terça-feira, 9 de junho de 2015

O DIÁRIO DA MATILDE - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

O MEU PRIMEIRO DIA DE AULA 

Portugal vai ardendo, de mansinho 
arde devagarinho, 
paulatinamente. 
Arde na mata e no quintal 
que a alma se vai queimando 
sem remédio para tal. 


O país continua sob o efeito de dedinhos perversos. Quem terá interesse na desestabilização da sociedade portuguesa? 



Mas o grande destaque da jornada vai para a primeira aula da Matilde. 

As primeiras impressões são boas. A rapariga não teve qualquer embaraço em ficar na sala e ver a mãe partir e teve mesmo o à vontade para escolher o lugar e ainda manter a cortesia de perguntar ao menino que já ocupava uma das cadeiras de uma mesa, se poderia sentar-se ali. Depois, quando a reencontrei à saída, mantinha o sorriso de sempre e manifestou a satisfação pelo dever cumprido. O habitual sim respondeu à pergunta se tudo correra bem e o mesmo se passou quanto ao ter gostado ou não deste primeiro dia. 


De acordo com as suas palavras, a sessão foi dedicada a arrumar a sala e os materiais, isto, obviamente, logo após as devidas apresentações. Seguidamente ao intervalo – que acontece por volta das onze – completaram o que restou da manhã com o desenho de uma menina – que eu suspeito estar relacionado com o método de aprendizagem da linguagem escrita que, justamente, avaliando pelo que ocorreu com a Margarida, começa por aquele vocábulo. 

Segundo a Luísa e o que eu corroborei no regresso, ao contrário do que sucedera com a irmã, não houve mãozinhas frias, nem requisitos de companhias. E o reencontro foi tão natural que a ternura igualou a de todos os dias. 


O parceiro do pardalito chama-se Miguel Ângelo e cruzámo-nos com ele no caminho para casa. É franzino e usa óculos. 


A Margarida exerce a veterania e, como seria de esperar, agradou-lhe rever os colegas e reatar a sua vidinha de estudante. Desta vez teve o acréscimo gostoso de acompanhar a mais novinha no recreio. Vai e vem pelo seu pé, o que faz desde o passado ano lectivo, muito embora tenha continuado a esperá-la às três e meia da tarde. 

Depois das arrumações, fez uma composição sobre as férias. 


E é tão bom almoçar em conversa com os meus anjinhos. 


Pois eu direi que, pelo menos por ora, a tranquilidade é a nota dominante na Matilde. 
Inda há pouco, no retorno da hora da ginástica, lá vieram as gralhas – a Beatriz também estava presente – alegremente estabelecendo um plano qualquer sobre cantigas de natal. 

“-Ó pai! Parece mal nós irmos assim de porta em porta para cantarmos umas cançõezinhas de natal?” –Perguntou a mais velha de todas. 


Há cansaço físico? Claro que há. 
E a alma? 



Dado o horário, no caso da Matoldas, ficou estabelecido que a mãe a levará à escola, deixando o papel contrário ao pai, à hora do almoço. 



Um economista de renome, creio que norte-americano, defende que a ultrapassagem dos três pontos do défice público na zona euro, não será tão dramática como o próprio, de tão baixo, pode sugerir. Fala até numa margem que pode chegar aos seis por cento. 
Por cá, a Ministra das Finanças continua esforçadamente interessada em não exceder o tecto proposto. Provavelmente com a antevisão de um certo malabarismo à mistura, no mês passado afirmou esperar um resultado final à volta dos dois vírgula nove por cento. 
Talvez fosse bom atentar naquelas palavras e factos prováveis. 

O mal que nos tolhe é que no caso da França e da Alemanha, para quem se desenha aquela possibilidade de fugir à regra acordada, no caso desses países é a perspectiva de que um aumento da despesa pública possa contribuir para a retoma do crescimento das respectivas economias. Ora a Drª. Manuela Ferreira Leite sabe bem que não é essa a nossa realidade. Entre nós, o saldo negativo pode é ser provocado por algo tão edificante como, por exemplo, a organização do europeu de selecções, em futebol, para o qual se construirão uma dezena de estádios e se pagarão as acessibilidades inerentes. 

No entanto, o Fundo Monetário Internacional prevê um défice orçamental de três vírgula dois por cento para o corrente ano, em Portugal. 



Pois não é que no Porto, a actual direcção distrital do Partido Socialista perdeu as simpatias e as tréguas do Engenheiro Orlando Gaspar – chamam-lhe o mestre, vejam só (1) – ex-líder da concelhia portuense e homem de confiança de Pinto da Costa, o inenarrável presidente do Futebol Clube do Porto? 

Curiosamente, isto após a fuga de Fátima Felgueiras, a Presidente da Câmara da cidade homónima, para o Brasil, pouco tempo antes de sair o mandato de captura da senhora; da actual liberdade, mediante caução, do Dr. Pimenta Machado, o homem forte do Victória de Guimarães e de hoje termos ficado a saber do início do processo, em Felgueiras, no qual, para além da chefe ausente, há nada mais nada menos que outras dezoito pessoas acusadas. 
Mas isto são só coincidências, não é verdade? 



Há é sempre um Naipaul por aí, para nos encantar o espírito. 

E assim tive a felicidade de descobrir mais um Escritor de quem acabei de ler um romance que enquadro no conjunto das obras-primas, de seu título, “Uma Vida Pela Metade”. 

Aquele artesão das letras indiano é um paisagista do melhor quilate. Nós vemos a savana arroteada de Moçambique. Mas igualmente os corpos e os rostos do povo anónimo. 
É tão pungente a tragédia da humanidade que ali é retratada que nos faz crer no propósito de uma alegoria sobre a mesma. 
São os círculos em que nos temos movido – enquanto espécie – sem sabermos muito bem porquê, nem para onde, mas sempre persistindo em permanecer na Terra. 

E como é elegante no uso que faz do método narrativo em rectroacção de memória. 


Foi muito inteligente a ficção da personagem que serviu de base a Somerset Maugham para escrever o “Fio da Navalha”. 
Não é só pela homenagem que assim se presta à Literatura na pessoa de um dos seus grandes Mestres. 
É também pelo mote para vermos como ele aborda a questão do contacto entre indivíduos de culturas diferentes e como nos chama a atenção para as dificuldades e os mal entendidos que usualmente se geram em tais situações. 
A Índia que nos descreve deixa-nos ver tão bem as fantasias com que os olhos dos ocidentais se debruçam sobre aquele sub-continente. 


Bem, lá terei que lhe ler o resto das obras. 



E para nos lembrar a pequenez, o furacão Isabel atingirá a costa Leste dos Estados Unidos nas próximas horas. 

Esperam-se danos incalculáveis. 



Aqui, a noite traz consigo uma frescura que nos beija o ócio. 

Vamos gozar-lhe o perfume. 

Alhos Vedros 
  18/09/2003 


NOTA 

(1) Pacheco Pereira, O PS IMPLODIU?, p. 5 


CITAÇÕES BIBLIOGRÁFICAS 

Maugham, W. Somerset, O FIO DA NAVALHA, Tradução de Lígia Junqueiro Smith, Edição “Livros do Brasil” Lisboa, Lisboa 
Naipaul, V. S., UMA VIDA PELA METADE, Tradução de Maria João Delgado, Publicações Dom Quixote (2ª. Edição), Lisboa, 2002 
Pacheco Pereira, O PS IMPLODIU?, In “Público”, nº. 4928, de 18/09/2003

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