Croniqueta sobre o
potencial de Aidos da Vila
Fico muito grato ao meu amigo Dr. Valdemiro Gonçalves
Pereira, economista reformado, naturalista e eminente biófilo, por me ter
convidado para uma ação de formação no seu Jardim Botânico “Aidos da Vila” em
Vilarinho de Bairro – Anadia.
Aidos da Vila goza de uma centralidade invejável, a 30 km a
norte de Coimbra e a outros 30 km a sul de Aveiro, situado em pleno centro
geográfico da Bairrada. A quinta tem apenas um hectare mas é altamente
favorecida por um microclima versátil, um solo silicoargiloso muito fértil com
pH neutro e uma generosa toalha freática. A estes valiosos atributos há que
juntar a sapiência e o entusiasmo do seu proprietário que incessantemente
investiga e experimenta novos processos de adaptação de plantas de todos os
continentes, dilatando a biodiversidade do seu precioso espaço. Gonçalves
Pereira, que iniciou há 22 anos este projeto autofinanciado, adequa as
condições do solo às preferências alcalinas ou ácidas das várias espécies e
cria uma verdadeira sociologia vegetal em que as plantas se consociam e se protegem
mutuamente conforme as suas características específicas.
Visitar este Jardim Botânico através de um percurso guiado
proporcionado pelo seu autor, constitui um deslumbramento para os sentidos e
uma lição mais profícua do que, porventura, qualquer curso de botânica
facultado em vários meses de áridas teorias. Sei do que falo pois, sendo também
um biófilo tenho já um palmarés notável no tocante a visitas de jardins
botânicos de todo o mundo. Realço os principais que vi nas seguintes cidades:
Havana (Cuba), Santo Domingo (República Dominicana), Washington, Rio de
Janeiro, Buenos Aires, Londres (Kew Gardens), Mainau – Lago Constança
(Alemanha), Paris (Jardin des Plantes), Madrid, Roma, Genebra, Edinburgh,
Reiquejavique (Islândia), Malta, Christchurch (Nova Zelândia), Melbourne, Sidney,
Pyongyang (Coreia do Norte), Kandy – o mais antigo do mundo (Sri Lanka), Hainan (China), … Como é
natural, visitei também os jardins botânicos de Coimbra, Porto, Serralves,
Faial, Funchal, Tropical da Ajuda (lastimavelmente muito abandonado) e o da
Faculdade de Ciências de Lisboa, integrando a respetiva Liga dos Amigos.
Tudo
isto para dizer que nenhum me encheu tanto as medidas como este dos Aidos da
Vila. Poderão pensar que exagero, pois comparar este jardim com os
Kew Gardens é como comparar o Papa com o cura cá da terra. Mas explico melhor!
É que Aidos da Vila, pelo facto de ter apenas um hectare, proporciona uma visão
de conjunto e uma perspetiva de superior utilidade porque se centra
fundamentalmente em preparações fitoterápicas e na produção de inovadores
alimentos biológicos a partir do solo.
Isso ficou bem patente no almoço vegetariano que deliciou
todos os participantes no dia 20 de junho de 2015. Nunca imaginei que as barbas
de milho verde ficariam tão bem numa salada crudívora, nem que as pétalas das
flores de feijoa eram tão doces. Para não referir o paté de tremoço e abacate,
o puré de fava com beldroegas, o estufado de feijão vermelho, com broa de
milho, couve-galega e rábano-silvestre, o bolo de flor de sabugueiro, a
limonada com oximel, o hidromel e as infusões de plantas aromáticas. Tudo isto
proveniente daquela quinta de um só hectare.
Para verem que não exagero nas minhas apreciações, acrescento
que Aidos da Vila junta cerca de 700 espécies oriundas de todos os continentes,
incluindo 60 fruteiras exóticas e mais de 500 aromáticas, medicinais e
tintórias.
No percurso efetuado deu para provar (impensável em qualquer
jardim botânico estatal), groselhas e framboesas de várias cores e sabores,
mirtilos, abacates, invulgares citrinos e, é claro, também damascos, pêssegos,
ameixas, cerejas…
Fui anotando, sem qualquer seriação rigorosa, algumas
espécies à medida que íamos caminhando e que registo apenas como mera
curiosidade: lúpulo, erva-benta, cavalinha, equinácea, mandioca, ínula, konjac, saponária, camélia japónica, camélia chinesa (chá),
pé-de-leão, Menta spicata e inúmeras
mentas, nigela, mirangolo, sapoti, jabuticaba, ulmária, Armoracia rusticana, Lippia
alba, canforeira, caneleira, tupinambo, angélica, consolda, santolina,
tomilhos, aipos, borragem, hissope, fisális, espargo, levístico, pimpinela,
salva, alcaparra, mostarda-negra, … …
Com curiosidade observei os dois eucaliptos citriodora e apanhei umas folhinhas para
mostrar aos alunos de fitoterapia da Universidade Sénior dos Coruchéus,
lembrando um episódio que ocorreu há alguns anos no Campo de Tiro de Alcochete.
As referidas folhas tinham fama de serem afrodisíacas e os magalas despenavam
literalmente a única árvore que havia no citado quartel. Certa vez, o
Presidente da República, Mário Soares, em visita à Unidade, recebeu do
respetivo Comandante um envelope com três ou quatro preciosas folhas e
agradecendo, logo retorquiu “Vou dar à minha Maria para fazer um chazinho!”
Aidos da Vila é também notável por ser um centro ecológico
autossuficiente em termos de energia e de abastecimento de água. Estão
instalados na residência vários painéis solares e fotovoltaicos que permitem
eletricidade e águas quentes com fartura. Existem ainda fornos solares e
tradicionais, extratores de essências, alcoolaturas e açúcares substitutos da
sacarose. Os biocompostores, instalados faseadamente, decompõem a matéria
orgânica proveniente dos vegetais e do estrume dos animais domésticos da
quinta, constituindo um belíssimo exemplo prático do que é o modo de produção biológico.
Notável é também a parte dedicada à apicultura com produção
de mel de excelente qualidade, cera, pólen, própolis, oximel, hidromel, vinagre
de mel e pasta vegetal dourada (azeite, mel e nozes).
No laboratório de bioquímica, Gonçalves Pereira, procede a
aturados ensaios relativamente aos métodos de germinação a partir do seu banco
de sementes. Com rigor, aqui se observa, estuda e respeita a planta em todo o
seu ciclo de vida, ou seja, da semente à semente. Produz ainda licores, azeites e vinagres aromáticos,
cosméticos, florais, sabonetes e perfumes. Em estudo está o fabrico de biojoias
e de artesanatos variados com destaque para a utilização do linho e do bunho.
Concluindo, lanço um repto a todos os que me leem para que os
estabelecimentos de ensino aproveitem este paraíso da natureza e os
conhecimentos práticos e teóricos que ele propicia. Aproveito também para
sugerir veementemente visitas programadas e participação nas ações temáticas
formativas que ciclicamente vão tendo lugar neste encantador espaço botânico.
Junho/2016
MIGUEL BOIEIRO
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