(2ª. Edição)
II- PORTUGAL, A INVENÇÃO DO MAR E O SEU PAPEL NO FUTURO
1. O PÃO QUE AINDA TEMOS QUE AMASSAR
Pediram-me que fizesse uma conferência na Universidade Católica, com toda a espécie de liberdade para dizer o que me apetecesse que é o costume, quando no fim um jovem disse:
“-O senhor falou do que é Portugal, no que foram Portugal e a Europa ontem e hoje. Eu gostava de saber como será no futuro.”
E eu disse:
“-Boa ideia. Porque a mim o que me interessa não é o ontem e o hoje. Eu falei de ontem e de hoje porque era o que estava no vosso programa, porque se estivesse lá a Europa e Portugal no futuro eu também falaria no futuro. Mas é muito simples, a coisa é assim. O futuro é com você que tem vinte anos ou menos, comigo não. Você é que vai voar no século vinte e um; você já nasceu para aí. Eu ainda nasci atrás.
A minha obrigação é fazer uma pista para um avião descolar.
Então, como ainda o que eu estou habituado, fundamentalmente, pelo tempo em que nasci, é a estrada, para mim, preparar o futuro é ir ver que buracos há na estrada e começar a encher os buracos para que amanhã o vosso avião possa levantar voo sem nenhuma espécie de embaraço.”
E ele disse assim:
“-Mas o senhor acha que há buracos na estrada?”
Ai não que não há.
E ele perguntou:
“-Que buracos são?”
E eu digo.
Primeiro buraco na estrada: nem todo o português come. E quando eu digo que nem todo o português come, nem todo o português tem casa, nem todo o português tem uma roupa decente, ou o calçado, ou a cama boa para dormir. Buraco na estrada extremamente importante.
Segundo. Muito português gostaria de saber coisas, quando ouve a rádio, quando vê a televisão, quando vê um jornal, se lê, ele vê que se fala de coisas que ele não pode entender que não sabe o que é, que gostaria de saber.
Gostaria de perguntar, gostaria de ter aquela escola de que outra analfabeta me falou e de que eu falei ao Ministério da Educação.
O que seria para ela uma boa escola, você sabe?
Ela me dizia:
“-Era ter uma casa sempre aberta.” –Ela provavelmente deixava de dia e de noite, sempre aberta. “-Onde eu possa entrar e perguntar aquilo que não sei.”
E é claro que devia ser a escola.
A escola não é o lugar onde se mete na cabeça de uma pessoa, de uma desgraçada de uma criança, aquilo que ela não pretende saber, nem de resposta a coisas que não servem para nada.
O que é preciso é haver escolas preparadas para ensinar cada um a responder às perguntas que cada um queira fazer.
Essa é que é a escola certa.
Então, muitos portugueses não têm mais perguntas para fazer, ou não podem fazer as perguntas porque não há quem lhes responda.
Esse sistema escolar não existe.
Escola sempre aberta para cada um entrar e perguntar o que não sabe.
Ainda com a consciência de que por mais que a gente saiba, eu costumo dizer, morre-se sempre analfabeto em alguma coisa.
Pode-se ser alfabetizado de ter aprendido a ler…
E o resto, e depois?
Quando chega a certa altura e se fala, por exemplo, poluição dos rios, a pessoa pode perguntar o que é essa palavra de poluição? O que é que polui os rios?
E então ela devia encontrar um lugar onde fosse perguntar, “-O que é isso?”, lhe explicassem, viesse ela a ter interesse ou não nesse problema de poluição. Mas pelo menos não tinha ignorância, pelo menos sabia.
Outro buraco.
Enquanto houver um português que queira perguntar alguma coisa e não tenha quem lhe responda, há buracos que impedem todo o avião de descolar.
É preciso que ele seja inteiramente tapado, coberto, para que a pista seja uma pista razoável e dê para levantar voo.
E um terceiro buraco que eu acho muito importante que é o que pouca gente tem em Portugal saúde firme na qual se apoie.
O que há, quando há, é alguma possibilidade de ir à farmácia e comprar a pastilha adequada.
Mas não se trata disso.
Saúde é não precisar de pastilha nenhuma. É ter vivido de tal maneira, ter sido cuidado de tal forma, ter apoio em quem consulte a cada problema que lhe apareça para que nunca precise dessas coisas de hospital ou de consultórios médicos.
Terceiro buraco na estrada.
Então, toda a pessoa que viva no presente e fundamentalmente para o presente mas que cuide do que vão fazer as gerações futuras, tem de ver como é que se cobre esses buracos e avança.
(continua)
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