sexta-feira, 8 de julho de 2011

ENCONTROS COM AGOSTINHO

NAMORANDO O AMANHÃ


(2ª. Edição)


4. UMA HIPÓTESE DE COMO HAVEREMOS DE CRESCER


Primeiro essa de que os alimentos produzidos vão ser distribuídos. Não há outro jeito.
Quando um governo declara que dá um subsídio de desemprego –e nos países de economia desenvolvida esses subsídios de desemprego duram tanto tempo e dão perfeitamente para que a pessoa viva- então, dar um subsídio de desemprego é dizer:
“-O meu amigo agora alimenta-se de graça. Vai dentro dessa quantia que está aí, comprar o que lhe apetece e viver com isso.”
Mas tem que fazer outra coisa.
É que ninguém aguenta o tempo livre se não tiver nenhuma ocupação que o interesse.
Ai do desgraçado a quem fica o tempo livre e ele não sabe o que é que há-de fazer. Não aprendeu nenhuma coisa interessante para a vida. Não aprendeu, por exemplo, a pintar ou a fotografar, se lhe apetecia ser fotógrafo ou pintor, estava muito longe disso. Então o que o espera é o que espera muitas pessoas reformadas que na vida não aprenderam nunca outra coisa se não a trabalhar. Quando falta o trabalho acabou a razão de viver, não tem mais nada. E lentamente estão desaparecendo do mundo,
Isso tem que se parar rapidamente.
E coisa curiosa, está se fazendo.
Já hoje numa escola, quer a escola primária quer a escola superior, os alunos têm muito mais liberdade do que tinham no tempo em que eu fiz primária ou escola superior, ou até a escola secundária.
Nós éramos obrigados a cumprir ali um programazinho muito taxativo, não tínhamos liberdade de desenhar o que queríamos, tinha que se copiar o que a professora desenhava na pedra e era, em geral, de má qualidade; se fazíamos uma redacção era um tema imposto pela professora. Estava um dia de Sol e ela dizia: “-Façam favor de fazer uma redacção sobre um dia de chuva.” Teríamos que imaginar como teria sido um dia de chuva naquela altura, não é?
Era um ensino totalmente separado da vida.
Hoje não. Hoje já os meninos são incitados a desenhar ou a redigir aquilo por que têm interesse, contar a sua história, seja em imagens, no desenho ou de pintura, seja redigindo, em verso, por exemplo. Escolas em que os meninos já são incitados a fazer poesia e que descobrem esta coisa que afinal, os poetas não são nenhuns seres extraordinários diante dos quais tem que se estar de joelhos admirando. Não. Eles foram apenas os que tiveram mais sorte que os outros. Encontraram circunstâncias na vida, na casa em que se criaram, nas escolas em que andaram, na vida material que tiveram que lhes permitiu conservarem-se poetas, ao passo que os outros que também nasceram poetas…
Que não são só poetas de verso.
A ideia que a pessoa tem de se dizer poeta porque se faz verso, não é verdade.
Poeta é aquele que cria na vida alguma coisa que na vida não existia.
Não existia aquele poema, ele criou, pronto, é poeta. Mas pode ser uma música que ele compôs; um bailado, por exemplo. Pode ser qualquer experiência de Química ou de Física que não se tenha feito e ele a faz. Qualquer avanço da Matemática, por exemplo, que eles conseguem.
E até eu costumo dizer, até alguns podem ser poetas na vadiagem.
Que coisa é essa da vadiagem? Pois meus amigos, é andar pelo mundo olhando o mundo.
E cito sempre o exemplo de uma amiga minha, analfabeta –vive lá para a Beira, para a Serra da Estrela- que queria uma pequena reforma pelo que tinha de trabalhar ainda aos setenta e tal anos ou não sei o quê, queria uma pequena reforma e quando eu lhe perguntei: “-Mas a senhora o que vai fazer com essa reforma?” “-Eu?! Vou ver o mundo.”
E então esse desejo de ver o mundo.
E ainda podíamos dizer que era passear pelo mundo, sem ver o que era bom e o que era mau.
E agora vos vou contar uma outra história que se passou, não comigo mas com um amigo meu.
Quando foi o vinte cinco de Abril, viu-se um casal no Alentejo, marido e mulher com quem ele contactou, tinha recebido um dinheiro com que não contavam; os salários atrasados, supúnhamos, um subsídio qualquer, uma ajuda de férias qualquer coisa do género.
