Sabeis o que ele queria nesse dia?
Ele queria que todas as crianças fossem de tal modo livres e desenvolvidas que pudessem dirigir o mundo pela sua inteligência, pela sua imaginação, não propriamente por saberem aritmética ou por saberem ortografia, mas porque eram eles próprios, porque eram os pequenos, as crianças que deviam dar ao mundo e aos homens, o exemplo do que devia ser a vida.
E em segundo lugar eles diziam que a vida devia ser gratuita que ninguém tinha que pagar para viver e trabalhar para viver. Que tendo a vida sido dada de graça, era inteiramente absurdo, inteiramente tolo, passar o resto da vida a ganhá-la.
“-Ela não foi dada de graça? Devia continuar a ser de graça.”
E eles então achavam isso que a vida ia ser de graça para toda a gente.
E ainda uma última coisa extremamente importante. Iam à cadeia da terra e abriam as portas de par em par para que todos os presos saíssem, para que ninguém mais passasse a vida amuralhado e encerrado entre grades; que viesse para a vida e na vida se retemperasse e na vida renascesse para ser aquilo que devia ser.
Era uma espécie de anistia, talvez.
Mas era uma anistia que não tinha uma coisa que hoje as anistias têm.
É porque se abrem as portas aos presos nas cadeias e depois se tornam a fechar para eles não entrarem, quando afinal, quando vêm para a vida, eles encontram muitas vezes condições de habitação, de comida, etc, muito piores do que as que tinham na cadeia.
Uma anistia completa seria aquela que soltasse os presos que quisessem sair e mantivesse as portas da cadeia abertas àqueles que não encontrassem acolhimento fora e tornassem a esperar que lhes servisse na vida alguma coisa que efectivamente os levasse a ser mais do aquilo que era até ali.
Mas quando uma nação tira um retrato e apresenta um texto para nós lermos e concluirmos, eu acho, aquela gente traçou todo o caminho para o futuro.
Nós, hoje, queremos a mesma coisa.
Não queremos que a criança vá à escola para aprender a aritmética ou qualquer outra coisa e fique no fim com a cabeça mais pequena do que aquilo que tinha.
Claro! Não é para isso.
Haviam uns índios perto do Brasil, na fronteira entre o Brasil e a América espanhola que tinham a mania de quando a criança nascia achavam que ela trazia uma cabeça que não era para usar em público, sabe?
E então punham umas tábuas laterais, uma tábua à frente e outra atrás para a criança ter uma cabeça o mais possível cúbica.
“-Que nós hoje, na maior parte das escolas, o que fazemos é criar cabeças cúbicas. E nós como perdemos essa mania do cúbico, o que dizemos é que a maior parte das vezes, a pessoa sai da escola sendo uma besta quadrada.”
Bem, então as coisas foram desse ponto. O meu amigo olhou aqueles painéis com grande gosto e a face daquela gente voluntariosa, cheia de ânimo, disposta a dar tudo para fazer da terra em que habitavam uma terra que fosse exemplo de mundo.
(continua)
Uma Revista que se pretende livre, tendo até a liberdade de o não ser. Livre na divisa, imprevisível na senha. Este "Estudo Geral", também virado à participação local, lembra a fundação do "Estudo Geral" em Portugal, lá longe no ido século XIII, por D. Dinis, "o plantador das naus a haver", como lhe chama Fernando Pessoa em "Mensagem". Coordenação de Edição: Luís Santos.
sexta-feira, 5 de agosto de 2011
ENCONTROS COM AGOSTINHO
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