sexta-feira, 29 de julho de 2011

ENCONTROS COM AGOSTINHO

NAMORANDO O AMANHÃ


(2ª. Edição)




3. NOBRE POVO NAÇÃO VALENTE



Então o que é que eu fiz?
Falei com um amigo.
Ou antes, eu falei, primeiro, comigo próprio.
Não gosto de fazer coisa nenhuma que não me seja trazida pela própria vida.
Por exemplo, eu não tomaria nunca o caminho de vir a Alhos Vedros, como antes da partida para o Brasil, nunca tomei, por iniciativa minha, o caminho do Barreiro ou de outras populações a que ia –como tanta outra gente ia- conversar com as pessoas que era a única maneira na época de estar realmente vivo.
Mas um dia um amigo veio ter comigo e me disse:
“-Você sabe que eu estou pensando uma coisa?”
“-Então o que é?” –Perguntei eu.
E ele disse:
“-Meu querido amigo, você mês está trazendo aquilo que precisava.”
A vida veio ter comigo e me desafia a que eu faça aquilo que eu sei.
“-Você não quer trabalhar comigo?”
Estamos trabalhando os dois.
Já conseguimos registar o nome da fundação. Que nome lhe demos? Chamamos-lhe “Mensagem”.
Há um livro célebre de Fernando Pessoa, “Mensagem” que toda a gente cita, que muita gente leu e que é o quê? É um livro em que o Fernando Pessoa diz o que pensa que Portugal foi quando fez as suas grandes proezas de construir este país e de navegar pelo mar que navegou.
Então nós pensamos que devíamos ter uma mensagem não para o passado mas para o futuro.
Uma mensagem que não fosse apenas escrita, pensada, belamente diversificada como é a de Fernando Pessoa, mas que fosse coisa, fosse de facto, de chegar a um lugar e ver como as crianças estavam plenamente na vida; como realmente aquela terra, por mais pequena que fosse a aldeia, estava tendo uma vida económica certa.
Era essa a mensagem que queríamos, não só para Portugal, mas para todo o mundo, se ela tivesse força suficiente para chegar a todo o mundo.
E que mais uma vez se visse no mundo que o português não é nenhum povo mesquinho acantonado numa tirinha da Península Ibérica mas, pelo contrário, aquele povo que no mundo mais fez para que o mundo que houve até agora existisse e que mais pode fazer para que exista outro mundo que é esse outro completo.
Foi Portugal, foram os marinheiros portugueses, quasi todos analfabetos, foram eles que obrigaram a Europa a meter-se em ciência nova que produziu tudo o que é técnica e que é a ciência de hoje.
Foram eles que mostraram à Europa o que era o resto do mundo. Foram os navios portugueses que andaram transportando de um lado para o outro do mundo as culturas diferentes, os homens diferentes, os animais diferentes, as árvores diferentes. Nunca ninguém fez tais coisas no mundo se não os marinheiros portugueses.
Marinheiros, como dizia, analfabetos, mas que estavam tão atentos à vida, tão interessados na vida, tão educados pela vida que realmente puderam dar vida mesmo àquele que parecia distante e morto.
E eu digo que depois de nos inventarem o próprio Portugal, inventaram o mar.
Muita gente decidira descobrir o mar. Pois é. Mas quando se diz que um cientista descobriu isto ou inventou aquilo, a pessoa fica muito hesitante sempre em dizer se descobriu ou se inventou.
Então vamos pôr, exageradamente, eu digo, vamos pôr que os portugueses inventaram o país e depois inventaram o mar, não é?
E toda a gente, tal foi a força dessa invenção, acabou por achar que sempre tinha havido, que os portugueses não inventaram nada, apenas tinham descoberto aquele país e descoberto aquele mar.
Tanto me faz que se diga uma coisa como se diga outra.
O que eu digo é que Portugal ainda não acabou a sua tarefa.
E quando as pessoas vêm e me dizem assim:
“-O que é que o senhor julga? O português, nesse tempo, foi exactamente assim. Mas agora?”
E eu conto duas histórias, ou antes, uma história e depois uma invenção.
A história é a seguinte:
Tenho um amigo meu, arquitecto de São Paulo, um grande arquitecto da Universidade de São Paulo que me disse:
“-Eu tenho apenas uma hora para estar em Lisboa. O que é que o senhor me aconselha que eu veja?”
E eu digo:
“-Duas coisas. Vamos ao Museu das Janelas Verdes para ver aquilo que se chama os painéis do Infante –se é do Infante ou não, não se sabe, mas enfim, supondo que é do Infante, os painéis de São Vicente ou os painéis das Janelas Verdes, como eu gosto mais de dizer- vamos ver aqueles painéis e depois disso saímos e vamos por aí fora até ao castelo de São Jorge.”
Como ele se interessava pelos problemas da cidade, da arquitectura da cidade, do traçado das ruas etc…
“-Vamos lá porque de lá de cima temos uma certa vista de Lisboa e o senhor vai entender como se formou Lisboa e até como se está deformando, como se está transformando numa coisa bem inferior a muitas que já foi.”
E fomos às Janelas Verdes.
E esse meu amigo que é um arquitecto e um grande apreciador de artistas fartou-se de tirar fotografias dos painéis.
Como sabem, os painéis são uma coisa única que há no mundo, porque nunca uma nação inteira foi tirar o retrato.
Um dia, vou vos trazer para aqui uma reprodução dos painéis e vamos ver esse retrato extraordinário que os portugueses tiraram no fim do século XV. Com todas as classes. Ali há o povo pescador, ali há um frade branco, chamado de São Bernardo, ali há o nobre, ali há o guerreiro, ali há gente que sabia coisas que lia livros, aqueles que estavam dispostos a ensinar a outros aquilo que os outros ignoravam.
E toda aquela gente está com uma visão e com uma face de respeito, de força, de saúde, de vontade e ao mesmo tempo, não entendendo bem que mudança ia haver.
Vão tirar o retrato enquanto é tempo e enquanto a vida lhes corre daquela maneira e têm alguém que eles apresentaram com um livro virado para o povo.
E nós dizemos, se uma família for tirar um retrato a um fotógrafo, for com um livro virado para o público, que naturalmente que vamos ler aquele livro e tiremos conclusões.
O livro tem a parte da missa que se diz no dia em que se celebra o Espírito Santo. E o dia em que se celebra o Espírito Santo era o dia em que o povo português dizia aquilo que queria.
(continua)

1 comentário:

argumentonio disse...

Portugal ainda não acabou a sua tarefa?

palavras sábias, bem para além da condenação de Sísifo

;_)))