com Manuel Alegre
FALÉSIAS PRAIAS AREAIS ARDENTES
OU
O SÉTIMO POEMA DO PORTUGUÊS ERRANTE
Para deixar-vos tenho o meu orgulho
que para vos deixar não tenho nada
ensinei-vos o mar o verão o Julho
o alvoroço da pesca e da alvorada
os pássaros a caça o doce arrulho
do instante que passa e é tudo e nada.
Para deixar-vos tenho a liberdade
um astro a lucilar dentro do não
o riso e seu esplendor a intensidade
da vida que se dança num só verão
o fulgor dessa breve eternidade
o azul o vento o espaço a solidão.
Para deixar-vos nada que deixar
só um país e as ilhas adjacentes
um rectângulo inteiro e ainda o mar
as montanhas os rios e afluentes
as índias que ficaram por achar
falésias praias areais ardentes.
Para deixar-vos tenho o que não tenho
que para vos deixar não tenho mais
do que a escrita da vida e o eco estranho
de ritmos sons e signos e sinais
metáforas que têm o tamanho
do mundo que vos deixo. E nada mais.
2 comentários:
E aqui, "nada mais", sem dúvida que não pode ser só "mais nada", mas alguém que para terminar segreda ao ouvido de Portugal e lhe diz "nada mais", braceja de novo, descobre o que ficou por descobrir, para ti e para todos. E não é que o homem do poema tem tentado isso mesmo, à sua maneira, interpretar a alma de Portugal. Que coração tão grande tem este nosso país, poeta. Qual crise?...
Manuel Alegre é, para mim, o mais "lusíada" dos poetas.
Entre o desencanto e o travo da epopeia a procura de um curso, de um caminho, para a redenção.
E tem música. Muita música.
abraço,
João C.
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