa situação de terem acabado o desemprego.
A pessoa só está desempregada quando o emprego está lá e ela não está colocada no emprego. Mas se não há emprego pode-se dizer que a pessoa está desempregada? Não está.
O que acontece é que nós ainda não temos palavra para designar aquelas pessoas que já não encontram emprego que não terão profissão.
Deveriam chamar-lhes os libertentados, por exemplo, não é? Aqueles que têm o tempo livre, os libertentados, não os desempregados.
E o problema está aí. Problema de várias espécies.
Então a história que eu conto é a seguinte:
Um homem, um dia, há um século –eu vou fazer um homem que em lugar de viver setenta ou oitenta anos que todos nós temos possibilidade de viver, viveu séculos. Sempre com o mesmo trabalho- ele há um século resolveu montar um “atelier” de costura e contratou aí umas vinte costureiras para fazerem o trabalho.
Passou algum tempo, por exemplo no século seguinte a ele ter montado a oficina, apareceu um vizinho dele, diz-lhe:
“-Você sabe uma coisa? Tive umas ideias, pus-me a experimentar e arranjei uma maquininha que é capaz de coser como se fossem duas costureiras.”
O homem que estava na economia capitalista em que se trata de poupar dinheiro ao máximo para investir, o homem disse:
“-Boa ideia. Eu pago isso em dez ou quinze meses, depois despeço as duas costureiras e poupo uma porção de dinheiro que posso recuperar.”
E assim fez.
Logo depois, supunhamos no século seguinte, veio outro homem e disse a ele:
“-Inventei uma maquininha melhor que essa. É como três ou quatro costureiras.”
“-Traga a máquina.”
E ele despediu as três ou quatro costureiras, poupou aqueles salários.
As coisas foram decorrendo assim, hoje que há máquinas nas casas de confecção que se mete a fazê-las falar e elas tratam de tudo, alinhavam, cosem, dobram, acumulam em pilhas etc, é só depois carregar, não é? O que é que aconteceu?
Aconteceu que o homem que não quis pagar às duas costureiras, às três costureiras, àquelas que foi despedindo, hoje tem que alimentar de graça as costureiras todas.
Então é muito engraçado, aquilo que poderíamos dizer que é um paraíso imaginado pela esquerda, de um dia as pessoas terem tempo livre, foi levado a cabo pela direita. Então é uma ironia da História, é uma gracinha que a História fez, em lugar de as pessoas julgarem que o paraíso surgia por um lado, surgiu do outro lado, por uma razão contrária àquela que se queria.
Ele o que queria era poupar dinheiro.
Agora está em risco de ter uma economia que até hoje foi de produzir o que precisamos, começar a ser uma economia em que tem que se saber como distribuir aquilo que foi produzido, para não se fazer como se faz em França em que o leite que sobre e que muita gente podia consumir no mundo, pega-se nele e deita-se no rio; ou constroem-se armazéns que custam caro e a manutenção custa caro para quê? Para que a manteiga apodreça tranquilamente sem que ninguém a coma.
Então se está metido num maquinismo que não deu certo –se não, por um lado, o de dar tempo livre às pessoas- e as pessoas estão habituadas ao que foi que não são capazes de se habituar à vida nova que aparecer… E que vai ter duas consequências.
(continua)

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