terça-feira, 1 de março de 2011

FACES

ADILSON




“-Filho dje peão é p’rá sáii peão mesmo.”
E assim foi. Findo o primário onde aprendeu a ler e a escrever, a contar e a fazer contas, Adilson começou como moço de mão de seu pai, peão de confiança do senhor de uma grande fazenda de gado.
Com ele aprendeu a montar e a cuidar dos animais, a conhecer o meio e aí saber sobreviver e ainda na companhia do progenitor fez as primeiras boiadas. Depressa se autonomizou e passou a peão boiadeiro.
“-Era duro p’rá caramba.”
Aquilo não era vida de homem, os bichos viviam melhor. E um dia em que um feliz acaso o colocou diante de um grupo de estranhos que pescavam piranhas junto de uma pequena ponte em madeira, pelas conversas que ali ouviu e pelas risadas daquelas pessoas, como que por encanto compreendeu que poderia ganhar dinheiro e viver como aquela moça e aquele rapaz que acompanhavam os turistas.
Tirou-se dos seus cuidados e, pé de onça, lá demandou uma fazenda com exploração hoteleira e virada para o aproveitamento turístico das curiosidades pantaneiras. Caminhou a pé durante um dia e quando lá chegou e apresentou tantos passeios diferentes, com as mais variadas actividades de lazer, o informal empresário contratou-lhe de imediato os serviços de guia.
Adilson fazia um preço por cada indivíduo, o proprietário do hotel aplicava-lhe uma taxa e vendia aos hóspedes visitas e aventuras pelas vias de água que dedilham a selva húmida.
“-Nóóóssa sênhora. Meu filho pássou a gánhárr muito mais do qui táva ganhando.”
Ele era esperto e ambição não lhe faltava. Ensinou outros moços, contratou os serviços de jovens saídas das escolas de agentes turísticos e com isso montou uma firma, a “Viagens Pantanal”.
Por ora está estabelecido em Cuiabá, com escritórios e contabilidade, oferecendo pequenos tours por praticamente todo o estado de Mato Grosso do Sul. É um bem sucedido e já tem fortuna, contudo ainda gosta de ir a conduzir a combi, ou a remar na canoa, explicando aos forasteiros aquilo que não está nas coisas que vêem.
Perto dos trinta, o Adilson continua solteiro.
“-Más tem namorada.”
Agora possui outro sonho, montar uma padaria, talvez com o tempo, quem sabe, uma rede de padarias.
“-Só qui tem qui sêr numa zona dji pobre. Pobre é qui come o pão.”

Pantanal, 29 de Julho de 1995

2 comentários:

A.Tapadinhas disse...

Cervantes, "Dom Quixote":

Ai de quem voga à toa
Em pego escuro
Sem roteiro, sem bússola,
Sem via!
Astro, não vê,
Nem porto
Se lhe oferece!

Uma padaria, quem sabe, uma rede de padarias! Um sonho muito palpável, e mais que isso...

comestível! Quem me dera!

Abraço,
António

Luís F. de A. Gomes disse...

Um tratado da alma, uma profunda reflexão sobre a massa que faz o Homem, é o que essa obra incontornável da literatura mundial conseguiu naquilo que sempre me pareceu uma sublime alegoria sobre Castilla, el hombre castellano e por via disso, de toda a Humanidade.

Humanidade que também se faz de sonhos, como os do Adilson de que afinal o furturo sempre vai nascendo.

Aquele abraço, companheiro
Luís
Luís