Fernando dos Santos Neves **
«Muito mais do que questão técnico-linguística, o Acordo Ortográfico é uma questão político-estratégica», sustenta o reitor da Universidade Lusófona, no Porto, em artigo publicado no jornal Público, de 9/8/2011. Destinatários: «[Os] que ainda não entenderam que, "conosco ou sem-nosco" como humoristicamente se tem dito e escrito, em virtude da globalização contemporânea e da emergência do Brasil como grande potência (já ouviram falar do BRIC, iniciais de Brasil, Rússia, Índia, China..., a que eu gostaria de ver acrescentada também a inicial "A" de Angola...?), será imprescindível a existência de um Acordo Ortográfico (por enquanto, com alguma magnanimidade dos outros parceiros da língua portuguesa).» * Trata-se de um texto mais desenvolvido em relação a outro anterior, com o mesmo título, publicado no Jornal de Letras de 14/8/2008, e em linha desde então, também neste espaço.
1. Onze Teses. Inspiram-se no célebre manuscrito de Karl Marx, simplesmente intitulado Ad Feuerbach, em que a preposição latina "Ad" significa "Contra" e em que Marx estigmatizou os conceitos e preconceitos daquele filósofo alemão, como aqui se pretendem estigmatizar os conceitos e preconceitos de todos aqueles que, consciente ou inconscientemente, continuam a fazer suas as, por opostas razões, também célebres palavras do luso ditador «orgulhosamente sós». Aliás, como é sabido, das 11 Teses de Marx contra Feuerbach foi a 11.ª, de todas a mais breve, que se tornaria também de todas a mais famosa:«Até agora os filósofos têm interpretado o mundo de diversas maneiras, mas o que verdadeiramente importa é transformá-lo»!
2. O Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa quer ser isso mesmo e nada mais: um acordo sobre a ortografia e não um acordo sobre o vocabulário, a sintaxe, a pronúncia, a literatura e tudo o resto (que é, indubitavelmente, o mais importante) que constitui uma língua viva e, ainda por cima, uma língua potencialmente universal como a língua portuguesa e até uma das pouquíssimas línguas potencialmente universais do século XXI, como já Fernando Pessoa anteviu nos princípios do século XX.
3. Para satisfação dos antiacordistas deverá mesmo dizer-se que, do ponto de vista técnico-linguístico, o proposto Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa padece de muitos defeitos e carece de muitos aperfeiçoamentos, sendo que até não será um exagero afirmar que a sua principal virtude é a de existir (à semelhança, por exemplo, das democracias portuguesa, brasileira, etc., que, imperfeitíssimas embora, é bem melhor que existam do que o seu contrário). Ou será que não?
4. E já agora, e como a subjacente acusação dos antiacordistas é a de que o Acordo Ortográfico constitui um verdadeiro ato de traição a Portugal (o que não deixa de fazer lembrar velhas acusações e despertar velhos fantasmas...), bastaria um mínimo de lucidez para entender que é, precisamente, o Acordo Ortográfico que permitirá a continuação da existência da língua portuguesa no Brasil, etc., a qual, sem ele, inevitavelmente se tornará, a breve trecho, a "língua brasileira”, como de algum modo principiaria a ser o caso. Sem nenhuma tragédia, aliás, para a Humanidade, mas, suponho, com algum legítimo sofrimento para todos os portugueses.
5. Além das motivações "patrioteiras", como se vê sem qualquer fundamento, há também as motivações "interesseiras" dos editores e livreiros portugueses, e que só são devidas à curteza de vistas que o nosso crónico e anacrónico analfabetismo global ainda continua a alimentar e de que as atuais Feiras do Livro de Lisboa e Porto constituem ilustríssimo documento, não tendo surtido grande efeito o pequeno ensaio por mim publicado há anos e que tinha por título: "As velhas feiras do livro português estão mortas, vivam as feiras do livro lusófono!" (Público, 10 de junho de 2006)
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6. Na verdade, muito mais do que questão técnico-linguística, o Acordo Ortográfico é uma questão político-estratégica e só os referidos "patrioteiros" e "interesseiros" é que ainda não entenderam isso, nem também entenderam que, "conosco ou sem-nosco" como humoristicamente se tem dito e escrito, em virtude da globalização contemporânea e da emergência do Brasil como grande potência (já ouviram falar do BRIC, iniciais de Brasil, Rússia, Índia, China..., a que eu gostaria de ver acrescentada também a inicial "A" de Angola...?), será imprescindível a existência de um Acordo Ortográfico (por enquanto, com alguma magnanimidade dos outros parceiros da língua portuguesa). Será assim tão difícil de entender?
