Uma Revista que se pretende livre, tendo até a liberdade de o não ser. Livre na divisa, imprevisível na senha. Este "Estudo Geral", também virado à participação local, lembra a fundação do "Estudo Geral" em Portugal, lá longe no ido século XIII, por D. Dinis, "o plantador das naus a haver", como lhe chama Fernando Pessoa em "Mensagem". Coordenação de Edição: Luís Santos.
quinta-feira, 24 de março de 2011
d´Arte - Conversas na Galeria XXX
Vigia Autor António Tapadinhas
Óleo sobre Tela 100x100cm
Perto de minha casa há uma unidade industrial de desmantelamento de navios de grande porte. De vez em quando, passava por lá para tirar fotografias a pormenores dos gigantes prestes a serem trucidados. As tintas degradadas que deixavam ver os primários aplicados, as chapas corroídas pela água e pelo sal, ofereciam cambiantes que me deixavam com inveja dos elementos naturais que os transformavam em objectos de arte.
Na fotografia da tela, embora não se distinga muito bem, procurei, com a grande quantidade de tinta e a sua aplicação com a espátula, dar a textura da chapa corroída, descobrindo as cicatrizes que as sucessivas camadas de tinta não conseguiam disfarçar.
Esta série de pinturas foi interrompida quando um dos seguranças da empresa me ameaçou com uma tareia (maneira suave de dizer que me partia os cornos!), por andar a fotografar e a espiar um local privado. Apesar dos meus tímidos protestos: "Eu sou um pintor, não sou um espião ao serviço de qualquer potência estrangeira", acho que ele não acreditou.
Quem acreditou nas suas ameaças fui eu: ele tinha na mão um ferro mais duro que a minha cabeça. Julguei eu, na altura... e continuo a julgar, porque nunca mais lá voltei!
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4 comentários:
Também me aconteceu coisa parecida. Certa vez em que a água das marinhas e viveiros, ali perto do Cais que falas, apresentava uma tonalidade oleosa, para não dizer preta, fui até lá com um amigo meu que, por acaso, era jornalista do Expresso.
Enquanto olhávamos a triste paisagem em terrenos públicos, alguém que chegava de carro, a uma certa velocidade, fez-nos uma rasia ameaçadora. Na altura, já faz mais de uma dezena de anos, a indignação foi grande e disso démos conta na imprensa local e, inclusivé, tentámos sensibilizar a administração autárquica para repensar a ocupação daquele espaço natural, de grande beleza paisagística, mas as nossas palavras cairam em saco roto.
Beleza, Beleza, só tinha mesmo importância na Grécia Antiga.
Mas nem tudo é mau e, como vemos, alguns pormenores dos gigantes ali abatidos dão magníficas pinturas.
Abraço.
E ainda há quem duvide do quanto a arte pode ser subversiva.
"Quando ouço falar de cultura puxo plogo pela pistola", é frase atribuida a Goebels e que tudo indica que o malvado disse mesmo. Foi pois essa a lógica do férreo argumento com que o homem te confrontou; qual pintor, qual carapuça, o que ele queria mesmo era impedir-te de retratares os sarilhos que só essas gentes das ideias sabem encontrar em toda a parte e que só empatam os que têm sentido prático e querem ganhar a vida. E vai daí a defender o que interessa, foi só o trabalho de ameaçar atirar-te a razão à cabeça.
Pois bem, se uma tal argúcia filosófica transparece na tua obra, não sei, mas que na mesma está patente a morte em que os barcos de ferro desaguam, mesmo quando se afundam, lá isso está. Quer pelas cores que conseguiste, quer pela textura -creio ser assim que se diz- que lhes conferiste, fica clara a erosão da tempo sobre a estrutura em que reteste um instante deste olho moderno que aqui representas.
Haverá mais algum exemplar desta colecção?
É que por esta, continuo a pensar que ganha forma a tal exposição.
Aquele abraço, companheiro
Luís
PS
Na minha gaiatice, havia uma anedota que caricaturizava o Almirante Américo Tomás, dando-o como Autor das seguintes palavras:
"-Portugal estava à beira do abismo. Agora... Agora, deu um grande passo em frente."
Agora, na minha idade madura, pergunto-me se em vez da anedota, não estamos novamente perante a inteligência gozada do seu intérprete. O único problema é que em vez de um Almirante, temos agora uma miríade de fulanos de tais que estão ao nível daquele segundo patamar da teoria da mente. De enriquecimento em enriquecimento chegámos à miséria geral.
Resta-nos dartear, para mantermos a sanidade mental.
Luís
Luis Santos: Não me considero fundamentalista no que toca ao ambiente e, talvez, sobre muitos outros aspectos da nossa vida.
A violência, física ou psicológica, é que dificilmente a consigo compreender.
Também, com a idade vai faltando a paciência para o esforço de encontrar justificações para o que é, quase sempre, injustificável...
Abraço,
António
Luís Gomes: Tenho outro caso em que a minha qualidade de artista, pintor, me salvou da morte ou de algo pior! :)
Na estrada da Jardia para Pinhal Novo existe um terreno que costuma ter bezerros a pastar. Nesse dia, quase noite, com aquela luz que não se pode explicar, porque tem todas as frequências do espectro, deu-se o caso de ter a máquina fotográfica. Parei o automóvel e comecei a tirar fotografias à cerca e aos animais que, ao contrário do outro de que falarei mais tarde, se aproximaram de mim, amistosamente, procurando lamber-me as mãos com aquelas línguas rugosas, grandes como a sola dos sapatos de um basquetebolista americano.
O outro animal que apareceu foi o dono dos seres inteligentes com que eu estava a confraternizar... Safei-me dessa porque eu tive tempo de o convidar a visitar a minha exposição de pintura que estava patente num pavilhão da Festa do Pinhal Novo... Claro que ele nunca apareceu! Julgo que o vi a olhar disfarçadamente e à distância para as obras expostas...
E ainda há quem diga que a Arte não tem utilidade...
Abraço,
António
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