terça-feira, 22 de março de 2011

FACES

A PRIMA HELENA



A prima Helena é filha de portugueses mas nasceu e foi criada no Brasil, em Porto Alegre.
Os seus pais eram comerciantes e souberam educá-la nos bons princípios da decência e do trabalho, desde muito nova levando-a a crer que a cada um compete ganhar a vida de forma honesta, sem servir de sobrecarga para ninguém e não ofendendo o alheio. A prima Helena é católica.
E como sabe tirar partido das balizas que o tolerável lhe impõe…
É claro que estamos num país um tanto ou quanto desorganizado e com situações desconcertantes.
Mas a prima Helena sempre foi muito despachada, é a sua índole.
Assim se explica que depois de vinte anos como professora primária, durante os quais acumulou dois horários completos, ela tenha conseguido reformar-se de um e ainda tenha encontrado ânimo para, no entrementes do turno liberto, primeiro cursar direito e posteriormente exercer a profissão.
Tal como ela aconselhou a uma amiga que a acompanhou num curso de Psicologia.
“-A coisa é simples. Basta ler umas coisinhas e aquilo se faz num instante.”
Se com isso a outra obteve uma aposentação por grau mais elevado e melhor remunerada, ela ganhou um lugar nos serviços do Ministério que para além de lhe deixar mais tempo livre, oferece-lhe um vencimento consideravelmente maior.
É mesmo da prima Helena que uma vez percorreu Portugal de lés a lés à custa da bondade do meu irmão mais novo.
Só agora entendi como foi isso possível.
De visita para rever a família, fui recebido com todo o calor e solicitude, tendo ela a gentileza de me reservar um quartinho num hotel quase paredes meias com o prédio onde tem o seu apartamento, mesmo no centro da cidade.
Sendo solteira por opção e vivendo só, naturalmente procurou evitar qualquer mal entendido que a minha presença portas a dentro poderia provocar no seu círculo de relacionamentos.
Mas não foi por isso que deixou de ser uma anfitriã inesquecível.
Levou-me a comer nos melhores restaurantes e fez-me passear de táxi pelos pontos mais interessantes do burgo e arredores. Logicamente paguei eu, pois outra coisa não seria de esperar de um cavalheiro pelo que sempre andou desprevenida com o dinheiro.
A prima Helena é assim e ficou contente por me ver de boa saúde.
Diz que retribuirá a minha visita. Oxalá não cumpra a promessa.

São Salvador da Bahia, 1 de Agosto de 1995

4 comentários:

A.Tapadinhas disse...

Lembrei-me de um ditado que era muito citado na minha meninice: quanto mais prima, mais se lhe arrima!

Dado o tempo entretanto passado, tenho a certeza que irás ser poupado ao tormento de "A prima Helena", II Capítulo...

Abraço,
António

Luís F. de A. Gomes disse...

Não conhecia o provérbio.

Mas devo dizer que curiosamente, pelo menos que me lembre, já me aconteceu ver uma personagem saltar de uma aventura para outra, especificamente de um conto para um romance. A curiosidade está em que isso até nem sucedeu de propósito. Eu fui esculpindo uma biografia e quando dei conta, muito simplesmente percebi que aquele mundo mais não era que a continuidade de um outro que dera vida a um dos contos -salvo erro o primeiro de todos dos que então para o efeito escrevi- da minha primeira compilação que sucedeu já no distante ano de oitenta e sete do século passado.
Não seria pois a primeira vez que haveria uma segunda aparição de um, neste caso uma, dos exemplares da galeria que tenho construido e, para ser sincero, consigo até vislumbrar chama e energia nesta prima Helena para vir a voar em outros momentos e situações. Mas não me parece que isso venha a suceder pois o cromo lá ficou no álbum e jamais deu o mais leve sinal de querer sair dali. Não tenho pois que me preocupar quanto a ser ou não poupado ao segundo capítulo desta prima Seria uma tormenta, lá isso seria.

Aquele abraço, companheiro
Luís

Amélia Oliveira disse...

Desculpem-me a franqueza mas, apesar da forretice, eu até gostei da prima Helena! Afinal é ou não é uma mulher de armas? É ou não é uma mulher inteligente? Não lhe podem negar o mérito...

Luís F. de A. Gomes disse...

Olá, Amélia

Eu também gosto dela.

E sim, concordo penamente que é uma mulher de armas e - até direi -bastante inteligente.

Aliás, devo expressar o quanto me satisfaz que assim penses, pois fazes justiça à Helena que aqui até foi menorizada à condição de prima. Com o que observas - e digo que ainda bem que isso aconteceu - fazes com que a prima Helenea ganhe vida para lá do texto. Agradeço-te por isso.

Tchim! Tchim!

Luís