7. A já denominada «ressaca colonialista» do velho Portugal é, sem dúvida, uma das razões, por vezes inconsciente, da oposição de muitos ao Acordo Ortográfico, que não se dão conta do que isso tem de anacrónico e de ultrapassado. Quando entenderão isso tanto os velhos colonialistas de antanho, como os anticolonialistas de sempre?
8. Outro factor igualmente ultrapassado e anacrónico é o que também já foi designado de «síndroma salazarista de Badajoz», para aludir ao facto de Salazar nunca ter ido, simbolicamente, além daquela cidade fronteiriça e que, também simbolicamente, traduz a estreiteza das suas vistas e visões (suas, dele e suas, de todos estes retardatários históricos) ...
9. É por tudo isto que a questão do Acordo Ortográfico não pode deixar de estar ligada à questão da lusofonia, entendida ela também não só nem sobretudo como "questão linguística", mas sim como "questão político-estratégica" e que, nos últimos anos, depois de aparentemente ter conseguido introduzir o vocábulo nos dicionários da língua portuguesa, tenho procurado estender a outros níveis, nomeadamente pela recorrente formulação da seguinte "tese": mais que projeto ou "questão cultural" e até "linguístico-literária", a lusofonia é um projeto ou uma "questão de estratégia comum de desenvolvimento humano sustentável e de espaço geopolítico próprio no globalizado mundo contemporâneo. O que também é válido para a CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), que deveria adotar o nome mais cairológico e menos restritivo de "Comunidade Lusófona".
10. Que, ao menos, não se chame a qualquer "Manifesto contra o Acordo Ortográfico" "Manifesto em defesa da língua portuguesa", porque não haverá maneira mais eficaz de acabar com esta, independentemente, claro, das boas intenções de muitos dos ditos "manifestistas", aos quais, não sem alguma maldade, já foi aplicada a sentença evangélica: «Perdoai-lhes porque não sabem o que dizem e escrevem!
»
11. Até aqui já se disse e escreveu quase tudo e o seu contrário sobre e contra o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa; o que importa, agora, é efetivamente começar a praticá-lo.
À falta de uma verdadeira Academia Lusófona da Língua Portuguesa (finalmente proposta na "XIV Semana Sociológica", realizada no Porto, a 7, 8 e 9 de abril de 2008), esperemos que o Governo da nação e toda a sociedade portuguesa não venham a ser condenados por falta de comparência a este apelo e desafio da História.
08/08/2011
** Sobre o Autor:
Criador da primeira licenciatura portuguesa de Ciência Política. Primeiro reitor da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias e da Universidade Lusófona do Porto.
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Texto enviado por:
J. CHRYS CHRYSTELLO, Presidente da Direção,
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5 comentários:
1, A primeira tese é tão só uma declaração de intenções; os conceitos e preconceitos dos que são contra o acordo ortográfico. Damos de barato o facto de estes serem assimilados aos preferem o orgulhosamente sós do salazarismo, no que ficariam ao arrepio da filosófica importância de pretender mudar o mundo.
2. A segunda tese limita-se a ser um reparo, a precisão quanto ao facto de estarmos a falar de acordo relativo tão só à ortografia o que nos levará a pensar que alguém acredita que uma questão político-estratégica (sic) da mais alta relevância, possa estar dependente das regras de… Ortografia.
Aqui, necessariamente, teremos que dar de barato o facto de o português ser uma das línguas (…) potencialmente universais (…) sem que sejamos capazes de entender o que isso possa significar e ainda menos a sustentação empírica de tal afirmação. Ainda assim, não podemos deixar de nos recordar que o português de antanho já foi língua de comércio e portanto de comunhão entre gentes e culturas diversas em uma vastíssima zona do mundo asiático, no século XVI, sem que alguma vez alguém tenha pensado em acordos de utilização linguística.
3. A terceira tese limita-se a ser um reconhecimento triste; o acordo é defeituoso. A isso se acresce a verificação de que a principal virtude do acordo é existir. Aqui damos de barato a comparação que se segue com as democracias na medida em que outras do género seriam possíveis sem que daí se pudessem tirar consequência contra ou a favor do acordo.
4. A quarta tese, dando desde logo de barato os rendilhados em torno da ideia dos Vasconcelos deste mundo, limita-se a afirmar a demiúrgica previsão de o português deixar de ser falado no Brasil caso não seja feito este acordo. Estranha maneira de encarar o evoluir da língua em que a ortografia se sobreporia a tudo o que para o dinamismo da mesma concorre. Contudo, devemos aceitar a concordância formal com a crença observada na tese número dois.
5. A quinta tese assenta no argumento do adjectivo, do qual se salta para o da proclamação. Vale o que vale e quanto à verosimilhança da adjectivação, não será neste ponto que as mesmas merecerão qualquer reparo.