E o meu amigo que tinha uma mentalidade de homem da cidade; achou que eles tinham talvez comprado um rádio, uma televisão ou qualquer coisa assim.
“-E vocês que fizeram com esse dinheiro?”
E a mulher –o marido estava silencioso como é costume deles, não é?- a mulher que falava disse: “-Alugámos um táxi.”
Grande espanto o do meu amigo. “-Sim senhor, alugar um táxi para quê?”, não é?
“-E o que é que vocês fizeram com o táxi? Onde é que foram?”
E ela disse:
“-A Fátima.”
E o meu amigo ficou espantado de eles terem aquele desejo de irem a Fátima. Mas depois entendeu.
Quando ouviam falar que fulano tinha ido aqui ou acolá com algum dinheiro que lhe tinha sobrado, muita gente disse que tinha ido a Fátima. Era aquilo de que se falava mais. Era a terra que se sabia.
Então, foram a Fátima.
“-E que tal Fátima?” –Perguntou o meu amigo.
E eles que eram trabalhadores da terra, a mulher disse assim:
“-Fátima? Aquilo é uma charneca. Não serve para nada.”
Então, perante este juízo que eles tinham feito de Fátima, o meu amigo pensou: “-Bom, esta gente não está a perceber a coisa. É capaz de não entender. Foram lá, não entenderam nada do que pode haver em Fátima diferente da charneca, como muita gente, pelo menos, e o que viram foi a qualidade da terra que era o que lhes interessava.”
Bom, então, em face disto, o meu amigo disse:
“-Bem, então vocês voltaram para casa, não, para trás?”
“-Não senhor, fomos mais à frente.”
“-Então onde é que vocês foram?”
“-Fomos à Batalha.”
E o meu amigo naturalmente percebeu que foi o “chauffeur” de táxi, o motorista que quis ganhar mais uns quilómetros, não é, disse: “-Vocês não querem vir à Batalha?” e eles foram à Batalha.
E perante o que eles tinham dito de Fátima, o meu amigo, já muito descrente das possibilidades deles, disse:
“-E a Batalha que tal? Não gostaram?”
“-Não gostamos? Então não havíamos de gostar de uma renda de pedra como aquela?”
Eles tinham aprendido a beleza do cenário e tinham dado dela uma definição rápida que muito historiador da arte não diria; punha-se ali a explicar o que era o gótico, o manuelino, não sei que mais, uma trapalhada medonha, em lugar de dizer às pessoas, aqueles cavalheiros fizeram uma renda de pedra. E ela, imediatamente foi ao essencial e disse o essencial.
Isso é poesia. É por isso que eu digo que todo o vadio devia ser admitido como um poeta. Sabe-se lá o que é que sucede quando ele olha, quando ele vê as coisas.
E costumo também contar outra história.
Quando se fala na biografia de Newton, aquele que deu com a lei da gravitação… Agora está meio comprometida com a Física moderna mas enfim, ainda se vai mais ou menos por esse lado.
Então conta-se uma história que parece que não é verdadeira mas, se ela se contava como se fosse verdadeira, era porque se achava que a pessoa tinha esse direito.
Então o que se conta dele é que ele, um dia, teve a ideia da lei da gravitação quando lhe caiu uma maçã na cabeça.
E eu digo logo. Ora o que é que andava a fazer aquele cavalheiro?
Ele não estava a dar aulas, porque não é nas aulas que caem maçãs nas cabeças das pessoas. Ele também não estava num laboratório; também não é nos laboratórios que caem maçãs na cabeça.
O cavalheiro andava vadiando, não é?
Então o bom, o certo, é deixar quem quer vadiar, quem quer passear pelos campos, vá passear. Pode ser que lhe caia na cabeça qualquer coisa por dentro e por fora que lhe dê uma ideia muito mais vasta, muito mais interessante que a da simples lei da gravitação que diz que uma coisa tende a cair em cima de outra, quando o que nós o que queremos saber é o que pode elevar uma coisa acima da outra.
Estamos hoje à procura não de uma lei da gravitação, mas de uma lei de levantar voo para aquilo que for o nosso ideal, o nosso sonho.
Pode ser que ao vadio caia alguma coisa na cabeça que dê com essa lei, essa possibilidade extraordinária de o homem voar.
O que vem ligar-se com uma coisa que me aconteceu ontem.

(continua)

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