Graffitis fotografados por Luís Souta, 2015.
Cascais, Cobre, Rua António Livramento
«Ó mar salgado, quanto do teu sal
São
lágrimas de Portugal!»
(Fernando Pessoa “Mar Português” in Mensagem,
1934)
Considero estes graffitis (2 em 1) uma homenagem, de um
jovem autor anónimo, ao grande poeta do Desassossego.
Assim se decora um viaduto (um dos muitos «não-lugares» da nossa
sobremodernidade, Marc Augé, 1992) que se pode ver na 3ª Circular-N9 (um de
cada lado), quando se vem de Alcabideche no sentido Cascais-Guincho; quase no
final da subida lá está o viaduto que dá acesso ao Cobre, um bairro sossegado,
de vivendas, da vila de Cascais.
Pessoa, neste
conhecido poema, lembrou as «quantas mães choraram», os «quantos filhos em vão
rezaram» e as «quantas noivas ficaram por casar»… «para que fosses nosso, ó
mar».
“Esqueceu-se”,
todavia, de todos os que se afundaram (e quantos foram!) nas águas
transatlânticas e que os portugueses haviam feito escravos, num comércio tão ao
mais rentável que os da especiarias. Muitos daqueles Negros não chegaram a ver
a capital do Império. As condições desumanas desse transporte transformavam,
também para estas populações, as longas viagens atlânticas e índicas em autênticas
jornadas «trágico-marítimas». Bué de naufrágios…
«Valeu a pena? Tudo
vale a pena»… Será assim? A história parece, às vezes, que se repete. Mas não,
a história é irrepetível. Para essa similitude, os cientistas sociais usam
agora o conceito de «reconfiguração». Daí, a hodierna “escravatura”… branca, do
trabalho infantil, ou a dos imigrantes desesperados do norte de África, que
encontram a inesperada sepultura nas águas do civilizado Mediterrâneo. Saibamos
aprender com a história (com ‘h’ ou ‘H’), não esquecendo todos os «actores
sociais» que a protagonizaram. Penitenciemo-nos pelos erros passados, pedindo
perdão, quando for caso disso, ou erguendo um «artefacto» que nos recorde essa
gente que também nos mostrou como a nossa «alma», em muitas ocasiões, foi bem
«pequena».
É isto que eu vejo
nestes dois graffitis. Outros, farão
diferente leitura das cordas multicores, do mar azul, do homem, do remo, e… É
essa a beleza da arte! Cada um interpreta os «signos» de acordo com as suas
crenças, sensibilidade, estado de alma e experiência de vida. Uns ficam presos
aos «significantes» – os traços, as cores, a composição. Outros agarram-se aos
«significados» reais, mágicos ou imaginários. Na arte cada um vê (quase) o quer
ver.
Luís
Souta
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