terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

INTIMIDADES


À NOITE SOB AS ESTRELAS

Quando as noites se cobriam com aquele lençol de atmosfera tépida e incendiada pelas misturas de grilares, as pessoas sentavam-se à porta até que a hora de repouso lhes lembrasse a necessidade do fim dos convívios. Pelas ruas passavam os vagares e os bancos de jardim enchiam-se de encontros que se prestavam a dar agrado ao serão e a bem dizer da vontade de não querer permanecer em casa. Ele eram as mães e os filhos a quem preveniam quanto aos miúdos desacompanhados, maioritariamente homens que ainda não achavam hora de regressarem aos seus, mas também jovens, sobretudo rapazes e os mais pequenotes que as mocitas, essas, lá cirandavam inevitavelmente em torno das poses e poisos das matronas. E os casais, “-Oh marido! Hoje está uma noite tão bonita para ficarmos em casa.”, aqui e ali apareciam os braços dados de uniões mais apostadas no binómio. Conversava-se em torno de pequenas coisas da vida, comentavam-se os nacionais de futebol e a carreira europeia do Benfica, com os dentes mais cerrados e os ouvidos mais abertos, falava-se da guerra em África e da inércia do salazarismo e é claro que o destino alheio sofria muitas e muitas tesouradas. Naquela praça, adjacente à sede da principal colectividade da terra e o maior edifício ali sediado, a noite era um campo de gritarias e gargalhares, vozes de quem fala alto e os chamamentos a plenos pulmões deste ou daquele miúdo mais renitente. E à razão dos dedos de uma mão, de quando em vez se aproximava e afastava o ruído de um ou outro motor pela estrada nacional que cortava o coração da vila. Da satisfação da sede da relva e das flores, brotavam cheiros que mais vinham encantar o ócio. Às vezes, as discussões e o confronto físico e, mais rarao ainda, as inconveniências de bêbedos que eram enxotados para uma ressaca em face a face com as estrelas. Respeitavam-se regras, pois então, e os homens eram mandados calar quando, por qualquer motivo, diziam palavrões e até nas anedotas se procurava temperar o picante com simples alusões às frases ou situações mais obscenas, a não ser que a roda, toda ela, fosse feita de machos.
Depois as brisas começavam a fazer as ramagens murmurarem e os primeiros bancos deixavam-se permanecer ali, na sua quietude, -Eh Manel! Já lá vais à deita?” e davam-se as boas noites que já não eram capazes de esconder os bocejos. Os assentos voltavam à cozinhas e as portas fechavam-se. As luzes da “Velhinha” apagavam-se e o contínuo tratava de cerrar os postigos e janelas. Com a debandada dos últimos consócios, eram apenas os gaiatos mais crescidos que se deixavam ficar, para escutarem o grito de uma mãe ou um pai que assim punham términos à brincadeira. À esquina do cruzamento dos cafés, resistiam este ou aquele que ainda tinham noite para darem à língua no adiamento do sono.
Por fim restava o som das badaladas, no campanário e, se houvesse vento, o som de uma ou outra folha rastejando pela areia, entre os canteiros e o coreto.

Alhos Vedros, 14 de Maio de 1998

2 comentários:

A.Tapadinhas disse...

Crónica de uma noite estrelada
Com meninos na brincadeira
Onde os crescidos falam de nada
E são felizes à sua maneira.

Abraço,
António

Luís F. de A. Gomes disse...

Falavam e eram
ainda falam e são.
Diferenças se deram?
Vejamos onde estão.

Aquele abraço, companheiro
Luís