6. A sexta tese reafirma o intróito da brilhante análise. O acordo é eminentemente uma questão político-estratégica (sic) imprescindível, presume-se que para a continuidade do português no mundo. Nada que não tivesse sido sustentado na segunda tese.
(continua)
7. A sétima tese é uma falta de educação pura e simples; apodam-se os que se opõem ao acordo como portadores de uma visão colonialista e, naturalmente, anacrónica. Presume-se que por serem contra à adaptação das novas regras ortográficas.
8. Na oitava tese continuamos no domínio da ofensa. Para além de uma mentalidade colonialista, os opositores do acordo seriam pura e simplesmente tacanhos e provincianos.
9. Na nona tese temos por argumento a ligação do acordo à lusofonia, vista como questão estratégica de desenvolvimento humano sustentado e de afirmação de um espaço geopolítico próprio no mundo. Mais uma vez temos que sublinhar a importância que se atribui à ortografia em matéria geo-política.
10. A décima tese sustenta que a discordância face ao acordo é a melhor forma de acabar com a Língua Portuguesa acabando no insulto, certamente como comprovação empírica da pertinência da observação.
11. A undécima tese só podia defender que falta apenas pôr o acordo em prática.
Resumindo, no que se propõe, até pelo que o título quer dizer, o artigo nada mais faz para além de insultar aqueles que têm manifestado opinião contrária ao Acordo Ortográfico sem que em alguma linha tenha contrariado os argumentos que apresentam e que dizem sobretudo respeito às questões da própria língua, mormente as de carácter ortográfico. No que está de acordo com a única razão que aí se encontra em defesa do acordo; tudo se resume a uma questão de interesse geo-estratégico tendo por base a convicção que, sem aquele, não só a Língua Portuguesa não terá futuro como corremos ainda o risco de vermos o português desaparecer no Brasil – deve presumir-se que nos restantes países de língua portuguesa também.
Quanto a questões do género de saber se faz sentido suprimir consoantes sem um mínimo de suporte criterioso em termos linguísticos –as dúvidas são mais que muitas e as discrepâncias afinam pelo mesmo diapasão- nem uma palavra e assim se pretende alterar a base de uma cultura a partir de decisões políticas circunstanciais sem que se nem por um segundo se pense se se deveria ou não ter chamado o conjunto dos falantes a pronunciar-se sobre o assunto, naturalmente depois de um debate sereno e sério, o mesmo é dizer com argumentos sólidos e pertinentes e, na sua expressão pública, esclarecedor, antes de mais na Academia, é bom de ver, mas também na sociedade que é afinal o meio onde uma língua vive.
Pessoalmente, em face de um tal argumentário a favor, só poderei dizer que continuarei a escrever a Língua Portuguesa como o tenho feito até aqui.
Marx que permanece como um nome maior da cultura científica europeia; coitado homem que não tem descanso. Ele que escreveu uma carta aberta ao Presidente Lincoln em que está subjacente toda uma linha de pensamento oposta ao que se veio a fazer em seu nome e nem por isso deixou de ver todo um ror de barbaridades cometidas em seu nome, vê-se agora chamado para uma questão em que, em boa verdade, nos poderemos lembrar da resposta que deu a Proudhon
Luís F. de A. Gomes
Resposta
http://espectivas.wordpress.com/2011/12/25/as-onze-tretas-a-favor-do-acordo-ortografico/
Caro Senhor, eu não tenho quaisquer interesses no mundo editorial, pois não passo dum pobre diabo, ainda que tenha formação pós-graduada...
Independentemente, de tudo o que poderia dizer acerca do chamado «Acordo Ortográfico», seguindo as regras do raciocínio lógico-matemático, basta-me encontrar 1 único exemplo contrário para destruir a Tese.
E o exemplo é muito simples:
no texto do «Acordo» estipulou-se a dupla grafia para palavras que, actualmente, não a têm!
Ora, a dupla grafia é a antítese da uniformaização da língua e dos objectivos do «Acordo».
Logo está errada!
Daí que, ao contrário do que os seus defensores afirmam, o texto «Acordo» oficializa o desacordo!
Para este argumento não há contra-argumento possível, porque essa divergência ortográfica foi criada e posta por escrito pelos próprios defensores do «Acordo»!
E não por um qualquer retrógrado, salazarento, colonialista, ressabiado que se manifeste contra aquele absurdo linguístico!
Texto revelador de quem não tem o mínimo de conhecimentos científicos para defender (o indefensável) AO com argumentos fundados em linguística, em Lógica ou, no mínimo, em Pedagogia. Quem escreveu isto deve ser primo do Macaca Pasteleiro e do Bechamel e, com certeza, gosta muito de ver telenovelas brasileiras.
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