NAMORANDO O AMANHÃ
(2ª. Edição)
5. CEPA DE GENTE CORAJOSA QUE AINDA DÁ FRUTO
Quando ele saía, eu disse: “-Anda cá. Nós agora vamos atravessar a baixa da cidade que é a área dos bancos e das grandes empresas etc, e depois é que vamos ao castelo de São Jorge. E eu queria que você fizesse uma coisa. Quando vir na rua alguém com uma cara semelhante àquela que têm os homens dos painéis, você me diz, olha, ali vai um.”
Bom, o nosso amigo, como eu esperava, atravessou a baixa silencioso, porque ali, a maior parte das pessoas que andam metidas naquela máquina terrível de ganhar dinheiro e de fazer mais dinheiro em cima de dinheiro, têm uma cara coitados, como podem, não é? Uma cara de qualquer maneira e não aquela que deviam ter. Uma cara que agrade ao patrão, uma cara que agrade à empresa, uma cara que agrade àquele e quem eles vão distribuir impressos ou caixinhas da morte, a fregueses, etc, e não ter a cara própria que gostariam de ter. Então, efectivamente, ele atravessou aquilo sem falar.
Chegámos ao castelo de São Jorge, eu lhe mostrei a linha geral da cidade, ele gozou também e depois eu disse:
“-Já que estamos aqui, vamos ali às Portas do Sol e vamos descer por uma escada, de que eu gosto muito, para chegarmos a Alfama.”
E disse-lhe:
“-É pena ser Domingo, sabe? Porque assim, em Alfama, todas as tabernas devem estar fechadas, nós não podemos ir, como devíamos, a uma taberna.”
E tivemos muita sorte, porque sendo Domingo estando tudo fechado, havia uma taberna aberta.
Eu disse:
“-Você já não sai daqui sem beber vinho e comer pão ou um frito qualquer que lhe agrade para você saber exactamente o que é Alfama.”
Sentamos para comer, daí a pouco tempo toca.
Diz assim:
“-Ali está um com aquelas caras.”
-Ah sim, em Alfama claro, claro, claro… E noutras aldeias de Lisboa você também encontraria. Eu é que o desafiei a encontrar isso na Rua do Ouro. E aí, meu querido amigo, eu estava pronto a perder uma fortuna se você apostasse ao contrário.”
Ia ganhá-la que era o que eu faria, não é?
Efectivamente houve transformações na vida portuguesa e as pessoas que vão vendo as caras que desfilam pela Rua do Ouro, pensam que Portugal, coitado, não presta para nada. Os outros sim, foram os navegadores, foram os descobridores, foram os guerreiros.
E eu digo.
Meu caro amigo, para passar os Pirenéus a salto, no Inverno, na neve, para chegar à Suécia e fazer trabalho na Suécia ou na Suíça que ainda é pior, os portugueses tiveram essa coragem. Saíram de Portugal que lhes não oferecia nada que os pudesse prender, pelo contrário, os privava de tanta coisa, foram para a neve, morreram na neve; abandonados, passaram esses países de que não sabiam as línguas e as aprenderam e se tornaram indispensáveis e para isso foi precisa muita mais coragem do que para ir à China ou tomar a cidade de Malaca. Aqui eram as obras e o que eles fizeram durou meses e meses de angústia, de dureza, de suplício e eles aguentaram.
O que acontece é que não houve até agora, nestes tempos modernos, nenhum projecto pelo qual o português se apaixonasse.
O português não se pode apaixonar por qualquer coisa como se apaixona um alemão ou se apaixona um inglês. O português é de mais qualidade, só se apaixona por aquilo que vale realmente a pena.
E ao passo que os outros andavam apaixonados, na altura em que os portugueses foram para o mar, em trocar umas mercadoriazinhas da Holanda para a Inglaterra ou da Inglaterra para o Báltico, os portugueses não, só se apaixonaram por aquele projecto grandioso que toda a gente julgava impossível que eles realizassem e depois foram realizar outro de que a Comissão das Navegações nunca se lembra. Foram navegar para o Brasil, por terra.
(continua)
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