por Miguel Boieiro
A Escola Comunitária de Alcochete, fundada nos anos 70 do
passado século, é bem a precursora das chamadas universidades seniores que
alegremente alastram hoje em dia por quase todo o País, suscitando partilhas e divulgação
de conhecimentos. Na Escola Comunitária cada um transmite as suas experiências,
fomentando convívios e solidariedades. Um dia destes, no seguimento de muitos
passeios culturais que vem organizando com os apoios da Casa do Povo e da
Câmara Municipal, foi decidido viajar até Campo Maior. O principal objetivo era
a visita ao muito badalado Centro de Ciência do Café do Comendador Rui
Nabeiro, figura grada na região e não só.
Valeu a pena a visita pelo que vimos e aprendemos sobre uma
cultura e um negócio dos mais importantes à escala mundial. Trata-se de um
museu moderno, tecnicamente bem apetrechado, interativo e esteticamente atraente,
o qual vivamente se aconselha a todos os leitores desta modesta croniqueta.
Valha a verdade que vos diga que neste meu “vício” de
escrevinhar sobre vegetais úteis, apenas tenho escolhido plantas que vicejam na
nossa praça e que conheço razoavelmente. Neste caso, abre-se uma exceção, pois
o género Coffea L, da família das Rubiáceas é um arbusto tropical que não
medra no nosso clima, mas a sua importância social, cultural e económica é
verdadeiramente cosmopolita. Não obstante, podemos apreciar uma plantação em
estufa no próprio Centro da Ciência.
Vi cafezeiros pela primeira vez em São Tomé e Príncipe, numa
fugaz visita a uma roça e logo me impressionou a beleza das plantas com as suas
folhas verdes escuras bem lustrosas, as flores branquinhas muito aromáticas e,
noutra ocasião, os frutos vermelhos, assemelhando-se, pela forma, a lindas
cerejas. Observei-os também no Brasil, principal produtor mundial. A este propósito,
jamais esqueço uma curiosa afirmação do engenheiro agrónomo goês e meu amigo, Fernando
do Rego, quando com ele confraternizei em Pangim: - os Portugueses trouxeram o caju do Brasil para a Índia e agora somos o
principal produtor mundial. Em contrapartida, levaram o cafezeiro da Índia para
o Brasil que é hoje quem dita as cartas desta cultura, verdadeiro expoente da
globalização planetária.
Eis algumas frases curiosas colhidas no Centro da Ciência:
- O café, oriundo da
Etiópia e países adjacentes, é uma cultura que se dá nas regiões que formam a “barriga
do mundo”.
- Um gole de café banha
os espíritos deprimidos e eleva-os para além dos sonhos mais sublimes (John
Milton).
- O café é um bálsamo
para o coração e para o espírito (Giuseppe Verdi).
- O café apaixona-me
como se fosse um fogo lento, sem chama, que não queima, mas que preenche e
acelera todo o ágil sangue nas minhas veias (José Marti).
- A Finlândia é o
principal consumidor “per capita”.
- Atualmente o segundo
produtor mundial é o Vietname.
Não esperem os leitores que venha aqui aprofundar tudo o que
respeita ao café, nem que bote opinião rigorosa sobre as milhentas
controvérsias à volta dos potenciais benefícios e/ou malefícios desta bebida
confecionada com grãos torrados. Como já tenho dito, em fitoterapia não há
absolutismos. O bem ou mal proporcionado pelas plantas depende fundamentalmente
do grau de compatibilidade existente entre a pessoa e o respetivo vegetal.
Ora o café é extremamente complexo. O grão, antes de ser
torrado, possui 100 compostos voláteis. Aliás, está agora em moda o uso do café
verde para os processos de emagrecimento, porque alguém concluiu que ele reduz
a absorção de açúcares e gorduras acumuladas.
Sobre a confeção da bebida, há imensas teorias e práticas no
que concerne ao sabor, ao prazer e aos efeitos que provoca na saúde dos
bebedores. Em primeiro lugar, temos a colheita e a conservação que têm de ser
criteriosas. Depois vêm os processos de torrefação e o “blend”, isto é, a
mistura entre os géneros mais conhecidos: o arábica e o robusta.
A seguir, há que ver como se processa a fervura e a escolha entre a simples
“bica”, o “carioca”, o descafeinado, o expresso e muitas outras modalidades de
apresentação.
Entre os aspetos potencialmente negativos da bebida,
salientamos os seguintes:
- A adição de açúcar (Portugal é dos países onde as saquetas
contêm maior quantidade de açúcar).
- A existência de alcaloides, um dos quais poderoso, a cafeína, que é uma droga e causa
habituação.
- A concentração de cafeina é maior nos cafés “expresso”, que
em Itália é spremutom ou seja, espremido, país onde o processo foi inventado.
De referir que a cafeína chega às células do corpo em menos de 20 minutos e
aumenta a influência do neurotransmissor dopamina.
- A ação diurética compulsiva e a redução da taxa dos
neurónios.
- A acidez do café provoca maior secreção de ácido clorídrico
e, por via disso, pode causar gastrites, irritações nos intestinos e colites.
- O nervosismo e a perda de sono.
Como propriedades benéficas, apontam-se as seguintes:
analgésica, cardiotónica, depurativa, digestiva, diurética, estimulante,
excitante, revigorante intelectual, sudorífera, dilatadora dos brônquios,
auxiliar no tratamento da diabetes (sem açúcar, obviamente), inibidora de
Parkinson e de Alzheimer.
A minha conclusão é que não devemos levar à letra tudo o que
se diz sobre os benefícios do café que é, não nos esqueçamos, um produto
mercantil, cotado na bolsa de Nova Iorque e altamente lucrativo.
Julgo que quem não
sentir efeitos adversos, poderá beber um café por dia para estimular a sua
produtividade pessoal, sem prejuízos de maior.
Os brasileiros não
conhecem o termo pequeno-almoço, preferem
o café-da-manhã, que evidencia bem a
popularidade que a bebida atingiu.
E, por ora, embora o universo do café seja vastíssimo, mais
não digo!